Foram dois comentários coerentes, difundidos nos últimos dias.
José Genoíno, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, disse que fazer alianças não é ecumenismo, criticando a aliança de Lula com Geraldo Alckmin.
Já Leonardo Attuch, do portal Brasil 247, disse que a possível volta de Lula ao poder não será um "passeio", pois as elites já reagiram contra a intenção de revogar a reforma trabalhista.
Lula não pode fazer alianças como quem escolhe comida a quilo. E a escolha de Geraldo Alckmin para ser seu vice-presidente já se revela bastante perigosa e prejudicial para o projeto político do petista.
As palavras são fáceis, quando repousam no leito confortável da teoria, das promessas e das dissimulações.
Desculpas como "recuperar a democracia", "promover o diálogo" e "garantir a governabilidade" são apenas motivos rasos para se permitir acordos que podem ser benéficos hoje, mas serão nocivos mais tarde.
Os episódios recentes mostram que Lula não está em céu de brigadeiro.
Uma coisa é o sonho. Lula como um gigante derrubando todos os obstáculos que encontra em sua frente.
Outra coisa é a realidade, com Lula sendo ameaçado de ser golpeado de maneira imprevista, talvez mais cruel do que se imagina.
Desde o golpe político de 2016, o Brasil está em situação vulnerável e frágil.
Somente a nossa classe média mofada, provinciana e caquética, que vive bem na sua vida, é que sempre viveu no clima da positividade tóxica, achando que estamos vivendo "dias melhores".
E sempre foi assim. Seja com a derrubada de Dilma Rousseff, seja com as maldades de Michel Temer, seja com a eleição de Jair Bolsonaro e as caneladas cometidas por este, seja com a suposta vantagem de Lula em todas as pesquisas de intenção de voto.
Tudo isso num clima de uma sociedade "feliz da vida", e não se fala da Faria Lima, reduto das classes ricas de São Paulo, mas da turma descolada dos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, ou na "tchurma" transada de Ipanema.
Ou do Brasil-Instagram, considerado a sucursal do Paraíso na Terra.
Esse pessoal não entende que vivemos num período pré-distópico, com crises, tragédias, desastres e convulsões sociais que refletiram até mesmo no último Reveillon, onde, em várias partes do país, houve brigas, arrastões e até um feminicídio.
Isso sem falar da tragédia dos temporais e enchentes no Sul da Bahia e em partes do Nordeste e em Minas Gerais. Claro, não é o cenário cor-de-rosa do Instagram, as selfies animadas nas redes sociais...
Devastação na Amazônia e no Pantanal, tragédias ambientais em Mariana e Brumadinho, incêndios no Museu Nacional e na Cinemateca de São Paulo.
E todo mundo achando que "está tudo bem". Excesso de fantasia, de fé religiosa, e carência de consciência política ou algum esforço minimamente intelectual de analisar as coisas.
A situação não está boa. Mesmo quando promete melhorar.
Um exemplo disso é o fim da reforma trabalhista na Espanha, decretado há poucos dias.
A medida desfaz os retrocessos trabalhistas instituídos em 2012 pela monarquia parlamentarista, cujo título de primeiro-ministro é agora conhecido como Presidente de Governo. Fica estranho dizer que quem governa a Espanha é o "presidente" Pedro Sanchez, mas a nomenclatura explica isso.
E aí a medida causou entusiasmo nos petistas. Lula e Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, manifestaram empolgação e interesse em revogar a reforma trabalhista no Brasil.
Seria uma maravilha, não fosse o contexto perigoso em que vivemos, sob o qual as esquerdas não estão com o caminho favorável que imaginam possuir.
Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados e um dos membros do golpismo de 2016, reagiu indignado e defendeu a reforma trabalhista sem trazer uma explicação consistente, usando argumentos que mais parecem favorecer os patrões em detrimento dos empregados.
Ele esquece que, desde o golpe de 2016, o número de desempregados aumentou de 11,2 milhões para 14,1 milhões.
As elites não querem revogar os retrocessos políticos.
A reforma trabalhista pode ser uma "pedra nos sapatos" dos aliados conservadores de Lula, mas que seja mantida essa pedra, mesmo que cause prejuízos. As elites não ligam para aumento de desemprego, desde que a grana vá tranquila para empresários e banqueiros...
E aí está o erro de Lula em querer fazer alianças, se possível, até com o mosquito que for picar Jair Bolsonaro ou algum de seus filhos ou aliados.
Realmente alianças políticas não são ecumenismos. Debater e dialogar é necessário, útil e fundamental, mas isso não significa confundir com aliança.
Entendimento entre diferentes não é cumplicidade. Na chapa entre titular e vice num cargo do Executivo, exige-se um mínimo de cumplicidade.
Alckmin é o oposto de Lula, em matéria de propostas de governo. Alckmin é privatista, contrário aos interesses dos trabalhadores, e já se comportou de forma arrogante e intolerante contra grevistas.
Geraldo Alckmin não parece ter se arrependido do que fez ou defendeu. E isso é muito estranho, as esquerdas sempre acolhendo algum direitista que "muda de lado" como quem vai de um lado para outro da rua.
Admitimos que pessoas mudam, mas é mais raro do que se imagina, e depende de muito contexto, de uma postura firme.
Não se trata de alguém estar num lado e, depois, em outro. Tem que haver autocrítica, identificação com o novo lado, e uma certa honestidade ideológica.
Se as esquerdas já consideraram como "aliados" até ídolos religiosos que defenderam a ditadura militar, então o caso Lula-Alckmin só vai dar em mais desastres.
Com Alckmin, Lula terá que desistir de revogar a reforma trabalhista, as privatizações recentes e outros malefícios pós-2016 e se contentar em operar apenas seus projetos sociais de grife, como o Bolsa Família. Alckmin continua sendo neoliberal da gema.
Comentários
Postar um comentário