As alianças de Lula com a direita moderada - conhecida pelo eufemismo de "centro", estranhamente diferente do "Centrão" supostamente bolsonarista - lhe impõem um preço muito caro no que se diz à preservação do seu projeto político.
Lula já está começando a ceder de suas pautas "sensíveis", como o aborto e a regulação da mídia, e precisa focalizar apenas nas medidas de cunho social, o que na prática significa que ele irá priorizar os programas de sua grife: Bolsa Família, Fome Zero, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos etc.
Na essência, o projeto esquerdista de Lula começa a se dissolver, porque diante das demandas de aliados neoliberais, ele terá que podar seu programa de governo, além dele ser feito também em parceria com os demais aliados, que são co-autores desse plano. Geraldo Alckmin, por exemplo, é um dos co-autores do projeto.
O que isso significa? Significa que Lula terá que combinar suas ideias com forças nem sempre convergentes com suas ideias. Isso diz muito quanto à dificuldade de garantir causas como o fortalecimento dos atributos do Estado, incluindo a manutenção de estatais.
Ultimamente, está em jogo a privatização da Eletrobras, estatal nacional de energia elétrica, que o presidente Jair Bolsonaro quer concluir em junho. Já se falou nos dias 09 e, depois, 15 de junho como datas para a venda da estatal fundada há 60 anos.
Também estão na pauta das privatizações os Correios e o que resta da Petrobras, que já vendeu a BR Distribuidora (que, provisoriamente, mantém as marcas "Petrobras" e "BR" para cumprir contratos de copyright), estimulando o mercado privado que conta com 392 empresas privadas de postos de combustíveis.
E como Lula vai lidar com tudo isso?
A vontade dele é de cancelar ou reverter as privatizações, não se sabe de qual forma. Ele tem razão quando diz que as privatizações vão encarecer os serviços e produtos e restringir benefícios à população. Ele menciona o programa Luz Para Todos que implantou através da Eletrobras.
Mas o grande problema é que os aliados neoliberais, ligados ao golpe político de 2016, não aceitarão passivos certas ousadias de Lula, mesmo que ele fale que é "para o bem dos brasileiros", "em favor dos pobres" e que "estimulará o consumo e a movimentação da economia".
Os aliados neoliberais até aceitam fazer certas concessões para atender às demandas sociais. Estimular o emprego e a Educação, por exemplo. Podem aceitar medidas que reduzam os juros e permitam a comerciantes e prestadores de serviço baixarem os preços e estabilizarem os custos, tornando-os mais acessíveis à população.
Mas não será possível que esses aliados, mesmo um Geraldo Alckmin supostamente convertido à esquerda, aceitem que fossem revertidas privatizações a serem realizadas por Bolsonaro. Isso quer dizer que, para não perder tempo, o Partido dos Trabalhadores terá que acionar a Justiça para barrar as privatizações enquanto elas não forem concluídas, ainda sob Bolsonaro no poder.
Não creio que Lula seja autorizado pelos aliados de "centro" (direita moderada) a reverter as privatizações. Desprivatizar a Petrobras, Eletrobras e Correios, no caso de todos serem vendidos ainda no ocaso do governo Bolsonaro, pode soar "radical" para esses parceiros de Lula, que pelo seu comportamento não seria capaz de tal empreitada, mais típica de um Leonel Brizola.
É notório o fato de, em 1959, Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, encampou a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, tirando-a do controle da empresa estadunidense Bond & Share, e a Companhia Telefônica Riograndense foi estatizada, deixando de ser controlada pela também estadunidense International Telephone and Telegraph (ITT). As duas encampações causaram um escândalo na direita política e fizeram de Brizola uma figura controversa e rebelde.
Lula não tem a bravura de Brizola para reverter as privatizações. Seu perfil conciliador terá que fazer paliativos. Novas estatais, para substituir as que foram privatizadas, seria uma opção. Mas talvez a solução salomônica de manter, formalmente, as estatais, e estabelecer contratos de concessão à iniciativa privada fosse a medida mais provável.
O candidato do PT sinaliza que não quer polemizar nem causar escândalo, apesar de, a princípio, falar o que não deve e ter que recuar. A frente ampla demais estabelece condições para apoiar Lula e nada é de graça. Lula terá que se concentrar nos programas de grife, que levam a sua marca, como Bolsa Família, Mais Médicos, Fome Zero, Cotas Universitárias etc. Mas ir além dos limites do neoliberalismo será difícil.
Há limites na aceitação de aliados da direita moderada às pautas sociais de Lula. Esses limites repousam na possibilidade de permitir o aumento do consumo e a garantia de direitos sociais e, até certo ponto, trabalhistas, do povo com menos renda, sem no entanto representar uma ruptura com os princípios do "livre mercado".
Isso quer dizer que é mais possível, para Lula, neste contexto da frente ampla demais, fazer com que as empresas privatizadas recebam abatimentos fiscais se contribuírem com projetos sociais do que cancelar as privatizações.
Os aliados da direita moderada, defensores do Estado Mínimo, não aceitarão a reestatização das privatizadas, e a única coisa que se permitirá que seja feita é adequar o setor privado a não encarecer produtos e serviços e promover ações sociais em troca de benefícios fiscais e garantias de promover a boa imagem das empresas privadas na sociedade. É este o preço que os aliados moderados impõem a Lula, que terá que sacrificar boa parte do seu projeto político.
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