A classe média "não-violenta", ou seja, a que não está vinculada ao bolsonarismo raiz, está em polvorosa.
Lula saiu na capa da revista estadunidense Time, do mesmo grupo Time-Life que, há 60 anos, deu uma "pequena ajudinha" para Roberto Marinho construir a TV Globo do Rio de Janeiro.
As esquerdas veem nisso a consagração mundial de Lula, agora "confirmado" como líder mundial.
Os esquerdistas aumentaram ainda mais a arrogância, pois, antes do começo da corrida presidencial, já anunciaram que a Terceira Via está "definitivamente morta".
Muita gente boa acumula a lista dos decepcionantes da mídia de esquerda, gente que tinha uma admirável lucidez e que recentemente frustrou pelo seu lulismo cego e intransigente.
Desta vez, Fernando Brito, do blogue Tijolaço, admitiu que o primeiro turno terá sabor de segundo turno, reduzindo a disputa entre Lula e Bolsonaro.
O resto, se houver, será tratado como birutas de posto de gasolina, aos quais, oficialmente, não se recomenda voto algum.
Esquecem que Lula, ao aparecer na revista Time, principal veículo da imprensa estadunidense conservadora (moderada), cuja equivalente brasileira é chamada de "mídia venal", mostra o quanto ele deixou de ser esquerdista.
A autora da matéria, Clara Nugent, tem, curiosamente, mesmo sobrenome do guitarrista Ted Nugent, embora sem parentesco. Ted é um reacionário nos níveis dos nossos bolsonaristas, sendo neste contexto, o "Roger Moreira" dos EUA.
A matéria é simpática, mas Lula manteve o mesmo salto alto que tanto fala dos outros mas se esquece de quando ele mesmo faz.
Ele se alimenta do mito do antigo sindicalista que não existe mais, pois hoje ele mais é um serviçal do neoliberalismo dos seus aliados atuais.
Lula disse que "não vai discutir economia antes de ganhar as eleições". Grande erro. E mostra que ele não tem programa de governo, até porque ele deixou o programa para "ser discutido pelos partidos aliados e pelo acordo de empresários e trabalhadores".
Nos assuntos econômicos, Lula se limita a pingar promessas: "recuperar os direitos trabalhistas", "reconstruir o país", "promover o desenvolvimento" e, acima de tudo, "acabar com a fome".
Nada de ideias técnicas, apenas promessas em forma de ideias soltas, facilmente acolhidas no âmbito do sentimentalismo, mas sem a segurança da fundamentação técnica.
Nem vou falar de Lula dando pitacos sobre a Guerra da Ucrânia, cuja neutralidade desagradou muitos - eu pessoalmente até concordo com a dupla responsabilidade de Putin e Zerensky - , e a irritação de bolsonaristas, que era esperada.
São pontos que nem me incomodam muito, diga-se de passagem.
O problema é a euforia das esquerdas, que é fora do comum, com seus personagens da mídia progressista agora famintos pelo protagonismo histórico.
Nesses tempos de decadência do bolsonarismo, o que se vê é a inauguração da positividade tóxica, com a aparição do político brasileiro numa revista dos EUA, complementando o aparente sucesso de Anitta nos EUA.
O período atual é o apogeu de uma elite relativamente heterogênea que domina o Brasil há pouco mais de 50 anos, a classe medíocre de setores dominantes na classe média.
Surgida no "milagre brasileiro", essa classe contemporânea varia entre o bolsonarista histérico e o lulista deslumbrado, passando pela multidão de "isentões" aqui e ali.
Hoje são "isentões" e lulistas que buscam desenvolver esse novo astral, dentro de uma classe que desde 2015 não escondia que vivia numa felicidade social inabalada.
É como se mantivessem a mesma positividade tóxica e obsessiva seja nos dias de Sol ou tempestades, sempre com sorrisos arreganhados seja sob Temer e Bolsonaro, seja sob o Museu Nacional em chamas, as tragédias ambientais de Brumadinho e Mariana ou sob os preços altos dos combustíveis.
Essa positividade tóxica quer fazer crer, hoje, com que o golpe político de 2016 seja visto apenas como um forte espirro da democracia.
É a consagração da mediocridade cultural, da falta de senso crítico da sociedade que transforma jornalistas culturais e acadêmicos em passadores de panos das fenomenologias medíocres.
Colocando a sujeira do brega-popularesco debaixo do tapete, limita-se a reconhecer o viralatismo cultural nas formas do noticiário político, da propaganda política, da pedagogia.
O novo imaginário "positivo" está até trocando alguns paradigmas, para substituir aquilo que se tornou vinculado demais ao bolsonarismo.
Como, por exemplo, a substituição do "sertanejo de sofrência" pelo "pagode romântico", mais "urbano" e "alegre". Ou substituir o claramente hidrófobo neopentecostalismo pelo Espiritismo brasileiro, que promete "paz e fraternidade".
A elite do atraso agora exala "bom mocismo", longe do jeito seco de Luciano Huck, embora influenciado, de certa forma, por ele.
Mas é preciso caprichar na encenação e evitar vínculo com o apresentador mais "cancelado" nas redes sociais.
Daí o verniz "progressista", "positivista", "fraternal", do momento de hoje.
Nada de senso crítico, pois existe a regra de que nós, brasileiros, se quisermos alcançar o Primeiro Mundo, temos que ser obediente com as conveniências das circunstâncias.
Se no lugar da Bossa Nova, temos o "funk", temos que baixar a cabeça.
Contestar? Analisar? Botar o cérebro para funcionar e verificar se algo está errado? Nem tentando!
A ideia é sermos flanelinhas culturais, mesmo. Baixar a cabeça, passar muito pano, mesmo que seja para adotar posturas constrangedoras de Ivan Lins e Renato Teixeira em favor de ídolos musicais canastrões.
Se alguém disser que viralatismo cultural é Benito di Paula e sua música medíocre cantando "mulher brasileira em primeiro lugar" e "médium" anunciando que Brasil será "pátria do Evangelho", será ridicularizado ou, na melhor das hipóteses, sofrerá o desdém coletivo.
Não podemos criticar certas sumidades, agora protegidas por um establishment dotado de um forte lobby empresarial.
No exterior, atores famosos publicam no Instagram frases importantes de escritores negros.
No Brasil, os atores famosos mostram crianças negras fazendo o triste papel de ter que fazer coreografias patéticas para o deleite hipócrita e paternalista da elite do atraso.
E nessa positividade tóxica tem-se a obsessão por Lula, porque Lula é que "vai fazer tudo", mesmo quando o contexto de um Brasil arrasado não permite grandes proezas em apenas quatro anos.
A floresta da Amazônia brasileira vai levar um tempo para se recuperar. Para uma mudinha se tornar uma grande árvore, serão muitos anos.
Lula fala como se quisesse transformar o Brasil numa Suécia.
Lula na Time, no aquecimento do "grande comício" de 07 de maio no Expo Norte Center, aqui em São Paulo, tudo isso cria uma euforia descomunal.
Só que o Brasil precisa de muita cautela.
O grande medo meu é que esse clima de otimismo sem limites possa ser uma miragem e o bolsonarismo volte mais agressivo diante de um momento de crise.
Por isso é que prefiro ser realista e não embarcar nesse positivismo sonhador.
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