JOSÉ RAMOS TINHORÃO E ARNALDO JABOR - Esses não eram de passar pano na mediocridade cultural dos últimos tempos.
As caras de José Ramos Tinhorão e Arnaldo Jabor, falecidos recentemente, foram escolhidas de propósito.
Elas sugerem um ar de desgosto com a mediocrização cultural que atinge níveis extremos e totalitários, o que quer dizer que as imagens dos dois são assustadoras para muita gente.
Afinal, trata-se da cara feia de quem conheceu cultura de verdade e, no final da vida, viam assistir a um catastrófico crescimento da imbecilização cultural, o que outro falecido, Mauro Dias, definiu ser o "massacre cultural sem precedentes", em 1999.
E quem tem medo de cara feia evita ler textos que tenham senso crítico, que toquem o dedo na ferida em vez de ficar passando pano aqui e ali.
O não-sucesso do meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... é reflexo disso.
Sou erroneamente visto como arrogante alertando que meu livro deve ser lido, mas o motivo é justo. Eu não sou o tipo de pessoa que pede para outros lerem um livro porque "fui eu que fiz".
Eu quero compartilhar informações exclusivas, através de muita pesquisa e muita paciência para analisar, com maior frieza possível, os absurdos ditos por intelectuais badalados em prol da bregalização cultural.
O livro não é uma coletânea de textos do antigo blogue Mingau de Aço, e é um robusto documento jornalístico, cheio de informações e fatos relacionados à chamada cultura popularesca.
Também vejo a baixa repercussão de dois textos meus no Ensaios Patrimoniais, um sobre o Carnaval e outro sobre o viralatismo cultural.
Isso se dá porque quem domina as narrativas é a elite do atraso, a maioria da classe média que se ascendeu nos tempos da ditadura militar e aposta num culturalismo que domestica o povo pobre e cria uma falsa vanguarda cultural e política que passe longe do senso crítico.
Que passe longe do senso crítico e passe pano em qualquer mediocridade vigente. Não havendo o idioma do ódio, o "hidrofobês", considera-se "progressista" até o reacionário mais obsessivo que, todavia, se disfarça através de uma fala macia e um maior cuidado com as palavras e atos.
Eu não sou o único, obviamente, a transmitir senso crítico e ser desprezado por isso, num contexto em que a regra é ser um flanelinha cultural, um exímio passador de pano na mediocridade vigente.
A "boa sociedade", aquela que comanda o Brasil-Instagram, chorou lágrimas de crocodilo com as mortes de Tinhorão e Jabor, sempre teve medo das críticas deles à música popularesca.
A pressão é tanta que mesmo gente com algum senso crítico é convencida a passar pano mais adiante, ainda que seja para outras coisas.
O jornalista Artur Dapieve foi criticar o "pagode romântico", falando muito mal da "Mina de Fé" do grupo Os Morenos, que, anos depois, teve que contrabalançar passando pano para a funqueira Tati Quebra-Barraco.
Régis Tadeu ganhou má fama de "ranzinza", como naqueles comentários em que ele definia fãs de música popularesca e pop juvenil de "retardados", que ele teve que criar um programa para passar pano na mediocridade mais antiga, o Lado Z da USP FM.
Nele coube até o terrível "médium de peruca" - o religioso que mais defendeu e colaborou com a ditadura militar a ponto de ser condecorado pela Escola Superior de Guerra - , recitando um poeminha psicografake sob um fundo musical piegas.
E isso como se não bastasse a transformação de ídolos bregas antigos em "vacas sagradas" musicais, contra os quais não se deve comentar.
As pessoas não gostam quando se fala que o Carnaval carioca decaiu porque perdeu suas raízes populares.
Somos obrigados a fingir que nosso Carnaval, mesmo com estrutura empresarial e sustento mafioso (bicheiros), continua vinculado às favelas que nossa classe média finge conhecer mas só vê de longe, na superfície.
Da mesma forma, também não querem admitir que o viralatismo cultural vai além de alguns agentes políticos e de veículos como o Jornal Nacional, a revista Veja e o Estadão.
Imagine chamar a quase totalidade dis sicessos musicais brasileiros de "viralatismo cultural", mesmo com a clara intenção de imitar os EUA? O risco de ser linchado pelo Superior Tribunal da Internet é altíssimo.
Isso tira o sossego e o sono dessa "boa sociedade" que trata os pobres como animais selvagens que precisam ser domesticados.
Não se pode ter senso crítico nos últimos tempos, não porque, em tese, seja proibido, mas é porque isso não repercute e até admitimos que existem proibições, sim.
Como no fato de que senso crítico não serve para tese de pós-graduação nas universidades.
E isso é assustador, se levarmos em conta que, mesmo nos primórdios da ditadura militar, o senso crítico tinha mais espaço e repercutia bem.
Em 1965, se criticava até as boas marchinhas de Carnaval de um cara talentoso como João Roberto Kelly. Mas hoje passa-se pano em nulidades musicais como o cantor baiano Bell Marques.
E o pior é que, quando se publica um texto duramente crítico na Internet, vem sempre aquele isentão chato de plantão com o mantra de sempre: "Eu até entendo alguns pontos seus, mas...".
E hoje temos a mediocridade como o parâmetro da normalidade humana, num contexto em que errar passa a ser motivo de orgulho para muita gente. Daí o termo "quenunca", que defino aqueles que vivem do pegajoso refrão "Quem nunca?" para passar pano nos próprios defeitos.
Senso crítico existe para expressar aquilo que está errado.
E se não pode expressar o senso crítico, mas ficar passando pano no defeito alheio, agindo em nome da "perfeição da imperfeição" que é a mediocridade cultural vigente, então o Brasil está perdido.
Tão perdido que as pessoas preferem evitar o senso crítico para não serem incomodadas em suas zonas de conforto da vida medíocre e constantemente idiotizada.
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