Ontem houve uma entrevista entre os principais veículos da mídia independente brasileira e o presidenciável Luís Inácio Lula da Silva. Os veículos que participaram foram Jornalistas Livres, TV Fórum, Brasil 247, GGN, Blog da Cidadania e Tutaméia.
Agora promovido a um popstar da política brasileira, Lula se destaca pela polêmica causada com a aliança com o ex-tucano - mas sempre neoliberal - Geraldo Alckmin.
Foi o momento mais importante. E Lula tenta convencer de que está certo na sua opção para quem será seu vice-presidente, embora as candidaturas dele e de Alckmin não tenham sido oficializadas.
Lula disse que "não vê problemas" na escolha de Alckmin para ser seu vice, e disse o seguinte:
"Não tem nenhum problema em fazer aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Nossa prioridade tem que ser o descamisado. Nós vamos ganhar as eleições com um programa e ele será aprovado pelas forças políticas que vão compor minha aliança. E o vice tem que ajudar a governar esse país".
Em seguida, Lula disse que sua candidatura não foi oficializada.
"Vocês perceberam que só eu e o Alckmin não estamos falando sobre o assunto. Todo santo dia alguém fala sobre isso, mas você não vê uma fala minha ou dele sobre isso. Por uma razão simples: o Alckmin saiu do PSDB e não definiu para qual partido vai. E eu não defini minha candidatura. Então não pode ter candidato nem vice".
Sobre as questões de Rui Falcão e de um abaixo-assinado de militantes do PT, Lula enquadrou de forma bastante sutil:
"O PT não é problema. É um partido político. As pessoas têm o prazer e o direito de divergir, até o PT decidir. E aí todo mundo cumpre. E vão aparecer rindo, e não chorando".
Lula promete colocar o povo como "sujeito da história":
"Eu sou um cara que gosta de conversar com as pessoas, de ouvir as pessoas. Vou conversa muito ainda. Não tomo decisão sem pensar. Eu me preparo. Me levanto todo dia 6 horas da manhã, corro 6km, faço muita musculação e muita perna para andar por esse país. Meu grande feito não foi uma obra, foi o povo ter descoberto que ele fazia parte do governo, foi a inclusão do povo nas decisões. E, agora, nós precisamos transformar o povo em sujeito da história. Esse país não é meu, esse país não é teu, esse país é nosso".
Ainda sobre o povo, Lula, emocionado, acrescentou:
"Ninguém tem aspiração de morar numa favela. As pessoas não tem aspirações para não comer. Se pudessem não seriam peão de fábrica. As pessoas estão pegando material reciclável porque não tiveram chance de estudar para ser outra coisa. Nós temos que atender essa aspiração da sociedade, de uma sociedade evoluída".
Outro trecho reforça o que ele havia dito:
"Eu morei num quarto e cozinha com 13 pessoas. Então eu tenho consciência do que esse povo tá passando. Eu não posso mentir. Eu não posso ganhar aos 76 anos e falar ‘gente eu ganhei mas, não dá pra fazer as coisas, desculpa, mas eu tenho que atender o mercado, eu preciso atender a Faria Lima, eu preciso ter responsabilidade fiscal, eu preciso manter teto de gasto’. E o teto de comida? E o teto de emprego? E o teto de salário? E o teto de saúde? Quem vai devolver para esse povo? Então, meu caro, é esse cidadão que acaba de ficar emocionado que quer ser presidente. E se for, é para mudar, não é pra ficar na mesmice".
Lula também prometeu não só ressuscitar o Ministério da Cultura, mas também fortalecê-lo:
"Quem tiver medo de cultura se prepare, porque vai funcionar mais forte no próximo governo. Esse país só será soberano, democrático e respeitado quando todo mundo tiver acesso aos bens que ele ajuda a produzir. Quando todo mundo puder estudar, puder comer, ter acesso à Cultura. Aliás, eles têm tanto medo da cultura que acabaram com o ministério. Pois eu vou criar, vou fazer uma conferência de Cultura e vou criar um comitê de Cultura. Não vai ter mais só um ministro de Cultura, é um comitê de Cultura. Pra gente dizer pra eles que a Cultura vai ajudar a construir esse país mais democrático".
Lula acredita que Geraldo Alckmin mudou seu entendimento político e, apesar das divergências, Lula espera que o vice "governe junto com ele", além de citar que o "PSDB do (João) Doria (Jr.) não é o PSDB do FHC, do José Serra, do Mário Covas":
"Eu espero que o Alckmin esteja junto, sendo vice ou não, porque me parece que ele se decidiu fazer oposição definitiva não apenas ao Bolsonaro, mas ao dorismo aqui em São Paulo".
"Não estou procurando uma aliança ideológica. Não estou procurando aliança apenas para ganhar as eleições, estou procurando criar alianças para ajudar a fazer as transformações que o Brasil precisa. (...) Precisamos construir uma força política capaz de dar sustentação às mudanças que precisamos fazer. Tenho certeza que qualquer pessoa que vier a ser vice vai contribuir para que a gente faça isso. Não vou escolher um vice para ele ser contra".
Lula desmentiu que a aliança com Alckmin faria seu governo virar um "outro Fernando Henrique Cardoso". O secretário-geral do PT, Paulo Teixeira, que já fez oposição ao ex-governador paulista, corroborou com a ideia, ao falar para a colunista da Folha de São Paulo, Mônica Bergamo:
"Ao mesmo tempo que o nome dele [Alckmin] entra no debate, temas fundamentais para o nosso projeto estão sendo discutidos sem que haja uma mudança nas agendas do PT. (...) Nossas divergências (PT e Alckmin) ficaram no passado".
A nosso ver, Lula realiza promessas grandes demais para serem feitas em quatro anos e sem um contexto favorável, com um país em situação pré-distópica e com ele se aliando a pessoas que se envolveram com privatarias, golpe político de 2016 e até defenderam a prisão do petista, em 2018.
E mais: defenderam, também, a interdição política, na campanha presidencial de quatro anos atrás, do próprio petista ao qual buscam uma aliança pragmática este ano.
A própria figura de Geraldo Alckmin está associada à repressão às greves de professores e metroviários, entre outras categorias de trabalhadores, além de fazer o mesmo com estudantes protestando contra os aumentos das passagens.
Então tucano, Geraldo também está associado pela decisão de ordenar o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury, também do PSDB, a expulsar violentamente, numa manhã de domingo, os moradores da localidade de Pinheirinho.
A comunidade, que ocupava uma área abandonada de uma empresa, teve seu pedido de reintegração de posse solicitado pela massa falida da fábrica de sucos Selecta, do empresário, especulador financeiro e acusado de corrupção Naji Nahas.
Até hoje a situação dos moradores de Pinheirinho não foi totalmente resolvida, e logo após a invasão o atendimento aos desabrigados era precário e o prefeito se limitou a conceder a parte dos moradores as passagens de ônibus para retornar aos Estados de origem.
A desocupação de Pinheirinho foi denunciada por juristas, entidades políticas e movimentos sociais à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Como é que, diante de um episódio desses, se pode acreditar num Geraldo Alckmin de hoje, que até agora não demonstrou arrependimento de sua trajetória passada. Não houve uma autocrítica, uma mudança de verdade.
Também não creio que Lula vá manter seu projeto político intato tendo Alckmin como vice. Lula tem poder de decisão, mas Alckmin não é do tipo que se limita a obedecer.
Alckmin vai ficar calado diante de medidas como a revogação da reforma trabalhista e o fim do teto dos gastos públicos?
Os políticos de centro-direita que Lula chamou para a aliança vão aceitar as pautas trabalhistas propostas pelo petista? Ou será que mercado e elites vão aceitar mesmo abrir mão de seus interesses ao interagirem "democraticamente" através do "diálogo" com Lula?
Mesmo com todo o carisma de Lula, maior do que, por exemplo, João Goulart, sua atuação tende a ser limitada.
Lula sonha demais, promete demais, com propostas bem intencionadas e inegavelmente positivas e atraentes, sim.
No setor da Cultura, então, Lula deve dar continuidade ao equivocado acolhimento do mercado brega-popularesco, motivado pela espetacularização da pobreza e pela gourmetização da mediocridade e até da imbecilização cultural.
Mas é como se o governo do Haiti, depois do trágico terremoto de 2010, prometesse fazer do país um Mônaco no prazo de quatro anos.
Daí, também, que Lula, com todo o discurso e habilidade que possui, não demonstra estratégia política nem segurança pessoal.
O que se teme é o governo Lula, em vez de pacificar, agrave ainda mais os conflitos. E amostras disso já estão acontecendo com uma certa força.
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