Que o pessoal vá gostar de música brega "de raiz", vá lá, é compreensível.
Mas dizer que essa música é "vanguarda" ou "alternativa" é uma enorme asneira.
Infelizmente, essa é a visão corrente desse Brasil vira-lata, desse culturalismo conservador fantasiado de "moderno" e "progressista".
Pois o empresariado que domina o entretenimento e a mídia hegemônica querem vender o brega antigo como se fosse uma pretensa "vanguarda" musical.
Tudo sob o rótulo de "vintage", distorcendo lições trazidas de fora por filmes como Alta Fidelidade (High Fidelity) e embarcando numa espécie de "saudosismo de resultados", medido não pelo real valor cultural de algum artista antigo, mas pelo solipsismo emotivo do público ouvinte.
Um saudosismo com um quê de irresponsável, do tipo "essa música é um clássico porque lembra o dia em que eu conheci a garota que hoje é minha esposa".
A confusão entre "cultura" e "entretenimento" é persistente e preocupante, num contexto em que a mediocrização cultural alcança níveis de pura imbecilização.
Fala-se em "combate ao preconceito", mas a verdade é que existe o outro lado do preconceito, o da aceitação irracional, do gostar sem verificar.
Basta uma propaganda coitadista para o ídolo brega-popularesco bancar o "gênio visionário" da temporada.
Não se pode criticar certos ídolos brega-popularescos que lá vem algum internauta vomitando hidrofobia, bem ao estilo do fã reacionário.
Existe um lobby na música brega-popularesca em geral, mas que se divide nas diversas tendências, seja pelo espaço (região), seja pelo tempo (geração de uma época).
Assim como existe "forró eletrônico", "sertanejo de sofrência", "funk" e axé-music, existe também o brega mais atual, o brega dos anos 1990 e o brega mais antigo.
Existem os neo-bregas, falsamente sofisticados, como Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, Art Popular, Frank Aguiar, Ivete Sangalo, Bell Marques, Mastruz com Leite, Daniel etc.
Tudo isso é música comercial, mas muitos críticos, intelectuais e acadêmicos, vários se aproveitando do prestígio social para fazer carteirada, andam falando muita besteira.
Vide definições constrangedoras como "verdadeira MPB" ou "MPB com P maiúsculo" que são de embrulhar o estômago e tirar o sono de muita gente realmente coerente.
Vender a música brega e todos os seus derivados como "vanguarda" ou "alternativo" é um asneirol, um atestado de retardamento mental ou algum apelo trazido por algum jabaculê pago nos bastidores.
Já vejo muito crítico musical, conhecido por esculhambar a mediocridade musical aqui e ali, que, nos bastidores de um programa de TV, é levado para um canto por um empresário da música brega, que vai logo dizendo:
- Ô crítico musical, sei que você tem a língua afiada, fala mal de todo mundo, você tem até critérios e motivos para fazer isso, mas veja bem...
- Fala - diz o crítico musical.
- Eu tenho clientes que precisam retomar carreira, meus amigos empresários também têm, e esses músicos precisam entrar em espaços independentes e altenativos, se não eles não chamam atenção da moçada mais jovem.
- Mais aí é forçar a barra. Artisticamente, eles sempre olharam para trás. Os nomes de vanguarda olham para a frente. Os ídolos bregas sempre foram comerciais, dentro de um contexto mais suburbano, rural,
- Sim, eu entendo. Por isso é que estou lhe fazendo um negócio.
- Fala.
- Eu proponho que você aceite uma soma de dinheiro que estou lhe dando. É para você criar um espaço na mídia para divulgar esses nomes bregas como se fossem alternativos.
- Mas como posso fazer isso? Meus fãs vão cair de pau em cima de mim!
- Calma, estamos formando um lobby. O Paulo César (Araújo, historiador dos bregas) está fazendo uma campanha no meio acadêmico, estamos tentando produzir consenso sobre a música brega em geral. Você usa seu conhecimento e sua credibilidade para dizer que a música brega é "bem legal".
Há também pagamentos de espaços radiofônicos. Já teve até rádio de rock no Sul do Brasil que inseria música brega em alguns de seus programas.
Mesmo coisas que parecem forçamento de barra (NÃO existe "forçação") como fazer mashup de É O Tchan com Smiths e um constrangedor disco-tributo pseudo-indie do grupo Raça Negra são feitas visando esse vínculo forçado, estúpido e grosseiro da retaguarda brega com a vanguarda alternativa.
É coisa de empurrar os jovens mais diferenciados a ouvir coisas assim. Tudo pela desculpa de "combater o preconceito", que, para mim, soa como obrigar um bebê a tomar chá de losna.
Há interesses comerciais ocultos por trás desse forçamento de barra, dessa verdadeira imposição cultural que vende gato por lebre.
O brega é retardatário, e isso não é um juízo de valor. É uma constatação objetiva.
O brega sempre se inspira num modismo estrangeiro que se tornou obsoleto no seu país de origem.
E adapta esse modismo de forma bastante provinciana, matuta, sem a menor noção de querer criar uma contemporaneidade ou atualização.
Esse papo de que o brega é "vanguarda" foi espalhado por uma elite de intelectuais e críticos burgueses que moram em apartamentos caros em Pinheiros, aqui em São Paulo, ou em áreas similares nas demais capitais.
São pessoas burguesas que, no entanto, se acham no direito de fazer juízo de valor e avaliar a realidade conforme seus instintos solipsistas.
Se esses intelectuais só ouviram brega nos últimos 25 anos, o problema não é meu nem de você, leitor.
Mas isso não dá o direito dessa elite julgar que o brega é "vanguarda", só porque parece novidade para esse pessoal que passou o tempo todo ouvindo a MPB dos anos 1970.
Fico até imaginando que esse "combate ao preconceito" - tema do meu corajoso livro Esses Intelectuais Pertinentes... - não passa de uma projeção psicológica e os veradeiros preconceituosos são justamente os que andam defendendo e blindando a bregalização musical.
O que se sabe é que tem um empresariado escondido querendo jogar os bregas para o mainstream e vêm com esse papo de "brega é vanguarda" que soa tão autêntico quanto papo de pescador que disse que pescou um tubarão gigante num córrego.
Devemos nos lembrar que, de forma direta ou indireta, a bregalização criou condições para chegarmos ao pesadelo bolsonarista dos últimos anos.
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