Ed Motta resolveu pedir desculpas pelos ataques que fez ao saudoso roqueiro baiano Raul Seixas, quando o músico carioca chamou o finado artista de "desqualificado", reprovando seu trabalho como "funcionário de gravadora" e cometendo a desinformação que só o escritor Paulo Coelho era o letrista.
O comentário foi repudiado por quase todo mundo que se informou no caso no Brasil e eu mesmo rejeitei essa postura, pois sou admirador do Raul Seixas.
Mas, vendo as coisas de maneira objetiva, Ed Motta foi ao mesmo tempo desrespeitoso, imprudente e até, de certo modo, burro.
Afinal, nomes que ele tanto admira, como Smokey Robinson e Quincy Jones, eram funcionários de gravadoras, função que, em si, não é necessariamente ruim, pois depende do contexto.
E, artisticamente, Ed, embora muito talentoso, tem menos músicas a serem lembradas, como "Manuel" e "Colombina", que Raul, apesar do músico carioca tenha ultrapassado o tempo de vida do baiano.
E, embora deplorável o seu comentário, vejo que Ed o fez motivado pelo seu ressentimento.
Afinal, Ed Motta desejaria, pelo seu aprendizado musical, ter vivido na Filadélfia do começo dos anos 1970, época de seu nascimento.
Ele desejaria ser adulto e ter carreira de músico e arranjador ao lado de nomes como Barry White, Lou Rawls e O'Jays, ter conhecido a juventude de Gladys Knight e Dionne Warwick e participar de todo aquele cenário musical do soul estadunidense da Filadélfia, Nova York e Detroit.
Paciência. Mesmo quando pegam no pesado, comentaristas mostram seu ressentimento.
Arnaldo Jabor virou reaça ao ver um cenário sociocultural aquém dos tempos em que conviveu com Glauber Rocha e Nelson Rodrigues. O mesmo sofreu Lobão, quando viu um cenário longe dos tempos vigorosos ao lado de Júlio Barroso e Cazuza.
É por isso, de certa forma, que ter senso crítico deve ser a arte de fazer rally em estrada escorregadia à beira de um precipício com uma neblina na frente.
É necessário muita responsabilidade, diante de um contexto em que a regra geral é ficar passando pano até no que há de pior na chamada cultura brasileira.
Já fiz postagens individualizadas contra ídolos popularescos e, quando liberava comentários no antigo blogue O Kylocyclo, já fui atacado por reacionários admiradores de Alexandre Pires e Michael Sullivan, por exemplo.
Hoje é preciso criar postagens em "grupo". Não se critica a música popularesca a varejo, e sim a atacado, para dar trabalho aos reacionários que não vão sair defendendo uma multidão inteira.
Voltando a Ed Motta, vejamos o que ele disse, no seu pedido de desculpas:
"Peço perdão pela forma agressiva e grosseira que falei do Raul Seixas. Eu posso ter uma opinião sobre ele, posso ter uma crítica sobre ele pelo fato de ele ter sido produtor de discos. Eu tenho críticas a quem é produtor de discos, eu tenho direito a isso. O motivo (do pedido de desculpas) não é porque os fãs gritaram... o motivo aqui é vergonha, é tristeza.
(...)
No mesmo dia que eu terminei a live, assistindo, eu falei: 'caramba, o que eu falei do Raul Seixas ali vai dar problema, vai gerar chateação'. E não deu outra. Eu falo isso por uma coisa muito simples, eu fiquei triste de verdade, triste mesmo. Eu não estou em busca de mais likes, mais seguidores, mais quantidade de shows, vender mais discos... nunca estive em busca disso. Se estivesse, eu faria uma música que iria para essa direção".
A verdade é que Ed Motta complicou as coisas com seus comentários não só sobre Raul Seixas, mas sobre outros nomes, como Elvis Presley, descrito como "idiota", e Johnny Cash, que o carioca, esquecendo o jeito durão do finado cantor country, disse querer "dar um soco nele".
Ed poderia criticar nomes que, realmente, merecem ser criticados e, infelizmente, são vistos como "vacas sagradas" da música brasileira, mesmo não tendo um talento que merecesse isso, talento medíocre que é superestimado por muito "isentão" cultural fácil de encontrar na Internet.
Nomes como Alexandre Pires, Zezé di Camargo, Ivete Sangalo, Chitãozinho & Xororó, Raça Negra, Michael Sullivan, É O Tchan, Bell Marques, DJ Marlboro e muitos outros mereceriam ser alvos de críticas.
Mas, em vez disso, passa-se pano em quase tudo deles, descontando apenas coisas pontuais como o bolsonarismo de Zezé e a objetificação da mulher dos sucessos de É O Tchan (neste caso, DJ Marlboro recebeu milhares de chamegos dados por flanelas de todo tipo).
Ed até criticou Ivete Sangalo, demonstrando que ela não tem conhecimento de causa para encampar um tributo a Tim Maia, e neste caso Ed foi muito feliz, sugerindo que o melhor nome para fazer o tributo é Cláudio Zoli, pela profunda identificação com o falecido soulman.
Mas se Ed tivesse que falar mal de alguém que atuou como produtor, deveria ter escolhido como alvo o Michael Sullivan.
Só que existe um problema: Sullivan compôs e produziu para o tio de Ed, o próprio Tim Maia, numa fase em que o lendário artista de "Azul da Cor do Mar" é considerada como a pior e menos inspirada, ao longo de boa parte dos anos 1980.
A fase de músicas medíocres como "Me Dê Motivo", "Leva" e "Um Dia de Domingo", esta em dueto com Gal Costa, é considerada ruim, pelos arranjos pasteurizados e por um Tim Maia que, apesar da boa voz, soava longe do cantor e músico imponente e exigente que havia sido nos anos 1970.
Michael Sullivan queria que a música brasileira fosse um pastiche do pop comercial dos EUA, compondo canções que alternavam entre baboseiras românticas, falsas canções soul, roquinhos caricatos e constrangedores.
Sua obsessão pelo pop estadunidense era tal que Sullivan trabalhou para que Xuxa Meneghel, mesmo focalizando um público infantil, se tornasse a Madonna brasileira, imitando, no Xou da Xuxa, as danças que Madonna fez em "Material Girl" e "Dress You Up".
Exaltar Michael Sullivan é assinar o atestado de viralatismo brasileiro.
Sim, porque viralatismo não é só Sérgio Moro, Mário Frias, mito do patrimonialismo de Estado ou o Jornal Nacional nos momentos hidrófobos.
A bregalização, tão glorificada pela opinião (que se pretende) pública, é a mais exata definição do viralatismo cultural, da submissão às regras do comercialismo pop, enquanto se finge que esse comercialismo, mesmo explícito, não existe.
O problema não é ter senso crítico, é verdade. O problema é quando gente como Ed Motta perde o controle.
E isso é tão ruim que o senso crítico acaba sendo demonizado pelo excesso de uns poucos.
E, graças aos impulsos de Ed Motta, ter senso crítico hoje é sinônimo de ser antissocial, enquanto muita gente boa acha que ser o máximo é ficar passando pano em tudo.
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