PEDAÇO DE UM CÂNION CAINDO SOBRE BARCOS EM CAPITÓLIO, MINAS GERAIS. O BARCO JESUS, APONTADO PELA SETA, FOI ATINGIDO, MATANDO DEZ OCUPANTES.
O Brasil não virou a sucursal do Paraíso. Através de um quadro que mistura descaso político, imprudência, arrogância, preguiça e outras ilusões e irresponsabilidades, tragédias que poderiam ser evitadas acontecem.
Nem para ajudar a cultura popularesca esse descaso contribui, porque a irresponsável permanência de uma rede de fiação elétrica fez causar o acidente que matou a cantora Marília Mendonça, em Caratinga.
É um descaso que vem da cultura da acomodação, sempre naquela preguiça pragmática de aceitar problemas que, supostamente, não causam prejuízos nem tragédias, até realmente causá-los um dia.
Nos últimos tempos em que eu morava em Niterói, havia uma pequena fogueira junto a um poste de luz na esquina da Rua Santa Rosa com a Rua Cassilandro Barbuda, no Jardim Icaraí.
Diante do local, pessoas despreocupadas e felizes, saudando-se uma às outras e trocando a conversa animada de cada dia.
Por sorte, não houve explosão. E se houvesse?
Para uma cidade que não se importa em ver dois bairros (Rio do Ouro e Várzea das Moças) sem avenida própria de ligação, atrapalhando o tráfego da RJ-106, que carrega o fardo de "avenida de bairro" nesse trecho, tanto fez essas "pequenas tragédias".
No Itaipu Multicenter, shopping situado, apesar do nome, em Piratininga, e cuja fachada precisa ser alterada (os logotipos das lojas-âncora mais parecem grosseiros outdoors), quase ocorreu uma tragédia.
Já houve, no local, assaltos e assassinato no decorrer da noite. Mas agora é um acidente que quase foi fatal.
No último dia 03, uma menina de seis anos, que estava com a mãe, lanchava numa praça de refeições do shopping, e se encostou numa barra de ferro no balcão próximo. A menina levou um forte choque elétrico que a deixou inconsciente. Felizmente, sobreviveu.
No entanto, a menina demorou a ser socorrida. Os funcionários do shopping não a socorreram de imediato. Outras pessoas vieram ajudar a levá-la a um hospital. A mãe disse que o dia "é o pior da vida dela". Com razão.
Para o niteroiense médio que fica feliz com os parquiletes (parklets), monstrengos mentirosamente definidos como "locais públicos" e que agridem a mobilidade urbana, a tragédia só preocupa quando acontece.
Se a menina não tivesse levado um choque, não adiantava anunciar nas páginas de Niterói na Internet (desses em que o responsável parece fazer só para seus amigos) que a barra de ferro estava eletrificada e oferecia risco à população.
O grande vício de Niterói, como no Grande Rio, é o pragmatismo, aquela coisa de se preocupar ou gostar do "básico", essa obsessão pelo imediatismo que está destruindo o Estado do Rio de Janeiro a ponto de torná-lo uma vergonha para o Brasil.
Mas o resto do país também está mal.
Chuvas, enchentes e quedas de barragens, tragédias que, somadas, ocorrem em Minas Gerais e Bahia, também dão o tom do descaso.
Pessoas não deveriam ter sido vitimadas. Moram em áreas de risco, e acabam morrendo ou perdendo bens por conta desse infortúnio.
Recentemente, uma barragem em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte, se rompeu e alagou a região. Temporais em BH deixam pessoas em favelas isoladas e enfrentando alagamento dentro de casa.
Em Brumadinho, que enfrentou um violento desastre ambiental anos atrás, uma enchente alagou um supermercado, causando um prejuízo de R$ 500 mil.
A Bahia ainda sofre os efeitos dos temporais e enchentes do final do ano passado, que atingiu mais de cem cidades e, em Salvador, trouxe os mesmos problemas sofridos pelos moradores das favelas e casas mais humildes em geral.
E olha que Minas Gerais e Bahia, por "coincidência", são Estados natais de três "médiuns espíritas" (o mineiro era conhecido por peruca e ternos cafonas), conhecidos pelas "boas energias" que botam tanta gente para sofrer as piores desgraças, não é mesmo?
"Mas os hospitais têm que estar no lugar onde tem a doença". É, todavia esses "hospitais", em vez de curar as doenças, as fazem agravar e piorar ainda mais, sendo os "hospitais da alma" geradores da pior "infecção hospitalar" astral.
E aí o pessoal dá ouvidos e olhos a um suposto "médium" mensageiro, o de peruca, que de tão ruim como intelectual circula nas redes sociais com uma frase confusa e contraditória, que fala que "ninguém pode começar de novo, mas pode fazer um novo recomeço". Ahn?!
E agora temos a tragédia do Capitólio, nome em português ao equivalente estadunidense ao Congresso Nacional (onde ocorreu uma invasão que terminou em tragédia, por ironia um ano atrás) e que nomeou uma cidade da região de Varginha e Piumhi, no Sudoeste mineiro.
No último fim de semana, uma cena muito chocante aconteceu.
Um grande bloco de pedra se soltou de um cânion de 1,2 bilhão de anos. Foi por volta de 12h30. A rocha tinha 10 mil toneladas e caiu sobre dois barcos de turistas, que percorriam o lago de Furnas. Um dos barcos, chamado Jesus, foi seriamente atingido e tinha 10 ocupantes.
Dez pessoas morreram e 34 saíram feridas, algumas com gravidade. Outros dois barcos próximos foram atingidos pelos estilhaços da pedra que caiu. Até a noite de ontem, não há mais desaparecidos.
Assim como no incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que três anos antes da tragédia cultural de 2018 houve alertas sob o risco da ocorrência, também não foi por falta de aviso que a tragédia de Capitólio ocorreu.
Técnicos verificaram, em 2012, alterações químicas na rocha que poderiam provocar um desabamento. Houve também erosão do solo situado sobre a rocha. As chuvas teriam agravado os efeitos dessa infiltração.
Até a edição deste texto, cinco mortos foram identificados, o primeiro deles o pescador Júlio Borges Antunes, de 68 anos, natural de Altinópolis. Ele era conhecido pela região por ser muito altruísta.
Outros identificados foram: Maycon Douglas de Osti, 24 anos, natural de Campinas (SP), a namorada dele, Camila da Silva Machado, 18 anos, natural de Paulínia (SP) e o casal Sebastião Teixeira da Silva, 67 anos, de Anhumas (SP) e Marlene Augusta Teixeira da Silva, 57 anos, de Itaú de Minas (MG).
Na madrugada de hoje, outros três foram identificados: Geovany Teixeira da Silva, de 37 anos; Geovany Gabriel Oliveira da Silva, 14 anos e Thiago Teixeira da Silva Nascimento, 35 anos.
Depois foram identificados os últimos, Rodrigo Alves dos Anjos, 40, de Betim (MG), e Carmen Pinheiro da Silva, 43, mãe de Camila, de Cajamar (SP).
Os dois Geovany eram pai e filho.
O irônico é que a barca atingida se chamava Jesus, o que torna inútil qualquer beatitude que transforma eventualmente o Instagram numa igreja
Até a ocasião da produção deste texto, outras cinco vítimas, entre 14 e 43 anos, não foram identificadas, quatro passageiros e um condutor do barco.
Não houve um trabalho preventivo para evitar que se circulassem nessa área de risco. Não houve mapeamento do local que poderia ser autorizado para o turismo.
Antes da tragédia, houve gritos tentando avisar do perigo aos ocupantes dos barcos atingidos, mas eles não foram ouvidos porque havia o forte barulho das águas e do vento.
Voltando às barragens, já existe o anúncio de que uma localizada em Pará de Minas está prestes a sofrer um rompimento, já que está escorrendo água pelos cantos.
Isso tudo mostra o Brasil que não cabe na positividade tóxica do Instagram onde memes religiosos, inclusive de "médiuns espíritas" e "neopenteques" mostrando um Jesus Cristo moreno feito um galã novaiorquino, atrapalham o entretenimento e a saúde mental de muita gente.
Em vez dessa positividade tóxica - que no momento tem como foco a ilusória "vitória fácil" de Lula - , deveríamos encarar os problemas (como os niteroienses deveriam encarar os seus, em vez de se preocupar só com o time do Flamengo) e ter a humildade de trabalhar ou ajudar a resolvê-los.
Se admitíssemos que as coisas não estão legais no Brasil pré-distópico, haveria um melhor preparo para nos prevenirmos das tragédias que estão vindo por aí.
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