Pular para o conteúdo principal

POSITIVIDADE TÓXICA PODE COMPLICAR JORNALISMO INVESTIGATIVO


Sabe-se que o jornalismo investigativo é uma atividade praticamente em extinção no Brasil, numa época em que se substitui o teclado do computador pela flanela. Afinal, anda-se passando pano em muita coisa ruim, seja pelos interesses estratégicos, pela corrupção institucional, pelo medo do repórter em pôr em xeque certos dogmas ou paradigmas e até mesmo pelo fenômeno a ser investigado parecer algo tão "positivo" que não vale a pena averiguar a podridão que está por trás.

Num âmbito comercial, em que o jogo das aparências tenta desmentir a extinção de muita coisa boa, "jornalismo investigativo" é uma ideia bastante deturpada. O público médio, mesmo dentro das esquerdas identitárias, pensa que "jornalismo investigativo" é sinônimo de "jornalismo policialesco", sem perceber que essas duas ideias são antônimas, pois nunca o jornalismo policialesco foi muito mais juízo de valor do que investigação.

Já vi gente de esquerda achando que o Cidade Alerta da Rede Record era "jornalismo investigativo", assim como vi essa mesma burrice atribuir o jornal Meia Hora como similar à Última Hora ou Pasquim. Não é. Pasquim não tinha o apelo popularesco do jornal Meia Hora, vale lembrar. Já a Última Hora era um jornal popular de esquerda até o fim dos anos 1960. Depois virou fantoche da Folha de São Paulo, que comprou de Samuel Wainer a marca para depois dar cabo nela.

Foi nessa fase da Última Hora como marionete de Octavio Frias de Oliveira que veio a passagem de pano em um suposto "médium espírita", aquele mesmo de Uberaba, que usava peruca e fazia psicografakes como um pretenso "lápis de Deus". O "médium" era um defensor radical da ditadura militar, a ponto de, prestem atenção, receber homenagens cerimoniosas da Escola Superior de Guerra (logo o "médium", que muitos acreditam ser "símbolo de paz"), em 1972. E sabe o que disse uma matéria da Última Hora na época? Que o "médium" foi apoiar a ditadura militar por "estratégia", para evitar ser preso.

Balela. O "médium" era um reacionário tão radical que faz Silas Malafaia parecer um lulista dócil e meigo. Além disso, deixemos de burrice: ninguém homenageia uma pessoa a força e ninguém é homenageado a contragosto. Se o "bondoso médium" recebeu homenagens, com palestras na ESG e concessão de prêmios, é porque o "médium", queiram ou não queiram os seus seguidores, colaborou, sim, com a ditadura militar, mais do que Cabo Anselmo e muito mais do que acusaram Wilson Simonal de fazer.

Essas hipóteses não são oficialmente consideradas, não por não indicarem a verdade dos fatos, mas pela má vontade da sociedade em investigar um ídolo religioso, supostamente antítese dos "malvados neopenteques", e dentro de um contexto de "higienização religiosa" da qual há a simbólica expurgação de maus pastores, associados ao bolsonarismo e à pregação do ódio em claro idioma hidrofobês.

A época de positividade tóxica em que vivemos, movida por uma classe média ansiosa em ver Lula levando o Brasil para o Primeiro Mundo e promovendo o nosso país a sucursal do Paraíso na Terra, não é necessariamente pelas ideias progressistas que certos valores supostamente positivos são valorizados. 

Neste clima de descaso ou permissividade de valores rotulado de "democracia" - palavra solta que permite que conceitos vagos sejam aceitos sem críticas, como uma política neoliberal oculta no programa de Lula - , há muita gente conservadora que não fala hidrofobês e recebe de graça o carimbo da "esquerda".

E aí os jornalistas investigativos não investigam. Já houve um, bem famoso, Saulo Gomes, que ao se tornar amigo do tal "médium da peruca", jogou fora a vocação investigativa e passou a falar do "médium" escrevendo com a flanela, numa passagem de pano bem chapa branca, mesmo. Como se explorar um mito "humano" por trás do mito religioso fosse desvendar a pessoa por trás do mito, quando na verdade é apenas explorar um mito por trás de outro mito.

Temos muitos problemas a serem investigados, como por exemplo a atuação da intelectualidade "bacana" pela bregalização cultural, gourmetizada pelo discurso do "combate ao preconceito". Mas temos forças sociais que vivem em promiscuidade, num processo em que as pessoas precisam ficar caladas para que o tal "progresso econômico" se realize plenamente.

É como se, numa turma escolar, um monte de alunos planeje passar pela prova final fazendo cola. Todos combinam essa cola e quem não participar que, ao menos, se cale e não denuncie nem questione tal desonestidade. Tudo para que toda a turma seja aprovada, assim de graça. 

No jornalismo, a investigação é deixada de lado, o que já ocorre por pressões empresariais, mas agora será para não ferir o "espírito" da "recuperação democrática" de nosso país. O que houver de errado se esconde no tapete. Todo o silêncio é recomendado, pois a complacência agrega, com a tentação de que o silêncio garante um "progresso" qualquer nota para nosso país infantilizado brincar de ser a "Escandinávia dos trópicos".

No Brasil de Lula, a "democracia" vira uma desculpa para botar tudo debaixo do tapete. No caso do passado sombrio de Geraldo Alckmin, não se dá um pio, se deixa levar por essa estranha escola de Lula para a Vice-Presidência da República e o pessoal leva a vida adiante, indo tomar sua cervejinha em fim de noite.

Como agora o "mal" está personificado e representado apenas pela seleta turminha hidrófoba do bolsonarismo, então não há como estimular a investigação jornalística. Agora só será investigado, contestado e repudiado quem fala hidrofobês. O reacionário que controla seus impulsos, embora fosse tão segregador quanto Bolsonaro, se fala macio, é simpático e evita disparar um comentário ou fazer uma atitude associados à intolerância social, pode se passar por "progressista" ou, ao menos, "democrático".

Basta sorrir, apertar as mãos dos outros, ser simpático, falar calminho. Esconder o Bolsonaro dentro de si e dar bom dia para Lula abraçando-o como um irmão querido. E a nossa imprensa passa a ser panfletária, mas positiva, até cumprindo a tarefa de transmitir informações de maneira honesta, mas sem prioridade.

Afinal, nesses tempos de positividade tóxica, é mais "democrático" mentir de vez em quando, como se essa nova fase do Brasil permitisse a reconciliação de tudo, até entre verdade e mentira. Desde que a mentira não esteja a serviço de Bolsonaro e não apresente um discurso de raiva nem opiniões segregatórias.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document