A periferia, para as elites intelectuais "provocativas", é uma grande fantasia. Uma espécie de Disneylândia com prédios com tijolos nus, ruas mal-asfaltadas, bares velhos, prostituição, comércio clandestino e idosos alcoólatras. Um suposto paraíso que não existe na vida real, mas que durante anos teve que ser aceito pela opinião pública como um quadro realista, sob a desculpa do "combate ao preconceito" (ver Esses Intelectuais Pertinentes...).
Vivendo em seus confortáveis apartamentos, os intelectuais "mais legais do Brasil", que se acham "mais povo do que o povo" e se julgam "pobrólogos" (supostos especialistas em povo pobre), ignoram a triste realidade nas favelas, que estão longe de representar de fato a visão idealizada que jornalistas culturais, cineastas e antropólogos badalados difundiram de maneira mais escancarada até cerca de dez anos atrás, que se reduziu devido à pressão dos questionamentos trazidos pelo meu antigo blogue Mingau de Aço.
As favelas vivem seu pesadelo distópico, suas tragédias constantes, e mais uma vez uma ação policial no Rio de Janeiro, motivada pelo suposto combate ao crime organizado, realizou um massacre que matou 25 pessoas. Quase todos os mortos eram acusados de suposto envolvimento com o tráfico de drogas, mas a violência atingiu também uma pessoa inocente, Gabrielle Ferreira da Cunha, de 41 anos, atingida por bala perdida.
A tragédia aconteceu no bairro da Vila Cruzeiro, na região da Penha. A tragédia já está sendo investigada pelo Ministério Público. Num contexto diferente, outro massacre havia ocorrido na escola fundamental Robb Elementary School, em Uvalde, Texas, EUA, quando um jovem de 18 anos matou 18 crianças e três adultos (já que não houve clareza, até a conclusão deste texto, que um dos mortos seja o próprio atirador), um incidente que também começou a ser investigado. Sabe-se que o atirador matou a avó antes da chacina e que sofreu valentonismo por ser gago.
Eu passei por perto em dezembro de 2021, quando revi o Rio de Janeiro. Notei que a região do Complexo do Alemão e arredores - como os entornos da Penha e a área do Parque União e do Fundão, próximo ao Aeroporto do Galeão - possuem uma estrutura suburbana caótica, desorganizada, e a miséria e a baixa qualidade de vida são gritantes.
Perdido na visão pragmática de "piorar agora para melhorar depois", os cariocas e fluminenses, que agora são oficialmente considerados em todo país como maus eleitores e internautas intolerantes (qualquer discordância é estímulo para o linchamento pelos "tribunais da Internet" e por blogues ofensivos), estão pagando o preço por essa visão que exterminou o antigo quase glamour de um Rio de Janeiro outrora moderno, culto, diversificado e alegre.
O crescimento das milícias e da contravenção são fatores desse pragmatismo, como supostas opções de segurança e empreendedorismo, por parte dos primeiros, e de loteria de ganhos facilitados, por parte dos segundos. Tudo isso acabou contribuindo, mais tarde, para um cenário de violência e desolação que acaba caindo nos mais fracos, como os muitos inocentes que vivem nos subúrbios e são dizimados por balas perdidas.
O Rio de Janeiro que, mais do que a Curitiba da Operação Lava-Jato, articulou o golpe político de 2016, a partir das eleições de Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro - eleitos sob a promessa pragmática da moralidade cristã - , sofre uma decadência tão grande que a capital fluminense deixou de ser um referencial sociocultural para o resto do Brasil.
É certo que o massacre de lugares como Vila Cruzeiro e Jacarezinho se insere num contexto nacional, em que a Cracolândia do centro de São Paulo e as violências regionais mostram o lado cruel da periferia "idealizada" pelos intelectuais "bacanas", quando o ufanismo das favelas sorridentemente descrito em reportagens, monografias e documentários torna-se, na verdade, pretexto para os pobres ficarem nas favelas para serem dizimados, aos poucos, pela truculência policial.
É triste ver que as classes populares - também alvos de massacres ocorridos em áreas rurais, como no Pará - sem ter proteção nem qualquer tipo de apoio. Ainda mais quando se tratam de classes que estão fora do circo encantado de uma classe média que monopoliza as narrativas e que quer um Brasil "desenvolvido" só para elas.
Afinal, as elites do atraso não querem se sacrificar com longas viagens de avião para visitarem ou fixarem residência em lugares frios e hostilizados pelos nativos na Europa e EUA. Essas elites, mesmo as de esquerda, querem que o Brasil crie réplicas dos pontos imponentes da França e de Mônaco, ou de Londres e Los Angeles, dentro do nosso país. Talvez para isso, segundo alguns indivíduos mais perversos dessas elites, seja necessária aquilo que julgam ser a "limpeza étnica", eufemismo para a lamentável violência que extermina tanta gente boa que vive nos redutos de pobreza em todo o país.
E o Rio de Janeiro tem que resolver sua trágica decadência, quando suas elites pragmáticas marcadas pela intolerância nas redes sociais agora paga o preço da gestão do ex-vice de Wilson Witzel, Cláudio Castro, que já tem nas costas, pelo menos, dois grandes massacres, o de Jacarezinho e o da Vila Cruzeiro, que contribuem para agravar ainda mais a imagem do Rio de Janeiro no resto do Brasil e do mundo.
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