Nesses tempos de positividade tóxica em que a Fé se acha com mais razão do que a Razão, daí o fato de que o senso crítico já não é mais socialmente aceito no Brasil, a religiosidade desses novos tempos inspira casos de muito surrealismo.
Não se fala dos neopentecostais, a vidraça predileta da "boa sociedade", essa "elite do atraso" agora convertida numa classe "legal", que julga ter a verdade na palma da mão e acha que pode mandar no mundo. Uma classe média festiva, que joga comida fora nos restaurantes mas quer Lula eleito na marra sob o pretexto de "combater a fome dos brasileiros".
Fala-se do Espiritismo brasileiro, que é a crença da vez, como os neopentecostais nos anos 1990, quando agiam com coitadismo ao mesmo tempo triunfalista, se proclamando uma alternativa de "salvação" moral e espiritual. Os neopentecostais foram os "espíritas" da Era FHC, os "espíritas" agora são os neopentecostais da era pós-Bolsonaro.
Não sou intolerante religioso, sou intolerante à mentira que se esconde sob o manto da fé. Respeito e reconheço o valor de religiões mais tradicionais, como o Catolicismo, o Protestantismo clássico - como a Igreja Batista - , o Islamismo, as crenças hindus, as religiões afro-brasileiras, as crenças místicas das tribos indígenas. Além de suas crenças serem de grande valor para seus seguidores, essas religiões vêm também com legados culturais muito bonitos.
Não sou religioso, já fui "espírita" durante 28 anos, e infelizmente Espiritismo brasileiro e neopentecostalismo estão entre as farsas que se escondem no manto da fé para se blindarem e usarem a desculpa da "intolerância religiosa" como carteirada no momento em que forem combatidas ou contestadas.
Essas duas religiões, uma usurpando o Protestantismo com os modernos "vendilhões do templo" com camisa de colarinho e fala agressiva, outra empastelando o legado de Allan Kardec rebaixando-o a um Catolicismo medieval de botox a serviço de modernos "falsos profetas", se ascenderam na ditadura militar para combater a Teologia da Libertação de setores progressistas do Catolicismo, que estavam denunciando no exterior os crimes contra os direitos humanos dos militares brasileiros.
É claro que, como o bolsonarismo está caindo - embora sempre esteja preparado para reagir em defensiva, infelizmente - , a simbologia sociocultural busca mudanças relativas. Na música, os "sertanejos" estão aos poucos dando lugar ao "pagode romântico". Na religião, os neopentecostais saem de cena para entrarem os "espíritas" e seu profetismo farsante de psicografakes de "médiuns" que alimentam uma filantropia tão fajuta quanto a de Luciano Huck.
E aí vemos o quanto de surrealismo se desenvolve numa religião que trai Allan Kardec setenta vezes sete vezes mais do que Judas Iscariotes traindo Jesus Cristo, que defende dogmas que fazem mais sentido no Século XII mas, mesmo assim, se julga dona do futuro da humanidade da Terra.
Já temos de surreal a moda das moças "espiritualizadas" celibatárias, um fenômeno estranho que atinge mulheres outrora namoradeiras e casadeiras que passam a cultuar os tais "médiuns", e isso num contexto em que, lá fora, várias estrelas teen são hoje senhoras bem casadas. Existem atrizes que emendavam namoros e casamentos de forma quase ininterrupta e hoje se acham "encalhadas" depois de apreciar um "médium espírita".
Isso diz muito na síndrome do impostor que atinge muitas mulheres brasileiras bonitas - algumas com a beleza de "princesas da Disney" - que passam a se envolver com o Espiritismo brasileiro, mesmo indiretamente, agora inseguras na busca amorosa da qual pouco antes lhes era fácil, quando podiam ter namorados ou maridos de considerável status social. É uma coisa estranha, inexplicável, até porque essas mulheres são amigas de muitas outras casadas, e no entanto passaram a "segurar vela" talvez por achar que isso é "toda luz".
Temos mais coisas de fazer o cinema de Luís Buñuel parecer mais pé-no-chão. É o fato de muitos seguidores do Espiritismo brasileiro apreciarem coisas, atitudes e posturas que a religião, por trás de sua máscara de modernidade, reprova severamente, apesar de todo aquele papo de "livre arbítrio".
Pois o Espiritismo brasileiro, com as traves nos olhos, é bem mais conservador do que demonstram os argueiros dos olhos dos "neopenteques". Perto dos "médiuns espíritas", Silas Malafaia parece um punk trotskista dos mais arrojados.
Temos radialista que já fez programa de rock pesado cultuando o tal "médium da peruca", que considerava o gênero musical uma expressão de baixeza espiritual. O máximo de "rock" que o tal "médium" adorava era o cantor Roberto Carlos, e mesmo assim na fase romântica blasé pós-1976.
Temos gente LGBTQIA+ que cultua o mesmo "médium", se esquecendo que seu ídolo religioso era homofóbico, pois atribuía tais opções sexuais, como por exemplo o instinto homoafetivo e as cirurgias transgênero, como frutos da "confusão mental" dos espíritos reencarnados. Antes de ser causa dos "neopenteques", a "cura gay" foi uma causa "espírita" defendida lá nos cafundós de Uberaba.
Há famosas que fazem topless na praia da Barra da Tijuca, que fazem fotos sensuais, que até são atraentes, como as "espiritualizadas" acima citadas. E também são tão "espiritualizadas" quanto, se lembrando de "médiuns" em postagens nas redes sociais, mostrando as beatas caretas que estão por trás de lindas beldades que passeiam de top e calças jeans justas. O Espiritismo brasileiro, no entanto, é contra o sensualismo, associado a "desvios comportamentais contrários à espiritualidade".
Há gente de esquerda e gente que é de esquerda mesmo criticando as esquerdas que aprecia o "médium da peruca", passando pano nele a ponto de classificá-lo erroneamente como "comunista" (?!) ou definir suas psicografakes como "científicas", como o constrangedor "Nosso Lar" e similares, que não passam de ficção barata plagiada da literatura britânica e, de forma ainda pedante, dos livros didáticos científicos.
Só que os "médiuns" são gente de direita, e o "médium da peruca", o maior ídolo deles, o suposto "lápis de Deus" que recebe não só admiração fanática de seus seguidores como umas boas passagens de pano em seus defeitos, foi um dos maiores direitistas de toda a História do Brasil, apoiando a ditadura militar na pior fase e recebendo prêmios da Escola Superior de Guerra.
Quem acha que o tal "médium da peruca" era "comunista" porque carregava criança pobre no colo e prometia a paz mundial deveria prestar muita atenção no famoso programa da TV Tupi que o entrevistou em 1971, no qual o "médium", com uma hidrofobia que hoje seria típica de um bolsonarista, pedia para os brasileiros apoiarem os militares. Hoje um "médium" baiano é denunciado como bolsonarista, mas o "médium" de Uberaba, falecido há 20 anos, seria sem dúvida um bolsonarista ainda mais radical.
Pessoas assim acabam sofrendo azar, porque a sintonia sempre entra em processo de "ruído" - termo que, na Comunicação, significa perturbação no processo de transmissão de uma mensagem - , pois os admiradores do tal "médium da peruca" gostam de coisas que este ídolo rejeitaria com veemência, como rock, sensualidade, esquerdismo e causa LGBTQIA+.
Esses admiradores acabam se comportando como aquele loser da escola que é apaixonado pela chefe de torcida que odeia o rapaz. É aquela síndrome da paixão persistente mas que nunca é correspondida, e isso acaba pegando mal nesses religiosos praticantes ou não praticantes, mas que sempre recorrem a uma mensagem medieval de "médiuns" para "alegrar o dia". Só que essa "alegria" acaba causando mal a esses confusos devotos da falsa sabedoria dessa fé irracional.
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