O vocabulário de poder do falecido jornalista Robert Fisk corresponde, lá fora, ao noticiário político.
Mas aqui no Brasil esse fenômeno se insere no contexto cultural.
Ver que uma simples gíria não tem a efemeridade natural de uma expressão coloquial, com seus limites de tempo e espaço, é assustador.
Lembra a "novilíngua" do livro 1984, de George Orwell.
A gíria "balada", patenteada pelo empresário Tutinha, da Jovem Pan, e popularizada por Luciano Huck, é um caso surreal.
A gíria é um termo de jovens da Faria Lima que frequentavam boates da Zona Sul (Jardins, Morumbi) usavam para definir uma rodada de ecstasy, apelidada pelo eufemismo de "bala".
A gíria "balada", no entanto, passou a ser usada para substituir "festa", "jantar noturno", "vida noturna", "boate", "apresentação de DJ", entre outros significados, empobrecendo e precarizando nosso idioma.
Não se sabe por que cargas d'água a expressão "balada" se tornou "universal" e "duradoura".
Creio que a gíria deve ter algum esquema de marketing próprio. Daí o absurdo dessa gíria faria limer ser falada no cotidiano até por pais de família comuns e ser inserida no jornalismo considerado "sério".
E isso a preço de descontextualização, de puro anacronismo: fala-se em "baladas" dos anos 1980 e "baladas" que acontecem no exterior.
Isso não existe!
Tanto não existe que, lá fora, mesmo o jovem culturalmente mais retardado apela para o termo correto "I go to the party with my friends" ("Eu vou para a festa com meus amigos").
Nada desse negócio daqui de "Vou pra balada c'a galera", falado como se estivesse cuspindo e com "direito" ao cacófato. Ninguém fala "I go to the ballad with my crew".
E aí vemos uma verdadeira gafe do portal G1, uma gafe até compreensível porque as Organizações Globo são sócias da Jovem Pan na divulgação da gíria "balada", difundida de forma franqueada por outros veículos midiáticos (como Record, Rede TV!, SBT e 89 FM).
Aí veio a "pérola": "Britânica nunca saiu pra balada após ser 'dopada': pânico".
Tem que avisar ao jornalista do G1 que "balada" não existe no Reino Unido. Lá o que há são raves, musicalmente menos imbecilizadas que as tais "baladas", que aqui tocam até pisadinha e arrocha.
E há um contexto muito diferente entre uma rave e uma "balada", que aqui é um termo usado até para definir jantar entre amigos e mais parece um padrão de festa muito falado por fofoqueiros de plantão.
O jornalismo de entretenimento no Brasil é um dos piores do mundo. Tenho que admitir essa realidade dura, estúpida.
Não dá para falar ou escrever gíria em noticiário considerado "sério", mesmo num contexto atual em que jornalistas falam de maneira mais informal.
Informalidade não significa imbecilização ou porralouquice.
Uma coisa é fazer um jornalismo mais descontraído, outra coisa é fazer um jornalismo "sorvete na testa".
Divulgar gírias ou imagens aceleradas como se fosse comedia de cinema mudo acabam fazendo o jornalismo mais chato, imbecilizado e vazio, corrompendo sua tarefa de transmitir informação.
Mesmo que seja uma imprensa majoritariamente mais conservadora (moderada) e movida por interesses de lucro, com a notícia tratada como mercadoria, seria esperado um mínimo de inteligência e dignidade linguística.
Do jeito que está nossa imprensa, com gente desinformada, falando gírias da moda e trabalhando as informações de maneira precária, nosso jornalismo vai para o fundo do poço.
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