JANGO E TANCREDO, LULA E ALCKMIN: A HISTÓRIA SE REPETIRÁ?
Sou esquerdista, muito mais do que muito petista de carteirinha. Mas não vejo com bons olhos o fenômeno Lula, porque esse fenômeno foi artificialmente construído não porque o petista fosse uma figura irrelevante, muito pelo contrário, mas é porque ele cometeu erros estratégicos graves.
Lula não poderia se relançar num clima de festa. Num clima de devastação, não se pode prometer reconstruir o Brasil como se quisesse transformar o Haiti em um Mônaco, uma Bangladesh numa Suécia. O contexto não permite isso e Lula não tomou a devida cautela, chegando a curtir uma praia com sua Janja enquanto o Brasil vivia seus dramas sociais.
Outro grande erro é Lula se aliar com qualquer um que lhe apertasse a mão, investindo numa frente ampla demais tão heterogênea e divergente de muitas ideias do petista que é praticamente impossível que toda a agenda lulista seja preservada. Lula já está sacrificando, aos poucos, vários pontos de seu programa, até ficar apenas com os programas de grife, como Bolsa Família, Mais Médicos e Fome Zero, enquanto entrega o lado técnico do governo para o vice, Geraldo Alckmin.
A euforia exagerada guiada por supostas pesquisas eleitorais - defendidas com justificativas tão objetivas quanto explicar por que coelhos da Páscoa são ovíparos - faz com que os lulistas se contaminassem de muita arrogância, enquanto transferem, à maneira da projeção psicológica, a agressividade a um de seus rivais, Ciro Gomes.
Sim, Ciro Gomes é temperamental, sim. Mas observando bem as coisas, não é ele que está agredindo Lula em sua pré-campanha. São os lulistas que agridem Ciro, como agridem qualquer outro concorrente, independente do valor que este competidor possui ou não. Pode ser um Jair Bolsonaro absolutamente irresponsável, como uma desconhecida Simone Tebet que tem o direito legítimo de se apresentar como candidata, fosse ela medíocre ou não.
Lula está agindo de maneira antidemocrática, porque quer atropelar a Constituição. Está menos disposto a fazer debates, ele que não faz autocrítica, e não quer encarar outro candidato que não seja Bolsonaro, dando sinal de que o petista quer revanchismo.
Embora Lula fale o tempo todo que não quer se vingar daqueles que o condenaram em 2018, o que se vê nele é puro revanchismo. E Lula se esquece de que as eleições exigem uma série de etapas, como enfrentar uma diversidade de candidatos, e os lulistas, ensandecidos, querem um primeiro turno com sabor de segundo, com Lula e Bolsonaro se enfrentando e os demais candidatos tratados como birutas de postos de combustíveis, como se fossem meros figurantes.
São esses erros que poderão fazer do próximo governo Lula um grande desastre. Na teoria, tudo é fácil, atropela-se a constitucional exigência de enfrentar várias etapas do processo eleitoral e se quer um "segundo turno" antecipado no primeiro, trabalhando ou torcendo para que as demais candidaturas fossem canceladas.
Lula falava tanto contra a condenação em segunda instância, o que é corretíssimo, pois o direito de ampla defesa deve ser exercido até quando forem esgotados os recursos jurídicos conforme determina a nossa lei. Mas aí o próprio Lula se contradiz, surfando no clima de "já ganhou" e no salto alto que ele desmente de sua parte, mas age de maneira evidente.
LULA SE TORNOU O VERDADEIRO QUERIDINHO DO ESTABLISHMENT, RECONQUISTANDO A MÍDIA QUE OUTRORA SE OPUNHA A ELE.
A arrogância faz com que os jornalistas da mídia progressista deixarem de lado a antiga lucidez de seus textos, que tanto me davam prazer em ler, para mostrarem argumentos evasivos e, de certo modo, autoritários. Uma "democracia de cabresto" se forma quando se fala em Lula como o "único candidato viável", com os lulistas desesperados em ver seu candidato vencendo "na marra" o primeiro turno das eleições.
E isso se dá sob o preço de uma frente ampla demais, que causa um entusiasmo semelhante ao que se viu em 1961 - período focalizado no meu livro 1961 - O Ano Que Havíamos Esquecido - , quando, depois de uma ameaça de golpe, a posse de João Goulart, vice de Jânio Quadros, que renunciou ao cargo, foi apoiada sob a condição de se converter num governo parlamentarista, proposta dada pelo político gaúcho Raul Pilla, do Partido Libertador (o PL da época, diferente do atual).
João Goulart com o poder castrado por Tancredo Neves - o "herói" da Nova República que, por ironia, foi castrado com a morte e sucedido pelo vice José Sarney (udenista em 1961 e hoje apoiador de Lula) - equivale ao Lula castrado por um Geraldo Alckmin forçadamente esquerdista, mas sem tirar a essência tucana de sua alma. Afinal, é como se diz, Alckmin saiu do PSDB, mas o PSDB não saiu dele. E de repente o ex-governador de São Paulo, ruim de votos, virou queridinho das esquerdas lulistas.
Houve quem chamasse Simone Tebet, emedebista que agora virou a "Terceira Via da hora", de "a queridinha do esttablishment". Grande engano. Apesar do apoio morno da mídia venal - sobretudo Globo e Estadão - , Tebet não personifica essa imagem.
Queridinho do establishment é o próprio Lula, que teve sua festa de casamento com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, politicamente explorado "sem querer querendo". A alta sociedade, o mercado, a "Faria Lima", a burguesia tradicional, estão com Lula, que ganhou a insólita adesão de José Padilha, cineasta ligado ao Instituto Millenium, que agora está "arrependido" da narrativa lavajatista adotada por ele em um longa-metragem e um seriado.
As alianças heterogêneas de Lula - que chegou a manifestar preferência aos que divergem de seu projeto político, sob o pretexto de "promover o diálogo e a democracia" - irão impor cobranças que prejudicarão seriamente seu projeto político. O futuro governo Lula tende a enfrentar conflitos sérios em medidas à esquerda, como a revogação da reforma trabalhista e do teto de gastos públicos e o fortalecimento do Estado.
Lula parece uma mixagem do Jango parlamentarista com o Jango do comício da Central do Brasil (ocorrido em 1964). A um só tempo, Lula quer agir como uma "rainha da Inglaterra" enquanto entrega a Geraldo Alckmin o grosso da logística governamental. Em contrapartida, Lula sai por aí prometendo pautas esquerdistas que, a julgar pelos aliados de "centro" (eufemismo para direita moderada), terão dificuldade para serem implantadas.
Afinal, como Lula vai fortalecer as atribuições do Estado e barrar as privatizações se ele quer se aliar aos tucanos históricos no PSDB, os maiores apóstolos do Estado Mínimo e envolvidos no maior escândalo político dos últimos tempos, a Privataria Tucana?
Lula tende a ficar com a parte sentimental do seu governo e as pautas sociais, representadas pelos seus projetos de grife, a partir do Bolsa Família e Fome Zero, seus carros-chefes. Tudo sinaliza que a parte técnica, voltada a medidas logísticas em torno da Economia e outros setores estratégicos, ficará nas mãos de Geraldo Alckmin, o que dará um ranço neoliberal no próximo governo de Lula.
E isso lembrará muito as pautas conservadoras do Jango parlamentarista e de Dilma Rousseff no começo do seu segundo mandato. Lula não poderá avançar muito, mesmo se quisesse, ou terá problemas sérios. Os aliados neoliberais de Lula não assistirão ao seu governo passivos e não verão com sorrisos benevolentes o petista fortalecendo a máquina estatal.
É o preço caro a ser cobrado por uma atuação imprudente por parte de Lula e de seus seguidores, estes dotados de uma arrogância triunfalista que agride os opositores, sem saber que os eleitores destes, ao se sentirem agredidos pelos lulistas, poderão, a título de "voto de protesto", eleger Jair Bolsonaro.
Nem para ajudar Lula foi considerada a Terceira Via como força para pulverizar e reduzir os votos de Bolsonaro. Com isso, Lula só ganhará pela sorte de ser o candidato com maior apelo afetivo e sentimental, porque fora isso sua campanha é marcada por sérias contradições, pela falta de um programa de governo, pela falta de autocrítica e de humildade (até mesmo por parte do próprio Lula) e pela arriscada aliança com quem não compartilha com as ideias do petista.
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