UM DOS REMANESCENTES DA LEGIÃO URBANA, DADO VILLA-LOBOS FARÁ A TRILHA SONORA DO FILME 'AUMENTA QUE É ROCK'N'ROLL', SOBRE A RÁDIO FLUMINENSE FM. ENQUANTO ISSO, A RÁDIO CIDADE TOCARÁ OS SUCESSOS (E SÓ OS SUCESSOS) DA LEGIÃO NO SEU APLICATIVO DIGITAL.
Enquanto é finalizado o filme Aumenta Que é Rock'n'Roll, de Tomás Portela, dedicado à Rádio Fluminense FM, sua rival maior, a Rádio Cidade, deixa o rádio FM do qual deixou sua marca, no próximo dia 10, para dar lugar a uma FM evangélica.
Antes de mais nada, a Fluminense FM era de um tempo em que rádio de rock não era essa "Jovem Pan com guitarras" que pipocou facilmente no dial desde 1990. Não era essa coisa de locutores saradões ou fofinhos, com suas vozes macias e suas gracinhas, tirando sarro com as bandas roqueiras.
A Fluminense FM era uma rádio de rock de altíssimo nível, apesar dos problemas financeiros. Em era pré-Internet, ela realizava façanhas tocando nomes pouco conhecidos do grande público roqueiro, e se recusava a se concentrar nos hits, abordando um leque muito amplo de músicas e artistas.
Ouvi a Fluminense FM, por "intermédio" de um vizinho que sintonizava a rádio enquanto tocava guitarra, entre 1982 e 1984. Depois ouvi a rádio por conta própria até 1990.
Quando cheguei a Salvador, fiquei puto da vida quando ouvi uma marmelada chamada 96 FM, porque esta era uma rádio pop travestida de rock, formato que, infelizmente, acabou prevalecendo. Afinal, desde quando um sujeito como Thiago Mastroianni (atual TV Bahia) é radialista de rock?
Era até surreal. Na rádio popularesca Itapoan FM, uma locutora, Adriana Quadros, tinha o estilo de locução de rádio de rock, mas anunciava músicas popularescas. Thiago Mastroianni, com aquele estilo pop escancarado, anunciava artistas de rock. Troca de papéis, não é mesmo?
E aí a Fluminense FM, assim como outras rádios originais de rock, foram pressionadas pelo mercado e pela concorrência predatória das canastronas "rádios rock" comerciais, e foram extintas uma a uma.
A Fluminense FM virou mito, que será de certa forma retrabalhado pelo filme de Tomás Portela, com Johnny Massaro no papel de Luiz Antônio Mello. Detalhes da produção podem ser obtidos na coluna de Ancelmo Góis, de O Globo.
O filme, que já tem item no Internet Movie Data Base, tem também no elenco Marina Provenzzano e dois atores de comédias da Rede Globo, George Sauma e Orã Figueiredo (sem parentesco comigo).
O filme também marca a despedida de Flora Diegues, filha de Cacá Diegues.
Em 2019, ela foi se "encontrar" com Samuel Wainer Filho, Carlos Lacombe (sem parentesco com o bolsomínion Luiz Ernesto), Alex Mariano, Renato Russo, Renato Rocha, Cazuza, Celso Blues Boy, Raul Seixas, Malu Vianna e Júlio e Denise Barroso, personagens da Flu FM na fase áurea.
A trilha sonora será de Dado Villa-Lobos, que foi membro da Legião Urbana, uma das bandas lançadas pela Fluminense FM e da qual a Rádio Cidade toca somente os hits que qualquer rádio não-roqueira já tocou em algum momento.
Pena que a Flu FM foi extinta, depois de sabotada por uma equipe de incompetentes que incluiu o bobalhão Rhoodes Dantas (espécie de Tatola carioca), que entregou a Flu FM para seus amigos que atuaram como DJs na vida noturna da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Foi essa turma de valentões das pick-ups que se dividiu em implantar a Jovem Pan Rio nos 94,9 mhz e em transformar a Rádio Cidade numa dublê de rádio rock, nos anos 1990.
A canastrice da Rádio Cidade deu certo comercialmente falando, mas ela nunca atingiu um público autenticamente roqueiro.
Os "roqueiros" que sempre ouviram a Rádio Cidade, nos anos 1990, nunca foram órfãos da Flu FM, porque, nos anos 1980, eles eram crianças ouvindo a rádio 98 FM e sua programação popularesca.
Viraram "roqueiros" apenas por um capricho de buscarem uma rebeldia que lhes faltava. Algo de ressentidos querendo parecer durões.
Depois eles viraram bolsomínions, na época da "rede rock" da dupla rockneja Cidade e 89 FM. Em 2000 já pensavam na extinção do Poder Legislativo como pretensa salvação da pátria. Jair Bolsonaro ficaria muito orgulhoso, Eduardo mais ainda.
Afinal, bastaria um cabo, um soldado e uma dublê de rádio rock e seu gado de ouvintes reaças - e que, sem conhecer 1% do que é produzido de rock no mundo, se acham donos do segmento - dissolverem o Legislativo que, queiram ou não queiram, é ferramenta necessária para nossa democracia.
O problema não é o Legislativo como instituição, mas os membros que usam dessa instituição para obterem vantagens ilícitas.
E aí chegou a notícia de que a Rádio Cidade sairá do dial FM, dos 102,9 mhz onde, num belo feriado do Dia do Trabalho, a emissora transformou a história do rádio tocando...DISCO MUSIC!!
A notícia foi dada pelo portal Pop On Line, e deve ser lida com cuidado, porque mais parece um press release do que uma matéria jornalística.
Claro, tem aquela mensagem otimista, que se resume assim: "vamos deixar o dial FM porque estaremos numa multiplataforma digital, que é a tendência da mídia atual".
Ora, se até a Ford, quando decidiu sair do Brasil, veio com um discurso otimista, alegando que iria "reestruturar" os negócios na América Latina, é claro que a Rádio Cidade não irá sair do dial FM de cabeça erguida.
Primeiro, porque a fase flash rock não deu certo. E o tal aumento de audiência de 33% é cascata, fruto de sintonias alugadas em estabelecimentos comerciais.
São os estabelecimentos comerciais que estabelecem um aumento artificial de audiência de rádios. Basta esses estabelecimentos sintonizarem tais rádios e, depois, "emprestavam" o número de fregueses e frequentadores desses lugares para forjar o número de ouvintes da emissora sintonizada.
Por exemplo, se uma loja é frequentada por 50 mil fregueses, estes são atribuídos, falsamente, como "ouvintes" da emissora que aparece sintonizada em algum aparelho de som de algum vendedor ou, no caso de lojas de eletrodomésticos, do principal aparelho de som exposto à venda.
Em Salvador, rádios compravam sintonias até em papelarias e livrarias para disfarçar a baixa audiência de suas transmissões esportivas. A Transamérica e a Metrópole participavam desse esquema jabazeiro.
Só que os frequentadores ficavam irritados. Eles nada podiam fazer, mas estava claro que livraria ou papelaria não são estádios de futebol para sair por aí com o som do locutor narrando uma partida aos berros. O vendedor que usasse fone de ouvido, se quiser ouvir uma tranmissão dessas.
E aí a Rádio Cidade só era sintonizada mesmo por gente que nada tinha a ver com rock e que ouvia por curiosidade aqueles sons que, na sua indigência cultural, lhes soam esquisitos.
Percorri as ruas de Niterói e Rio de Janeiro e quem sintonizava a Rádio Cidade tinha jeitão de fãs de "funk", de "sertanejo universitário" e "pagode romântico". Vi um titio sessentão, desses que ouvem pop adulto romântico, sintonizando a Rádio Cidade no Centro do Rio.
Ninguém que lembre um fã de rock autêntico, alguém com quem se possa conversar sobre rock e falar de coisas interessantes.
Paciência. É o processo de Comunicação. Emissor e receptor num clima de faz-de-conta. A Rádio Cidade finge que é rádio rock e os ouvintes da rádio fingem serem roqueiros.
Neste sentido, os ouvintes da Rádio Cidade não merecem conversa alguma. Melhor falar sobre rock com Ronnie Von, Alceu Valença ou Zé Ramalho.
Até porque a Rádio Cidade, que há dois anos atuou como um arremedo politicamente correto da Fluminense FM - mas com seus locutores quase todos de estilo pop - , perdeu o fôlego.
A Rádio Cidade forçou muito a barra tocando tendências do rock consideradas "difíceis" para os padrões da emissora.
Não tinha como dar certo, jogar muito rock dos anos 1960 e 1970. Para os ouvintes acostumados com System of a Down, Raimundos, Guns N'Roses e Charlie Brown Jr. e para os quais é duro até ouvir Pearl Jam por mais de duas horas, era difícil aguentar tanto peso pesado.
Daí que, com o tempo, a Rádio Cidade chegou ao padrão rock hits dos últimos meses. Com direito a locutor falando em cima das músicas e fazendo gracinha, como o "tchirulirulirouou" do locutor do Giro da Cidade que anunciou "Cena de Cinema" do Lobão.
É claro que é uma conversa publicitária dizer que a rádio saiu de "cabeça erguida" do dial FM, que agora se tornará "multiplataforma", "mais interativa" etc.
E ainda mais com bobagens do tipo "A Rádio Cidade é um patrimônio da nação roqueira".
Até Fausto Silva anunciou sua futura saída da Rede Globo de "cabeça erguida". Faz parte da retórica publicitária. Ninguém quer parecer derrotado aos olhos dos outros.
O que provocou a Rádio Cidade a sair do dial FM é o fracasso da experiência roqueira, que nunca foi grande coisa.
Quando muito, a Cidade chegava aos níveis de programas específicos da Fluminense entre 1991 e 1994, como Overdrive e Hellradio. E isso, também, nos programas específicos que a Cidade transmitiu nos anos 1990, aliás, uma minoria deles.
Em outras palavras, não era um Cidade do Rock ou um Hora dos Perdidos que seguiriam essa exceção, até porque esses programas são genéricos "roqueiros" de As Sete Melhores da Pan e Pânico da Pan.
Ou seja, um 102 Decibéis ali e um Novas Tendências acolá, embora tivessem sido transmitidos antes da fase pós-1995, serviriam para exemplificar essa pálida exceção.
E a Rádio Cidade era tão blindada pela mídia, com tanta gente passando pano na programação "roqueira" medíocre da emissora, que ela tornou-se o antônimo da Fluminense FM, ou seja, a rádio dos 102,9 mhz estava mais para Bendita, e não Maldita.
Na programação diária, então, a Rádio Cidade chegou a ser muitíssimo pior do que a Fluminense FM dessa fase decadente. Por muito menos, a Fluminense FM saiu do ar. Com os mesmos defeitos mais outros bem mais graves, a Rádio Cidade sobreviveu uns 25 anos no dial, descontados hiatos.
E devemos lembrar, também, que o rock está em baixa, é visto como um gênero desgastado e sem qualquer diálogo com a juventude.
A Rádio Cidade nunca iria sobreviver no dial FM fora da bolha dos rockmínions que só ouvem hits de rock e se acham os maiores donos da verdade roqueira.
Além disso, já temos pretensões demais debaixo do rótulo "rock", ainda mais com o gênero bastante enfraquecido e debilitado.
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