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ATÉ QUE PONTO A CHAMADA "FRENTE AMPLA" ACEITARÁ PAUTAS PROGRESSISTAS?

LULA E ALCKMIN DURANTE EVENTO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CASA DE PORTUGAL, EM SÃO PAULO.

Nem todo mundo nas elites é ruim. É claro que há o bom empresário, a boa empresa, o bom banqueiro, a boa instituição privada, o bom colunista social, entre outros ricos ou representantes de ricos que possuem uma significativa consciência social.

Não se pode generalizar por bem ou por mal. Isso é certo. Mas é necessário ter cautela, afinal não é porque o governo Jair Bolsonaro está em uma crise aguda e o atual presidente da República está levando sua política desastrosa a níveis extremos que as elites farão uma abertura escancarada para as pautas populares.

Sim, há que se considerar que existe uma necessidade de um convívio democrático e equilibrado de diversos segmentos sociais. Isso é um consenso. Mas daí a achar que os neoliberais brasileiros que se recusam a ficar com Bolsonaro se tornaram abertamente esquerdistas é uma grande ilusão.

O evento de ontem com Lula e Geraldo Alckmin na Casa de Portugal, aqui em São Paulo, intitulado Movimentos Populares com Lula, contou com discursos de representantes de instituições sociais, ligadas às classes populares e a grupos identitários.

O encontro contou com um ato de protesto contra a violência em Umbaúba, em Sergipe, quando o jovem Genivaldo de Jesus Santos, detido injustamente pela polícia militar, morreu asfixiado por gás dentro do camburão. Também houve uma moção de protesto contra o massacre na comunidade de Vila Cruzeiro, na Penha, subúrbio do Rio de Janeiro.

Sim, é necessário que, na visão dos neoliberais, haja uma apreciação de pautas sociais e humanitárias, denunciando a violação dos direitos humanos e as desigualdades sociais, até certo ponto. Mas quais os limites dessa e das demais apreciações das pautas sociais, se as elites estão associadas ao puro acúmulo de dinheiro e privilégios de poder?

É claro que a boa imagem das empresas e das instituições privadas depende do melhor tratamento dado à sociedade, incluindo pobres e pessoas carentes em geral. E tem gente, dentro das elites, que tem realmente uma vontade de ajudar o próximo. Mas como identificar aquele que realmente tem uma consciência e uma responsabilidade social autêntica do oportunista que surfa nas causas sociais visando vantagens pessoais plenas?

Não se mede a sinceridade de algum ato altruísta pelo jeito efusivo do suposto praticante. Infelizmente o culto à personalidade, prática que a maioria dos brasileiros têm dificuldade de identificar - a não ser em casos simplórios como o do próprio Bolsonaro em seus passeios de moto e jet-ski - , se manifesta justamente naqueles que, evitando um discurso raivoso e histriônico, mascaram seu oportunismo com a habilidade que, por exemplo, os neopentecostais não conseguem ter, por falta de esperteza.

Daí vemos o quanto o culto à personalidade que ronda os chamados "médiuns" do Espiritismo brasileiro e dirigentes da Legião da Boa Vontade (LBV), com sua "caridade de espetáculo" na qual só se produzem resultados medíocres, que não resolvem estruturalmente o problema da pobreza (até porque os miseráveis são os mesmos ano após ano), como exemplos desse oportunismo oculto no imaginário dos brasileiros, que se deixam enganar por um discurso não-raivoso de exploradores do sofrimento alheio e ainda vão dormir tranquilos com essa farsa.

É claro que o bolsonarismo acabou representando pelos pecados escancarados de elites sem um pingo de sutileza. Paulo Guedes paga pelos pecados dos neoliberais tucanos, antes denunciados pelo esquema da "privataria" e por escândalos como a Lista de Furnas, o Trensalão, a compra de votos para eleição de Fernando Henrique Cardoso e o caso Banestado. Hoje esses escândalos foram postos sob o tapete, pois seus principais envolvidos, salvo exceções, agora apoiam Lula.

A frente ampla demais que Lula forma para "reconstruir o Brasil" não concorda com as pautas do petista. Lula tenta um trabalho hercúleo de, ao mesmo tempo, se aliar com forças divergentes e, em contrapartida, impor sua agenda progressista. Abraçado aos tucanos históricos, apóstolos do Estado Mínimo e privatistas doentes, Lula acredita que vai fortalecer o Estado e, se preciso, desprivatizar estatais que forem vendidas este ano.

As pessoas mudam. Mas, para que isso realmente ocorra, é necessário autocrítica, sinceridade no desejo de mudar, e real identificação com a nova postura. Não basta mudar na surdina, "mudar" como alguém que vai do quarto para a cozinha.

Já vimos casos de gente como Mário Kertèsz, na Bahia, e Pedro Alexandre Sanches, na intelectualidade cultural, "mudarem" sem autocrítica, sem conhecimento de causa, o primeiro tendo sido político da ditadura militar, o segundo, um jornalista neoliberal da Folha de São Paulo, ambos caindo de pára-quedas na causa esquerdista, tentando até mesmo se comportar conforme o figurino. Mas cumprir um protocolo "esquerdista" não é agir como se fosse realmente de esquerda. Os dois anteciparam Geraldo Alckmin na aventura do "esquerdismo de resultados".

Afinal, cumprir o protocolo é apenas adotar posturas manjadas e formalidades conhecidas do imaginário de uma causa. No esquerdismo, por exemplo, adotar um discurso não-raivoso e adotar uma pretensa defesa das causas populares (ainda que veja o povo pobre como uma multidão "infantilizada") ou um falso apoio a causas marxistas, como a valorização das estatais e a defesa da reforma agrária.

O grande problema é como os aliados de Lula que divergem do seu projeto político vão aceitar as pautas de esquerda. Até certo ponto, esses aliados vão defender a valorização do emprego e da educação pública, da melhoria da saúde pública, a condenação a todo tipo de violência contra os pobres e, também, a defesa de garantias sociais como a proteção às trabalhadoras gestantes.

Mas o que dizer da manutenção de estatais, da desapropriação de fazendas improdutivas, do aumento salarial no padrão DIEESE (que define, conforme análises técnicas, o salário mínimo ideal como cinco vezes o padrão atual) e da cobrança de impostos para os ricos? Será que os aliados "moderados" de Lula irão aceitar isso passivamente? Será que Geraldo Alckmin gosta da ideia? Essa é a dúvida quanto ao projeto atual de Lula, com suas contradições fáceis de resolver na teoria, mas difíceis de serem lidadas na prática.

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