Eu me surpreendi, negativamente, com a notícia de que Lula desistiu de isentar do Imposto de Renda os trabalhadores que ganham de R$ 2 mil a R$ 5 mil, ficando apenas isentos os que ganham abaixo de R$ 2 mil. Além disso, Lula avisou que irá aumentar a carga tributária, o que significa que os bolsos dos brasileiros vão ser raspados pelo petista.
Eu junto as peças do quebra-cabeça político e não vejo uma imagem boa sendo formada com a junção de peças. Acompanho o noticiário sobre Lula em várias fontes, tanto pelo Brasil 247 e Diário do Centro do Mundo quanto pelo Poder 360, pelo UOL, pelo G1, pelo Estadão e pelos portais Yahoo! Notícias e Terra, entre outros.
Não posso acreditar em fantasias. Esse aviso de Lula de que a carga tributária tem outro aspecto mais doloroso. O petista não irá cobrar impostos dos mais ricos. Essa constatação parece uma insanidade, se acreditarmos no mundo de contos de fadas que aposta no maniqueísmo fácil entre o lulismo e o bolsonarismo. Mas é uma realidade, e bastante dolorosa.
Eu me baseio num raciocínio lógico, parando para pensar e observar as coisas. Infelizmente, temos que deixar o pensamento desejoso de lado, até porque o golpe político de 2016 ocorreu ainda há pouco, pois, em termos de ciência política e lógica histórica, seis anos atrás são como se fossem há poucos minutos. Não dá para sair do inferno bolsonarista e entrar no Paraíso em questão de um dia de votação.
Não, Lula não vai cobrar impostos dos mais ricos. O grande empresariado e o setor financeiro vai continuar fora do Imposto de Renda. Isso é certo. Afinal, são essas elites que estão ajudando Lula a ser eleito, manipulando as supostas pesquisas de intenção de voto.
O BTG, banco de investimentos que tem em Paulo Guedes um dos fundadores, é um dos clientes que pedem "pesquisas" favoráveis a Lula na campanha presidencial. O mercado está em boa parte a favor de Lula, considerando aqui o "mercado" da direita moderada. Acompanho as notícias que demonstram que os empresários e os banqueiros estão "impressionados" com as falas de Lula.
Aí temos que ter cautela. O "mercado" passou a fazer voto de pobreza, em favor do Brasil? Não. Eu leio livros de História, e sei que a burguesia nacional não foi generosa em 1964 e não seria generosa hoje. Há até gente humanista entre o empresariado, sim, mas são raros. Considero, por exemplo, o cineasta Walter Salles, de Central do Brasil, ele mesmo herdeiro do Itaú e homônimo ao famoso pai e banqueiro, um sujeito humanista.
Mas não é qualquer um. Eu desconfio, por exemplo, da família Camargo dona da 89 FM, porque a emissora rebaixou o segmento rock para uma conduta tipicamente "Jovem Pan com guitarras", reduziu o público de rock a um tipinho reacionário e esquentadinho, o "roqueiro de direita", e agora o sócio João Camargo, da Esfera Brasil, sinaliza apoio a Lula no segundo turno da campanha presidencial. Esse apoio se dá por causa do povo miserável e faminto? Claro que não.
Lula conta com as elites para facilitar a conquista eleitoral. Os ricos lhe dão suporte para a propaganda e para a influência do petista em setores mais conservadores. Lembremos que Lula não pode acender a vela para dois lados. Para ele conquistar o apoio dos mais ricos e dos mais conservadores, ele tem que abrir mão de boa parte do seu projeto político. Lula pode negociar, mas negociação tem limites.
É impossível que, no diálogo da raposa com a galinha, a galinha sobreviva. É com essa lógica que Lula vai ter que isentar os mais ricos. Os ricos lhe fazem o favor de facilitar a vitória eleitoral. Por isso é que parte dos golpistas que derrubaram Dilma Rousseff, entre empresários, juristas, políticos e banqueiros, passaram a apoiar Lula. Mas isso não sai de graça, e Lula não vai agradecer fechando os olhos para as condições impostas para essa aliança.
Imagine alguém que recebe o favor de um indivíduo mais poderoso e que consegue atingir o objetivo desejado. Esse alguém que recebeu o favor de um poderoso não irá agradecer a ajuda cobrando dinheiro daquele que o ajudou. Seria uma desfeita, seria um ato de ingratidão.
Devemos nos lembrar que as ricas elites que apoiam Lula se empenharam, pouco tempo atrás, para o desmonte de direitos trabalhistas, para as privatizações, para a queda de qualidade de vida do povo brasileiro, mesmo sob o verniz da legalidade e da democracia. Não serão cinco ou seis anos depois que essas elites mudarão do lodo para o vinho e passarão a pensar "pelo povo brasileiro".
As elites não passaram a se encantar com promessas de fortalecimento do Estado, valorização das empresas públicas, recuperação dos direitos trabalhistas. Também não vão ficar felizes com o duplo fardo de, além de ajudar Lula a ser eleito, ainda ter que pagar por isso, raspando de suas fortunas uma parcela financeira considerável para abastecer os cofres públicos por meio do Imposto de Renda.
Nem mesmo a fácil recuperação do dinheiro perdido pelo rentismo irá convencer as elites. Elas não têm uma lógica generosa, as elites querem lucro e querem mais. Não suportam perder dinheiro para o Imposto de Renda, mesmo que possam recuperar, pelo rendimento financeiro, a grana perdida.
Quem é de classes sociais mais medianas - abaixo da classe média dos critérios de Jessé Souza - é que aceita a lógica de que o rendimento na conta corrente ou poupança pode compensar a perda de dinheiro gasto com um saque ou com alguma transferência de pagamento. Mas o rico empresário e o banqueiro não aguentam perder um dinheiro para o Imposto de Renda, porque, querendo mais dinheiro, se sentem constrangidos quando perdem dinheiro para não ganhar.
Seria muita ingenuidade acreditar que o empresariado e o setor financeiro que apoiarem Lula vai abrir mão de seus privilégios. Gente que defendeu o fim dos direitos sociais e trabalhistas não vai virar a casaca num prazo automático de cinco anos.
Além disso, Lula não poderá fazer a cobrança de impostos para os mais ricos, porque seria um desagrado àqueles que o ajudarem a ser eleito. Eu vejo duas condições para dar a impressão de que Lula não está permitindo a sonegação de impostos dos seus novos amigos.
Primeiro, estimulando os amigos do empresariado e do poder financeiro a investirem em filantropia, criando fundações que, sendo registradas como "instituições de caridade", não precisarão pagar impostos.
Segundo, se houver mesmo a tal cobrança de impostos, ela atingirá praticamente empresários bolsonaristas, como Luciano Hang, da rede de lojas de departamentos Havan, e Afrânio Barreira, da rede de restaurantes Coco Bambu. Hang, aliás, estava presente no comício de Jair Bolsonaro no Sete de Setembro último, em Brasília.
Fora isso, Lula não poderá agradecer e, ao mesmo tempo, cobrar pagamento dos que lhe ajudarem a ser eleito. E prestando muita atenção sobre os avisos de Lula de desistir da isenção de imposto para quem ganha entre R$ 2 mil e R$ 5 mil sob a desculpa de "evitar a concentração de renda", além do alerta do petista de que haverá aumento de carga tributária, sabemos que isso não atingirá grandes empresários e banqueiros, que permanecerão sob isenção fiscal ou disfarçarão esse privilégio através de ações filantrópicas.
Portanto, caros leitores. Para quem quiser votar 13 em 02 de outubro próximo, esteja à vontade e muito boa sorte na sua votação. Mas se lembre que, observando bem os avisos de Lula, será o brasileiro comum que ficará com o ônus da "festa da democracia", pagando uma conta muito cara que atingirá boa parte do pouco dinheiro suado em cada mês de trabalho. Um caro preço de quem acredita na ilusão de que o Lulão esquerdista será mais esquerdista mesmo com a rica direita moderada ao seu lado.
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