Preso em suas contradições, Lula molda o seu discurso conforme o público-alvo.
Se o público é o empresariado, Lula adota um tom brando, garantindo que os empresários, banqueiros e ricos em geral não terão perdas grandes nos seus lucros. Até a promessa de "incluir o rico no imposto de renda" é dita de forma genérica, sem muita convicção.
Se o público é o proletariado, Lula afirma que "não vai governar para o mercado" e que vai priorizar os pobres no seu projeto político.
A reforma trabalhista é um dos temas nos quais Lula diz uma coisa para um público e diz outra para um outro público.
Lula disse que "não vai revogar a reforma trabalhista", no começo deste ano, mas apenas "rever" para minimizar os prejuízos para os trabalhadores.
Depois, Lula passou a dizer que vai revogar a reforma trabalhista, inspirado no exemplo espanhol.
Os neoliberais saltaram da cadeira. E aí Lula veio com um atenuante: "criar uma legislação trabalhista resultante do diálogo entre trabalhadores e empresários".
Detalhe: um diálogo mediado por Geraldo Alckmin, representante do empresariado. Dá para perceber onde o peso será maior para as decisões definitivas.
Em reunião do Sindmais, evento promovido pela Força Sindical e realizado aqui em São Paulo, Lula prometeu mais uma vez que vai revogar a reforma trabalhista, através do comentário que definiu os defensores da medida como "escravocratas".
É o gancho para o dia de hoje, onde se celebra oficialmente a Lei Áurea, a inócua legislação assinada pela Princesa Isabel cujo efeito mais significativo foi a queda do Império brasileiro, através de um golpe republicano financiado e reivindicado pela elite cafeeira, descontente com a Abolição.
Só para vermos como essa abolição da escravatura não deu certo, é o que vemos na Cracolândia, com miseráveis agredidos por policiais e impedidos de se internarem para reabilitação, uma vez que os que tiveram essa iniciativa não foram atendidos nas clínicas onde foram.
Onde está o emprego, a moradia, o amparo social aos miseráveis sem rumo que recorrem ao crack porque não têm mais a quem recorrer? Se esses pobres, em maioria negros, índios e mestiços, está agressiva e violenta, é porque a revolta se acumulou por décadas de infortúnios.
O mesmo infortúnio que os palestrantes "amigos da onça" do Espiritismo brasileiro e outras seitas "maravilhosas", supostos contrapontos aos neopentecostais, acham maravilhoso.
Fácil um religioso ver um sofredor acuado pelas adversidades da vida e dizer, hipócrita: "nosso irmão, com sofrimentos sem limites, se prepara para em breve obter as graças de Deus".
E religiosos assim falam tudo isso, com suas vozes melífluas, sob os aplausos da parcela da elite do atraso que finge não ser reacionária e busca refúgio ideológico em todo rótulo que lhe parecer bom: esquerda, progressismo, vanguardismo, nerd, alternativo, humanismo etc.
E o que Lula, pelo jeito submetido à elite do atraso, comentou no Sindimais? Vejamos:
"A mentalidade de quem fez a reforma trabalhista, a reforma sindical, é a mentalidade escravocrata, de quem acha que sindicato não tem que ter força, não tem representatividade. No mundo desenvolvido em que você tem economia forte, você tem sindicato forte, em qualquer país do mundo. Se você tiver economia forte você tem sindicato forte".
Ao divulgar a nota, o Brasil 247 sinalizou a associação da reforma trabalhista apenas ao governo Jair Bolsonaro e ao seu comentário racista que diz que "negro é medido por arrobas".
Nem precisamos detalhar o quanto infeliz foi Bolsonaro porque está óbvio. Bolsonaro, o desastre em pessoa, não deveria sequer ser eleito presidente da República, deplorável que é em todos os sentidos.
Mas não podemos ignorar o problema em Lula, que se aliou à direita moderada e que demonstrou total insegurança ao não se decidir se vai mesmo revogar a reforma trabalhista ou vai fazer uma revisão.
Agora ele fala em revogar e substituir por uma nova lei, mas ao enfatizar o diálogo com o empresariado - mediado por um representante desta classe - , fica parecendo que a nova lei será uma reforma trabalhista apenas repaginada, sem grandes rupturas com o projeto do governo Michel Temer.
Lula, aliás, lançou um discurso estranhamente brando ao falar de privatizações, ainda em Juiz de Fora, anteontem.
Assim como o discurso acima citado, este tem como alvo atingir Bolsonaro, desta vez através da intenção de agir para privatizar a Petrobras e vender o pré-sal, trazida pelo novo ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, que cometeu o asneirol de chamar o general Pinochet de "esquerdista".
Disse Lula:
"Quem se meter a comprar a Petrobras, vai ter que conversar conosco depois da eleição. Parem de tentar privatizar as nossas empresas públicas. Quem se meter a comprar a Petrobras vai ter que conversar conosco depois da eleição. Pare de tentar privatizar a Eletrobras. Se não fosse a Eletrobras, não teria o programa Luz para Todos, que custou ao povo brasileiro R$ 20 milhões e só pôde ser feito porque a empresa era pública. Parem de privatizar os Correios".
"Conversar depois da eleição", como assim? É o famigerado diálogo? Os compradores da Petrobras vão levar alguma coisa em troca do cancelamento da privatização? Vão levar alguma reserva do petróleo brasileiro, do gás, do pré-sal?
Na Bolívia, desconfia-se que foram pagos lítio e gás a Elon Musk para que a centro-esquerda voltasse, de repente, ao poder, depois da derrubada de Evo Morales e da subida ao poder da reacionária Jeanine Añez, depois condenada.
Será que Lula se limitará a dizer, aos empresários compradores: "Que coisa feia vocês adquirirem empresas estatais patrimônio do povo brasileiro". E vai ficar nisso?
Ou será que Lula vai maquiar a privatização, criando uma concessão para a iniciativa privada, enquanto, formalmente, as estatais continuarão existindo?
Lula não traz confiança alguma e mostra que ele não vai realizar rupturas estruturais com o neoliberalismo responsável pelas grandes desigualdades sociais que afligem milhões de brasileiros.
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