Quem pensa fragmentado acha qualquer coisa estranha ou absurda bastante natural. Sua logística de cacos de vidro acaba deixando de questionar fatos que, unidos, mostram contradições ou estranhezas. É o que se vê na visita de Lula ao Departamento de Estado dos EUA, a ocorrer hoje.
Aparentemente, é um acordo de parceria com os EUA, uma política da boa vizinhança contemporânea, voltada a assuntos como meio-ambiente - em especial a Amazônia, cuja biodiversidade é cobiçada pelo mercado estadunidense - , democracia e garantia de que as urnas eletrônicas não serão sabotadas por algum bolsonarista ou coisa parecida, e que as votações garantam em clima de absoluta segurança e transparência.
Supostamente, é uma reunião de negociação. Lula, junto ao diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o ex-governador da Bahia, Jacques Wagner, irão se reunir com representantes do governo dos EUA num encontro reservado, primeiramente em Washington. É intenção de haver um outro encontro no Brasil, na sede do Instituto Lula, aqui em São Paulo.
A embaixada dos EUA no Brasil enviou um comunicado para a rede noticiosa CNN:
"Como prática, diplomatas norte-americanos da Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil se reúnem regularmente, de forma privada, com partidos políticos e candidatos. Vemos como uma valiosa oportunidade para o governo dos EUA ouvir as perspectivas sobre eventos atuais e opiniões políticas sobre questões de interesse mútuo. Nós planejamos continuar com este esforço para encontrar com todos os principais candidatos presidenciais das eleições de outubro".
A princípio, as reuniões são feitas com os diversos candidatos à presidência do Brasil, a respeito de agendas como meio-ambiente e democracia. Mas até que ponto os EUA querem tanto consultar os presidenciáveis brasileiros?
E a ênfase de Lula em fazer acordos com os EUA, supostamente, a considerar a visão dos adeptos do petista, para o favorito na corrida presidencial brasileira convencer o presidente estadunidense Joe Biden a aceitar pautas progressistas feitas "para o bem da democracia".
Eu encaro isso com um certo ceticismo, afinal a direita moderada e neoliberal está fingindo aceitar pautas progressistas mais ousadas. Aparentemente, Washington está aceitando a formação de governos que, em tese, são de esquerda na América Latina, uma estranha tolerância se soubermos que historicamente os EUA sempre foram hostis a governos esquerdistas latino-americanos. O próprio Brasil sentiu esse peso com Getúlio Vargas, João Goulart e Dilma Rousseff.
Lula tem a mais estranha campanha presidencial. Ele quer impor sua vitória, e isso ele já demonstrou antes da campanha propriamente dita começar. Jurando querer recuperar a democracia, Lula atropela o processo democrático se vendendo como o "candidato único" a enfrentar Jair Bolsonaro.
Há falta de autocrítica, mas em contrapartida, um clima de "já ganhou" completamente alucinado, temperado tanto pelos apoios recentes de Marina Silva e Henrique Meirelles quando pelas supostas pesquisas eleitorais do Ipec e a esperada "pesquisa final" do Datafolha.
Com tudo isso, Lula era para ser um dos mais decepcionantes políticos do país, não fosse sua capacidade de jogar panos quentes nos seus erros, explorando emocionalmente o eleitorado, a ponto de criar um clima de euforia e histeria, do qual os lulistas criticam dos outros, mas não de si próprios. Lula critica o clima de "já ganhou" dos outros, mas se esquece de que ele mesmo vive esse clima, tentando a todo custo afastar os concorrentes. A democracia não ganha com isso, ela perde. E perde feio.
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