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DAFT PUNK ACABA NUM TEMPO DE HEDONISMO FESTEIRO

 

O clipe, tirado de um filme do Daft Punk, mostra a cena de um grande deserto.

Dois homens com capacete se encontram, depois de andarem lado a lado.

Depois de um tempo se olhando, um deles tira o casaco e vira as costas para o outro.

Então o outro vê os botões nas costas do que tirou o casaco e aperta. Uma contagem final é acionada.

O homem que tirou o casaco se afasta, andando pra longe. Até que, encerada a contagem, explode.

Em seguida, um logotipo mostra o intervalo de tempo da dupla francesa: 1993-2021.

Desculpem o espóiler, mas isso não impede que o pessoal veja o vídeo de despedida do duo francês, sua última música, intitulada "Epilogue".

Nela uma balada (mesmo - sem dialeto jovempanês) eletrônica toca e, em fade in, surge um coro feminino.

O coro entoa repetidamente um único verso, que diz: "Espere. Se o amor é a resposta, você está bem casa".

O clipe, se acreditarmos em mensagem subliminar, indicaria que só um dos dois músicos permanecerá nas atividades musicais.

O Daft Punk foi formado por Thomas Bangalter, marido da estonteante Elodie Bouchez, e Guy-Manuel de Homem-Christo.

Ambos começaram como músicos de rock, com  fracassada banda Darlin', até que acharam engraçado apelido pejorativo que um crítico da Melody Maker deu ao grupo: "punk bobo".

Foi aí que o grupo - sem um dos membros, Laurent Brancowitz, que foi para o Phoenix - usou esse termo, "Daft Punk", para um projeto eletrônico.

O grupo conseguiu ter um frescor típico do rock com uma sonoridade diferente, através do disco Homework.

Numa época em que as "salvações do rock" eram Marilyn Manson e Flaming Lips, faz sentido ver ousadia na cena eletrônica de 1996-1997.

Chemical Brothers, Air, Cassius e Daft Punk e, em seguida, o ex-Housemartins Norman Cook com seu Fatboy Slim, fizeram a Europa respirar criatividade em meio a sâmpleres e sintetizadores.

Perguntou-me até se a música eletrônica iria substituir o rock. Exageros a parte, aquele biênio significou renovação num gênero musical popularizado pelo Kraftwerk.

Claro que os tempos mudam e mesmo a música eletrônica perdeu depois o rumo com DJs ególatras que mais pareciam animadores de aeróbica do que músicos.

O efeito do vocoder em Daft Punk tinha graça, mas quando virou fórmula passou a torrar a paciência até de budista.

Tanto que, com casos como o rapper Lil' Wayne gravar sempre com voz robotizada, eu chamava ele de Lil' Ney Tubes, devido a sua "voz de Pernalonga" que o vocoder lhe produziu.

Pelo menos, com o próprio gogó, Mel Blanc produzia resultado bem melhor.

O fim do Daft Punk se deu como provável reação à banalização do seu legado.

E foi cerca de dez anos depois do fim do R. E. M., Que enfrentou a banalização da cosmética do clipe de "Losing My Relógio", usada até em clipe de axé-music.

Na verdade, os fins, amigáveis embora surpreendentes, do R. E. M. e do Daft Punk refletem uma contramão do comercialismo, da fama e do hedonismo festivo mas fútil.

Em 2011,  banda de Michael Stipe decidiu encerrar carreira, 13 anos após o baterista Bill Berry sair, se aposentar da música e voltar para a vida privada.

O recado do R. E. M. era que, num mundo em que anônimos buscam a fama obsessivamente, mas sem um pingo de talento, a banda encerra atividades para retornar à vida particular.

Creio ser, em parte, o propósito do Daft Punk.

Em todo caso, o duo se desfaz quando eles, que queriam humanizar a música robotizada, viram crescer a robotização do pop juvenil contemporâneo.

Uma música que, por mais comercial que fosse, pudesse ter um pingo de humanidade, leva ao extremo a robotização vocal, a falta de identidade musical e o excesso de dançarinos.

Um pop confuso, ditado por um encastelado tirano Max Martin e que virou franquia com intragáveis j-pop e, sobretudo, j-pop, virou um processo perverso de desumanização da cultura jovem.

Com esse comercialismo voraz e opressivo - a desumanização no k-pop já levou vários ídolos juvenis ao suicídio - , além de um hedonismo festivo que ilude sobretudo o Brasil, teve que haver uma atitude drástica.

É o fim dos homens-robôs do Daft Punk para pedir um pouco mais de humanismo na música jovem contemporânea.

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