O grande problema que se vê em Lula hoje é a radicalização de seu perfil conciliador.
Sem oferecer mudanças estruturais, Lula acredita no suposto equilíbrio entre o diálogo das elites com o povo.
Não se trata de um projeto de transformação de um país, mas apenas da adequação de estruturas sociais desiguais a um mínimo denominador comum da relativa prosperidade econômica.
Apenas alguns padrões médios de consumo e cidadania para a população, sem no entanto mexer nos privilégios dos mais ricos.
Em reunião com os empresários num shopping popular de Contagem, na Grande Belo Horizonte, Lula contou com a ex-prefeita da cidade mineira, Marília Campos, e o dono do estabelecimento, Mário Valadares.
Lula discursou lembrando de que "os empresários lucraram muito" em seu governo, e argumentou que os empresários lucram mais gerando empregos e estimulando o consumo.
Algumas frases de Lula, que lembrou que tomou conhecimento de Contagem a partir de uma greve de trabalhadores em 1968. Vejamos elas:
"Mário (Valadares), você converse com seus amigos empresários: 'o Lula não quer tomar nossa fábrica, o Lula não quer tomar nosso lucro, o Lula quer emprego para os trabalhadores, o Lula quer salário justo".
"Só é possível governar se você coloca o coração nas suas decisões. Tem gente que acha que é possível governar olhando só lucro e despesas. Precisamos olhar para a dívida social que existe com o povo brasileiro. Começar a fazer o orçamento olhando pra baixo (...) Fica fácil governar o Brasil. Você arrecada de quem tem mais para investir em quem não tem nada. Essa é a lógica que vale para qualquer coisa no mundo. Precisamos cuidar de quem mais necessita".
"No nosso governo, todos os empresários ganharam muito dinheiro nesse país. Tenho orgulho de dizer que geramos 22 milhões de empregos com carteira assinada, aumentamos salário em 74% e exportações em R$ 262 bilhões".
"A lógica do empresário é que ele faz um investimento e almeja retorno. Ele precisa de uma coisa chamada consumidor, precisa que a sociedade tenha recurso para comprar o que ele vende".
"A roda da economia vai funcionar e todo mundo começa a participar do processo de desenvolvimento. E não foi nenhum marxista que disse isso não. O industrial norte-americano Henry Ford dizia que precisava pagar a seus funcionários o suficiente para que eles pudessem comprar seus produtos".
"Os empresários vão ganhar mais dinheiro, vocês vão ganhar mais salário, mais educação, mais saúde e mais prazer de viver nesta imensa pátria chamada Brasil".
No discurso, tudo parece muito bom, mas o grande problema é que Lula diz uma coisa quando fala para os empresários e diz outra quando fala para os trabalhadores.
Lula fala que deseja ver incluídos o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda.
Mas como Lula vai taxar os impostos dos ricos? Justamente uma considerável parcela dos seus atuais aliados?
Não se diz que Lula deva entrar em conflitos com o empresariado. Estamos muito longe de desejar isso.
Mas Lula demonstra uma proximidade maior com o empresariado do que com o proletariado.
A decisão do próprio Lula de que será seu vice, Geraldo Alckmin, irá intermediar a negociação de patrões com empregados é algo que deixará Michel Temer dormir tranquilo.
Afinal, Geraldo Alckmin é representante dos interesses empresariais. É como colocar um árbitro chileno no jogo entre as seleções de Brasil e Chile num torneio de futebol.
Os trabalhadores apenas terão o básico. Mas até que ponto vai esse básico?
Ontem houve confronto entre os miseráveis da Cracolândia e os policiais. Esses miseráveis recorrem ao trágico consumo porque encontraram os caminhos fechados em suas vidas. São reféns de seu próprio pesadelo, e ainda são tratados com violência pela polícia de São Paulo.
O padre Júlio Lancelotti falou, recentemente, que é um absurdo restringir a política de assistência aos sem-teto a barracas de acampamento.
Como os sem-teto terão moradia? O Minha Casa Minha Vida irá atender a essa multidão em miséria extrema?
Como Lula, abraçado ao empresariado neoliberal, vai atender a todas as suas propostas em favor dos mais necessitados?
A dúvida também é se o empresariado irá assistir passivo à revalorização salarial, ao fortalecimento do Estado e até mesmo a taxação dos mais ricos. Será mesmo que os empresários irão aceitar?
Até que ponto Lula irá adiante com suas propostas, sem ter o cuidado de escolher quem poderia mesmo ter afinidade com suas ideias progressistas?
No setor cultural, Lula pretende financiar quem realmente faz cultura popular ou os ídolos popularescos (alguns de tendência "identitária") que já são ricos e dispõem de uma forte estrutura empresarial para sustentá-los?
Lula irá priorizar os ricos em seu governo? Com seu perfil conciliador e negociador, no contexto em que vivemos hoje Lula atua priorizando o "centro" (eufemismo para a direita neoliberal), com forte risco de sucumbir para o peleguismo.
Ou seja, numa negociação entre empresários e trabalhadores, a ênfase estará quase sempre nos interesses do patronato.
E aí as chamadas perdas salariais, por exemplo, ficarão esquecidas. Aumentos salariais que poderiam ser mais significativos se reduzem a simples merrecas, porque os empresários não querem perder seus lucros exorbitantes.
E como serão cobrados os impostos para os mais ricos? Ou será que, em nome das alianças, Lula terá que ceder e consentir com a sonegação fiscal de empresários e banqueiros que seriam, a seu ver, estratégicos para seu sistema de alianças e governabilidade?
Lula cai em contradições sérias em sua campanha, e seu favoritismo, em verdade frágil, apesar do aparato de supostas pesquisas eleitorais, apenas mascara a renúncia da essência de um projeto realmente progressista.
O que Lula vai fazer são ações paliativas: dar aos pobres sem precisar tirar muito dos ricos.
Na teoria, é tudo maravilhoso, tudo será equilibrado e tudo dará certo. Mas, na prática, haverá conflitos e pressões que mostrarão o caráter nefasto dessa negociação digna de um acordo entre as raposas e as galinhas.
Até porque não dá para equilibrar interesses de empresários e trabalhadores, porque os primeiros têm demais e os últimos, quando têm alguma coisa, é muito pouco para uma vida com dignidade.
E Lula hoje se alia mais com a direita moderada do que nos dois mandatos anteriores. Com isso, seu governo estará longe de ser o melhor do que os demais. Existe maior probabilidade de ser até pior.
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