É 1961 de novo. E não se trata da canção do (subestimado no Brasil) grupo de rock britânico XTC.
A posse de Geraldo Alckmin como filiado do PSB, com grande chance de ser vice-presidente do partido e de ser uma das suas principais lideranças, sinaliza que repetiremos 1961.
O governo parlamentarista de João Goulart, sob a batuta de Tancredo Neves, se repetirá com Lula atuando sob o freio "moderador" do vice-presidente Alckmin.
Tancredo é ancestral político de Geraldo Alckmin. Entre os dois está a figura de Mário Covas, apadrinhado pelo primeiro e padrinho do segundo.
A cerimônia que oficializou a entrada do ex-tucano no PSB (partido que nasceu de uma dissidência da UDN) mostra que o esquerdismo no Brasil praticamente acabou.
O discurso de Geraldo Alckmin e sua consequente entrevista à imprensa se resumiu pela ideia de "olhar para a frente" e "promover a democracia", um discurso próximo dos "moderados" de 1984-1985 do que de qualquer progressismo de Vargas ou Jango.
Sem esboçar uma autocrítica, Geraldo se limitou apenas a dizer que "não se deve olhar a política pelo retrovisor". A mesma frase foi dita por Lula, dias atrás.
Há uma aparente ênfase em "reduzir a desigualdade social", em "promover o emprego e a qualidade de vida da população" e "estimular o desenvolvimento da economia".
Correto. Mas tudo isso ocorrerá dentro dos limites do chamado "centro", eufemismo dado para a direita moderada que hoje não quer se misturar com Jair Bolsonaro, apesar dele estar supostamente associado a políticos do "centrão".
"Centro" ou "centrão", a retórica política tem dessas manobras que acabam confundindo muita gente.
O que se vê, na cerimônia do PSB, é que, com Geraldo Alckmin, o partido, que já não honrava o nome "socialista" há muito tempo - nos últimos anos, o PSB apoiou a derrubada de Dilma Rousseff, sustentou o governo Michel Temer e houve setores apoiando Bolsonaro - , tornou-se neoliberal de vez.
O PSB já garantiu que deixará Geraldo Alckmin "totalmente à vontade".
O partido também estabeleceu um novo programa, rotulado de "socialismo criativo", no qual se avisa que será deixada de lado a preocupação com a "estatização dos meios de produção".
Ao longo destes meses, também se viu que a reforma trabalhista do governo Temer será "estudada" e não "revogada". Só que o "amplo estudo" é apenas um eufemismo para aproveitar os pontos menos abusivos do projeto.
O que se pretende eliminar são os pontos mais controversos e agressivos, cujo ensaio foi o fim do pagamento de custos advocatícios do empregado que perder uma ação judicial contra seu patrão.
Afinal, não dava para pagar esses custos sem dinheiro. Até penhorando bens não haveria dinheiro suficiente para o trabalhador pagar a despesa com advogados.
As esquerdas médias brasileiras estão iludidas com o aparente favoritismo de Lula, de tal forma que se enganarão com o suposto protagonismo que conquistarão quando o petista for eleito presidente.
E o antigo desprezo ou aversão a Alckmin agora virou tietagem. A promessa de "recuperar a esperança dos brasileiros" faz muitos acreditarem numa hipotética retomada das esquerdas no poder federal.
Pouco importa se falta lógica para tal fantasia, dentro de um contexto em que o necrocapitalismo e a distopia são riscos em marcha no mundo inteiro, inclusive no atrasadíssimo Brasil.
Só a ideia dos apoiadores de Lula retomarem o protagonismo, ainda que o petista se reduza a um serviçal do neoliberalismo, excita e entusiasma todos eles.
Só que não. Lula já será o coadjuvante de um modelo político chamado "social-liberalismo", espécie de neoliberalismo que passa a mão na cabeça do pobre.
Lula não fará muito. Seu governo não será à esquerda dos dois anteriores. Nem sonhando.
O próprio Lula não lançará um programa de governo sem ouvir o que querem as forças aliadas, incluindo o Geraldo Alckmin e os neoliberais em geral.
Isso quer dizer que o projeto-raiz do Partido dos Trabalhadores já era.
Lula não poderá fortalecer o poder do Estado por estar aliado aos apóstolos do Estado Mínimo.
Ontem, Lula fez um discurso pretendendo "abrasileirar" os preços dos combustíveis da Petrobras. Isso quando a BR Distribuidora não existe mais e a estatal tende a fazer 70 anos em 1953 com uma privatização maquiada de "concessão", com a preservação fictícia da condição estatal.
Lula terá que fazer malabarismos para garantir benefícios às classes populares sem mexer nos privilégios dos mais ricos.
Cobrar impostos caros para os mais ricos? Nem na imaginação, porque Lula não poderá cobrar grana daqueles que se tornarão uma significativa parcela de seus aliados.
Lula diz que conversa com os empresários, com o setor financeiro, com as elites. Essas forças sociais não irão aceitar que Lula se mantenha fiel às ideias progressistas que foram esboçadas em seus governos anteriores, cujos progressos sociais foram incipientes, embora bastante promissores.
O que veremos é um governo Lula bem mais à direita. Ou melhor, ao "centro", para não causar susto na "criançada" que acha que será o Lula das lutas sindicais que irá governar o país em 2023.
Infelizmente, o esquerdismo morreu. O falso protagonismo das esquerdas no Governo Federal será desmascarado por um governo neoliberal cuja maior mudança será derrubar Jair Bolsonaro.
Fora isso, o terceiro mandato de Lula estará mais próximo de um terceiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Aquele esquerdismo que dava prioridade às classes populares acabou. O futuro governo Lula tende apenas a trazer relativos benefícios aos trabalhadores, mas sem romper com os privilégios abusivos das elites, que são o fator causador da miséria que afilige a maioria dos brasileiros.
O que se fará são medidas paliativas. E Lula ficará com os programas de grife, o "coração" de seu governo: Fome Zero, Bolsa Família, Cotas Universitárias, Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida e por aí vai.
O "cérebro" ficará com Geraldo Alckmin e seus tecnocratas. A direita moderada tende a pegar uns bons ministérios do governo Lula.
E assim veremos o esquerdismo sendo sepultado, porque agora teremos um governo de "centro", eufemismo para direita moderada.
Será um governo que trará relativos progressos para as classes populares, sem no entanto repatriar o dinheiro abusivo que as elites ricas brasileiras mandaram para seus paraísos fiscais no exterior.
Portanto, quem quer esquerdismo no Brasil que se contente lendo as traduções brasileiras dos livros de Karl Marx e companhia e sonhem com um país impossível de existir no contexto em que hoje vivemos.
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