Uma conversa transmitida no YouTube entre a ex-empresária de Anitta, Kamilla Fialho, e o consultor e empresário Clemente Magalhães, deu o que falar.
O bate-papo, de duas horas, no canal Corredor 5, já chmava a atenção pela mentalidade abertamente comercial e empresarial que está por trás da música popularesca, erroneamente definida como "música de pobre" e "sustentada através de estruturas modestas dos coletivos culturais".
A discurseira já foi desmontada pelo livro Esses Intelectuais Pertinentes..., que só não é um grande sucesso literário porque eu cometi o erro de não escrever um pastiche de um seriado da Netflix nem fiz um livro de autoajuda empresarial com palavrão no título.
Afinal, a choradeira do "combate ao preconceito", vinda de intelectuais-coitadinhos que vão de Paulo César de Araújo a Rodrigo Faour, caiu em sérias contradições, para não dizer os preconceitos piores do que aqueles que eram supostamente combatidos.
A música popularesca é comercial e tem muito mais a ver com empresários ricos e esquema poderoso, envolvendo barões da mídia, multinacionais, latifundiários etc.
Kamilla Fialho deixa claro esse negócio, sepultando de vez a utopia da bregalização "libertária" que o discurso dos intelectuais "bacanas" tanto pregava entre choros e ranger de dentes.
Grandes tempos, para a intelectualidade "mais legal do país", em que um Eugênio Raggi e gente mais obscura como um tal de "Blog do Patolino" defendiam o popularesco como se fosse "a fina flor da cultura do povo pobre", despejando arrogância e ataques contra quem discordasse disso, como eu.
E Kamilla Fialho não esconde que existe jabaculê radiofônico, admitindo que ela "pagava" para tocar "funk" nas rádios, dentro de uma lógica empresarial "pop", ou seja, semelhante ao que ocorre, há mais de 55 anos, no hit-parade dos EUA.
Só que o que mais chama a atenção é a revelação, que aqui soa óbvia por ter sido antecipada há mais de uma década por mim, de que o chamado "sertanejo" é patrocinado pelo agronegócio e envolve um esquema de muito, muito dinheiro.
Através de uma ironia, Kamilla descreve como os "sertanejos" arrumam espaço nas rádios: "Tem muito dinheiro. Eu pago para tocar uma música na rádio, eles compram a rádio".
Com 18 anos de carreira, Kamilla tornou-se um dos nomes do empresariamento artístico brasileiro, tendo empresariado Anitta, Naldo Benny, Kevin O Chris, Lexa e o falecido MC Sapão. É, portanto, uma empresária com atuação estratégica no comercialismo musical brasileiro.
Sobre a associação entre "sertanejos" e agronegócio, isso já era chover no molhado. Já fazia citações a respeito quando fazia O Kylocyclo, por volta de 2009 e 2010.
Um texto de 2010 já falava que os barões do agronegócio patrocinavam o chamado "sertanejo universitário", hoje mais conhecido como "sertanejo-sofrência" ou "sertanejo de noitada", por não ter sido convincente o vínculo com as universidades nem com as raízes do campo.
Nesse sentido, eram mais caipiras e universitários nomes como Sá & Guarabira, tão subestimados que sua maior composição, "Dona", só é conhecida pela versão do grupo Roupa Nova.
A música popularesca se tornou um negócio tão avassalador que hoje quase não temos mais música brasileira de qualidade.
Hoje o que impera é um comercialismo musical que atinge níveis totalitários, uma hegemonia que já sufocou, praticamente, o Rock Brasil e a MPB, que perderam boa parte dos seus espaços para os ídolos popularescos.
E isso ocorre de tal forma que, para recuperar seus espaços ou para sair das bolhas emepebistas e roqueiras, esses músicos têm que fazer duetos com ídolos popularescos.
Daí Nando Reis cantando com Zezé di Camargo, Titãs tocando com Mr. Catra, Gal Costa gravando com Marília Mendonça, Tiê cantando com Luan Santana.
Tudo é negócio. Nada desse discurso dócil de "ruptura do preconceito", de "reconhecimento do valor dos ídolos populares (cos)". São as conveniências do dinheiro, estúpido!
O emepebista e o roqueiro brasileiro é que procuram recuperar seus espaços roubados pelos popularescos ou tentam ampliar seus terrenos, saindo dos limites geográficos das áreas intelectualizadas do Sul e Sudeste.
Se o emepebista quiser tocar, por exemplo, em Salvador ou Feira de Santana, tem que arrumar dueto com Ivete Sangalo. Se o roqueiro quiser se apresentar em Mato Grosso ou Goiás, terá que duetar com nomes tipo Jorge & Mateus.
Quem está com o poder é o ídolo popularesco. E não é só o "sertanejo", embora este se sobressaia porque suas áreas de domínio envolvem as regiões Centro-Oeste (mercadologicamente incluindo Tocantins, Estado do Norte), Sudeste e Sul.
Esse domínio vai desde o interior de Goiás até um reduto de riquinhos de Florianópolis, a praia de Jurerê Internacional.
Mas outros estilos também têm seus esquemas de pagamento de dinheiro, com um caráter empresarial que vai contra as supostas alegações artísticas.
Aí a gente vê um músico respeitado como Ivan Lins cair no erro crasso de exaltar, feito criança deslumbrada, canastrões musicais como Ivete Sangalo e Alexandre Pires.
Ou um jornalista cultural competente, conhecedor de música, mas que passa pano em nomes como Daniel e Chitãozinho & Xororó, para não dizer modismos como Barões da Pisadinha, por exemplo.
Tudo isso não sai de graça. Ivan Lins quer mídia, o jornalista cultural quer viajar de graça para lugares distantes, tipo Festival de Inverno do Interior de Mato Grosso do Sul, ver seu ídolo da MPB "mais difícil".
Entenda-se como "mais difícil" até mesmo nomes acessíveis como Marisa Monte, porque a avalanche popularesca cresceu tanto que sufocou a maior parte das oportunidades de divulgação de MPB, o mesmo ocorrendo com o Rock Brasil.
O que Kamilla disse não é, portanto, novidade, e O Kylocyclo já descrevia coisas similares em 2010. Mas como eu não tinha muita visibilidade, sofria ataques daqueles que julgavam a música popularesca como "a oitava maravilha do mundo".
Infelizmente, muita gente se incomoda com a lógica dos fatos e sai por aí atacando quem argumenta com objetividade. A propósito, os ataques de Eugênio Raggi contra mim estão todos documentados no livro Esses Intelectuais Pertinentes....
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