A recente coluna de Gerson Camarotti, no portal G1, sinaliza que o esquerdismo de Lula praticamente acabou. Embora se discuta como o candidato do PT irá se desfazer do carimbo de esquerdista, tudo indica que, na prática, esse objetivo será fatalmente atingido, por conta das alianças que a frente ampla demais costura.
Um fato novo reforça esse flerte de Lula com o neoliberalismo, que é a desistência de João Dória Jr. da corrida presidencial. Isso faz com que o PT procure o PSDB para engrossar a frente ampla demais, embora o ex-governador gaúcho Eduardo Leite sinalize interesse em disputar o Planalto. Em todo caso, Lula parece se inclinar para ser um candidato de "centro", eufemismo para direita moderada.
Em reunião recente com vários partidos, em um hotel no bairro nobre dos Jardins, aqui em São Paulo, Lula, Geraldo Alckmin e outros envolvidos - até a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, esposa do presidenciável, esteve presente - estavam discutindo como será a frente ampla no palanque do petista, numa campanha que focaliza a conquista de um eleitorado considerado moderado ou conservador.
A reunião também busca acertar a pauta da Economia na campanha presidencial, chamando um especialista para coordenar os trabalhos. Nada foi acertado até a edição deste texto, mas o economista Pérsio Arida, ligado a Fernando Henrique Cardoso, é um dos mais cotados para a função, tendo tido contatos com o economista do PT, Aloísio Mercadante, atual presidente da Fundação Perseu Abramo.
A ideia é de fazer um trabalho coletivo da coligação, que irá bolar todas as estratégias de campanha, incluindo o programa de governo. Isso significa que não será o PT o responsável prioritário do projeto político, porque haverá o envolvimento de partidos de esquerda mais moderados e partidos do chamado "centro", ou seja, a centro-direita comprometida com um projeto político-econômico neoliberal.
O grande problema é como Lula vai manter suas pautas originais. Ele já cedeu em duas, o aborto e a regulação da mídia. Deve ceder, também, em pautas que aparentemente permanecem em seu discurso, como ó repúdio às privatizações, o fortalecimento do Estado, a revogação da reforma trabalhista e o fim do teto de gastos.
Afinal, será difícil ver os aliados da direita moderada, antes comprometidos com o golpe político de 2016 e com a defesa do Estado Mínimo, aceitarem essas propostas de Lula. Pelo que eu imagino, deve haver uma solução salomônica: as estatais são formalmente mantidas, mas haverá uma PPP (Parceria Público-Privada), provavelmente com cada estatal sendo administrada por uma empresa privada, através do sistema de concessões.
Pois é isso que complica a campanha de Lula. Atraindo uma frente heterogênea, que apenas de forma temporária irá pôr as divergências de lado, ele não poderá manter inteiro seu projeto político, até pela autoria coletiva do programa de governo, que inclui até mesmo um Geraldo Alckmin que atuará nos bastidores.
São forças que não se identificam com pautas muito caras para o PT, e que apenas apreciam pautas sociais de maneira limitada, sem que comprometam os privilégios das elites econômicas que esses aliados de Lula representam. Eles não assistirão passivos a posições de Lula contra a privatização da Eletrobras que, se concluída este ano, dificilmente será anulada. Mesmo o PSB avisou que não irá focalizar seu projeto político na defesa de empresas estatais. Imagine então partidos de "centro"...
O que veremos em Lula será a reedição do governo parlamentarista de João Goulart mesclado com algumas concessões sociais do governo José Sarney. Em ambos os casos, o denominador comum é o conservador moderado Tancredo Neves, que foi o primeiro dos primeiros-ministros de Jango e seria o presidente da Nova República, não fosse sua morte em 1985.
Dificilmente Lula fará um governo dos sonhos de todo esquerdista e é triste ver que as esquerdas estão arrogantes, cegas e intransigentes, imaginando um Lula que não existe mais. Hoje o Lula exalta a figura de Geraldo Alckmin como seu parceiro e vice-presidente, e a influência do ex-tucano será tanta que muito da pauta original do PT se reduzirá a simples promessas que, depois da posse, serão evaporadas para atender as demandas dos aliados da frente ampla. Não existe almoço grátis.
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