A separação de Karina Bacchi, ex-atriz, e do jogador de futebol Amaury Nunes, convida muita gente a pensar nos problemas da obsessão da fé, que transforma a religião numa paixão tóxica e nociva.
Segundo o colunista Léo Dias, do jornal brasiliense Metrópoles, o motivo da separação era o fanatismo religioso de Karina, que chega a ler a Bíblia até 10 horas por dia.
Amaury se queixava dos compromissos perdidos e da falta de uma vida laica com a mulher. Ele até estava se dando bem com Enrico Bacchi, filho da atriz de um antigo relacionamento não publicamente divulgado.
A coisa chegava ao ponto de Karina ter cancelado amizades com pessoas que não seguiam a religião dela, a Yah Church, evangélica, e da ex-atriz evitar frequentar lugares onde havia gente de outras religiões.
Amaury até chegou a se converter para a religião dela, mas não aguentou o fanatismo e pediu separação. Karina, por sua vez, preferiu manifestar sua prioridade pela "oração".
A única coisa correta que Karina disse, numa entrevista, é que ela testemunhou orgias de drogas e sexo nos bastidores das atrações da Rede Globo, como novelas e outros programas, nos quais ela teve participação direta ou indireta.
Fora isso, porém, a dedicação exagerada de Karina à fé religiosa faz com que tenhamos que investir no assunto tabu que é contestar religiões.
Afinal, esse fanatismo, assumido ou não, pela fé religiosa, mostra na verdade uma religiosidade obsessiva e tóxica, da qual a fé não mede espaços nem momentos certos de manifestação.
A verdadeira religiosidade tem momentos e locais específicos. Religiões mais antigas como o Catolicismo e o Protestantismo clássico, como a Igreja Batista, são exemplos.
O bom religioso reserva sua fé para esses lugares, não jogando ela nos meios laicos como um sutil apelo de ostentação religiosa e de proselitismo. Quem pensa em fé o tempo todo é uma pessoa ressentida que disfarça suas frustrações através da falsa felicidade da religião.
Religiões que se ascenderam durante a ditadura militar, como meio de enfraquecer correntes progressistas do Catolicismo - ligados à Teologia da Libertação, cujo expoente mais em evidência hoje é o padre Júlio Lancelotti - , seguem a linha da religiosidade "sem lugar nem tempo definidos".
Seitas neopentecostais e o Espiritismo brasileiro, assim como a "ecumênica" Legião da Boa Vontade, são exemplos dessa fé preocupantemente expansionista que rasga o Livro de Eclesiastes, na lição de que se deve ter um tempo certo para cada coisa.
Aliás, vemos o quanto a obsessão da fé torna-se tóxica.
Nas seitas neopentecostais, se vê até momentos cômicos de encenação, quando os assistentes de um pastor mais alucinado fingem serem controlados e manipulados pelos supostos poderes do pregador.
Coisas bem mais constrangedoras do que o já vergonhoso truque do falso paraplégico supostamente curado pelo "milagre da fé".
No Espiritismo brasileiro, vemos a sua falsa apreciação da ciência e da filosofia, a serviço de valores moralistas próprios do Século XII, apelar para filmes de enredo novelesco não muito diferentes das novelas bíblicas neopentecostais da Record TV.
A série "Nosso Lar" vem aí com toda a gosma piegas do enredo místico-moralista que, no suposto mundo espiritual, na verdade imaginário e fictício, se exibe uma "cidade espiritual" aos moldes da Barra da Tijuca, ao lado de um "umbral" que parece o bairro carioca do Rio das Pedras.
São ficções científicas ruins e cafonas que se servem a uma pregação religiosa moralista e punitivista, sob o verniz de um falso futurismo de apelo messiânico.
E aí vemos o quanto a toxicidade religiosa em nada ajuda, descumprindo a promessa de "união", "paz" e "fraternidade".
O fanatismo de Karina Bacchi a fez perder um casamento que poderia ter sido maravilhoso.
Nas religiões neopentecostais, também se nota a presença de gente reacionária que, em 2018, mergulhou firme no bolsonarismo.
A Legião da Boa Vontade, cuja "caridade" é um artifício para o culto à personalidade do líder José de Paiva Netto, está localizada a poucos metros da Cracolândia, aqui em São Paulo, e nada de assistir os viciados que precisam tanto de socorro.
É de se lamentar que, se o socorro vem, é geralmente sob o preço da conversão religiosa. Algo que, felizmente, não é o caso de Júlio Lancelotti, que está assistindo os miseráveis como cidadão e não um pregador religioso.
Mas o Espiritismo brasileiro se serve da positividade tóxica que força as pessoas a aceitar desgraças em troca de "uma vida melhor no outro mundo", um problema próprio do Cristianismo medieval descrito pelo sociólogo Jessé Souza.
Essa positividade tóxica fez a talentosíssima atriz Rita Guedes cometer um erro terrível que é de, poucos dias após se queixar da violência que matou a favelada Kathlen Romeu, ter publicado uma mensagem de um "médium" picareta e reacionário pedindo para "espalhar alegria onde passasse".
Espera-se que Rita tenha se arrependido da postagem e cancelado o "médium" que mais defendeu a ditadura militar e foi pioneiro da literatura fake.
Também fui admirador desse farsante religioso e hoje sinto vergonha dos tempos em que eu segui o Espiritismo brasileiro que, sabiamente, rompi há dez anos.
A obsessão pela fé que faz das redes sociais, eventualmente, um ambiente contaminado pela toxicidade religiosa, que não vê lugar nem hora para se manifestar, faz com que a atmosfera astral acabe ficando pesada, contrariando as crenças de tanta gente que acha que tudo isso traz "boas energias".
Cidades como Uberaba, em Minas Gerais, e São Gonçalo, no Rio de Janeiro, são extremamente violentas e altamente religiosas. Coincidência?
E vale lembrar que criticar essas religiões não é intolerância. Queixas neste sentido não podem servir de pretexto para proteger os abusos da fé e da mistificação.
A verdadeira intolerância religiosa atinge crenças ligadas às classes populares, como as religiões africanas e o Islamismo, e setores progressistas do Catolicismo e do Protestantismo.
Por outro lado, neopentecostais se acham vítimas de intolerância e são os que mais discriminam, ofendem e reprimem as outras crenças.
E os "espíritas", tão certinhos, espumam de raiva intolerante quando católicos como Alceu Amoroso Lima e Oscar Quevedo desmistificam as mediunidades fake do "médium de peruca", a ponto de Quevedo ser alvo de preconceito, ridicularizado por seu sotaque espanhol carregado?
É por isso que o Brasil vive num atraso preocupante, com este misticismo que deixa muita gente na zona de conforto e na busca, em vão, de uma pretensa salvação a partir de fantasias de cunho moralista e ocultista.
Com esse quadro, o Brasil dificilmente entrará no Primeiro Mundo, correndo mais o risco de sucumbir ao fundamentalismo religioso de "neopenteques", "espíritas" e outros mistificadores.
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