A decadência cultural brasileira não é invenção de Mário Frias. Nem de Regina Duarte, Jair Bolsonaro ou qualquer um que estivesse no meio.
Da mesma forma, não existe culturalismo sem cultura. Culturalismo não se limita a pedagogia familiar nem a propaganda político-midiática, ele envolve mesmo o entretenimento "maravilhoso" que o povo consome.
A classe média, mascarando seu elitismo, glorifica a mediocridade da suposta cultura popular, o brega-popularesco, como se fosse a "verdadeira cultura do povo pobre".
Engano. A chamada "cultura popular" que hoje temos não tem a ver com o povo pobre. Tem estrutura empresarial poderosa, com empresários muitíssimo ricos, embora tentem criar falsa modéstia colocando paletós velhos sobre camisetas antigas, jeans desbotados e rasgados e tênis sujos.
No mundo do faz-de-conta, a narrativa tenta dar a impressão de que o Brasil vive a "melhor fase cultural de toda sua História".
Desculpas não faltam. A falácia das "muitas narrativas e muitas vozes", a produtividade constante das redes sociais, até o sucesso do Big Brother Brasil, são algumas dessas desculpas.
Sem falar daquele papo de lançar um medíocre nome do "hip hop pós-tropicalista", supostamente ligado às periferias, como a "nova salvação da humanidade plantetária".
Fala-se que a tal "periferia" está promovendo "uma nova revolução cultural" mas o que se vê são faixas inócuas, inofensivas e, musicalmente, medíocres e entediantes.
Mas se há quem ache genial uma porcaria como "Bipolar", de MC Don Juan e companhia, com o MC 'cantando" com voz esganiçada, como se estivesse apertando o próprio pescoço, então estamos perdidos.
Só que a coisa não para por aí.
A canastrice musical dos anos 1990, só porque permaneceu fazendo sucesso sem grandes abalos, agora virou "relíquia vintage", "preciosidade", "clássico".
Dá mal-estar ver quanta m**** de uns trinta anos atrás é considerada "clássico", e não se pode reclamar disso. As milícias digitais estão prontas para o triste espetáculo do linchamento nas redes sociais.
Não se pode ter senso crítico, não se pode tocar dedo na ferida. O máximo agora é ser "isentão", passar pano e aceitar toda porcaria numa boa.
Senão, todos vamos para o calabouço, junto ao Ed Motta. Só que existe uma grande diferença que é criticar Michael Sullivan, Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, Ivete Sangalo e Bell Marques pela natural canastrice dos mesmos e dizer que Raul Seixas "é uma m****".
Ao jornalista cultural da agência Isento Press (que envolve toda a mídia) só cabe fingir que critica coisas como o disco "bossanovista" de Chitãozinho & Xororó, com comentários chinfrins do tipo "se os arranjos não tivessem tantos teclados, seria um grande disco".
Comentários "críticos" de mentirinha, só para fingir que não é chapa-branca.
E aí esperamos que a mediocridade de ídolos popularescos do passado e do presente, subcelebridades ou qualquer um que venha a se destacar compensando a falta de talento pela capacidade de alimentar sua fama a qualquer preço tentem mostrar algo "relevante" para daqui a vinte anos.
Poucos conseguem. Há gente que muda. Mas exceção não é regra e não devemos ficar glorificando qualquer medíocre que entre de penetra na festa de quem realmente tem valor.
Tudo fica gourmetizado e, não fosse a tragédia de Marília Mendonça, 2021 seria conhecido como "o ano em que o Brasil virou a sucursal do Paraíso".
Presos no Brasil-Instagram, é claro que tudo é maravilhoso, genial, revolucionário, dentro da positividade tóxica onde cabem até mensagens de "médiuns" picaretas, bem de acordo com o clima idiotizado das redes sociais no Brasil.
Gourmetiza-se tudo porque tem-se a ilusão da movimentação, da produtividade, só porque as pessoas "produzem" o Brasil está "culturalmente bem".
Não, não está. O Brasil está culturalmente mal. E, por incrível que pareça, não foi o Mário Frias que provocou isso.
Por pior que ele seja, Mário Frias está inocente em 95% desse processo. A única contribuição é ele evitar dar subsídios para atividades culturais e pseudoculturais (sim, há muita gente medíocre embarcando na Lei Rouanet).
Fora isso, a bregalização cultural de mais de 50 anos já contribui para a degradação cultural.
Se estamos acostumados a ouvir breguice musical no rádio e subcelebridades na TV, isso não significa que passamos a ver valores ocultos na "gente bronzeada que busca um lugar ao Sol".
Primeiro, porque esse pessoal não representa a boa brasilidade. A "gente bronzeada" era bem mais relevante e talentosa do que a multidão de medíocres que transforma o Brasil numa terra de cego, ao ponto das letras horríveis de rimas precárias de Michael Sullivan serem vistas como "linda poesia".
A mediocridade está tão dominante e avassaladora que a cultura de verdade está perdendo seus próprios espaços e a idiotização contamina os cenários musical, televisivo, cinematográfico e literário.
Chegamos ao ponto de aceitar que um nome medíocre primeiro faça sucesso, jogando, como que num processo de vômito, todas as porcarias de seu repertório musical de começo de carreira, para depois brincar de ser "gênio da MPB", com banho de loja e outras cosméticas técnicas e visuais.
O "artista" não se respeita, primeiro ele aceitar ser "coisa", ser "produto" de um mercado popularesco. Depois, repaginado, exige dos outros o respeito que ele nunca deu para si e não aceita críticas.
Tudo virou um cenário de ilusão, de hipocrisia, de arrogância.
Se o Brasil vai descendo a ladeira, não é pela narrativa saudosa e saudável que o saudoso Moraes Moreira, baseado num comentário do igualmente saudoso João Gilberto, havia cantado com os Novos Baianos.
O Brasil, infelizmente, desce a ladeira hoje por outro motivo. É pelo desmoronamento dos valores socioculturais.
Com a gourmetização da bregalização, os ídolos popularescos "aperfeiçoam" suas carreiras à maneira de um piloto de avião que conduz a nave de maneira precária, como um aluno de autoescola.
Esperamos que os medíocres de hoje virem "gênios" no futuro e tudo o que se consegue é apenas o desenvolvimento de uma atitude complacente de jornalistas, intelectuais, acadêmicos e outros formadores de opinião.
Daí todos os panos disponíveis para se passar nos medíocres de três décadas atrás, hoje promovidos a pretensos "gênios", apenas pelo prêmio de terem evitado cair no ostracismo.
Eles permaneceram em evidência por questão de marketing e não pelo talento. E como eles sempre se expuseram, muitos brasileiros se acostumaram mal e hoje acham que eles são "brilhantes" só porque aparecem a toda hora no rádio, na TV, na imprensa e na Internet.
E assim a idiotização se desenvolve, como uma bola de neve que cresce a cada momento, através da complacência a cada coisa pior que acontece.
O Brasil está culturalmente péssimo.
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