SE LEONEL BRIZOLA SE IRRITOU COM A "SOLUÇÃO" PARLAMENTARISTA PARA JOÃO GOULART, EM 1961, ELE FICARIA IGUALMENTE REVOLTADO COM LULA SENDO CASTRADO POLITICAMENTE PELO NEOLIBERALISMO DE GERALDO ALCKMIN.
Infelizmente, existe um cacoete muito comum no Brasil, que é o das pessoas manipularem os mortos conforme seu bel prazer. O morto vira uma massa de modelar, qualquer um trabalha a imagem do morto conforme seus próprios interesses, como se o falecido tivesse se transformado num personagem de ficção, a estar associado a posturas e atitudes que a finada pessoa, se estivesse viva, nunca faria em momento algum.
Este é o Brasil dos chamados "médiuns espíritas", estes os "donos dos mortos" que produzem mensagens fake vergonhosamente fraudulentas, das quais o caso Humberto de Campos foi o caso mais famoso. Morto em 1934, com apenas 48 anos, Humberto de Campos passou a emprestar seu nome para obras que destoam de seu estilo e de sua personalidade, num procedimento que o Espiritismo brasileiro passou a fazer e que Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, rejeitava severamente: o uso de nomes ilustres para enfeitar obras de pura mistificação.
O próprio "médium" que usurpou Humberto de Campos, um charlatão da pior espécie, reacionário e tão "caridoso" quanto Luciano Huck - uma "caridade" que ninguém tem provas, mas que é vista como "verdade absoluta" por mentes cegas e fanáticas - , também foi moldado ao sabor de parte das esquerdas, que incluíram o religioso de Minas Gerais na galeria dos "brinquedos culturais" da direita, demonstrando a vocação das esquerdas médias em aceitar uma direita reacionária, desde que evitasse o hidrofobês, o idioma da raiva explícita.
Afinal, as esquerdas médias no Brasil gostam da direita reacionária, excludente e obscurantista, desde que seja uma direita que não rosna, que não xinga, que pareça gentil, ainda que trate o povo pobre como se fosse um bando de miquinhos de realejo, em claro e perigoso racismo. A direita pode defender o prejuízo alheio, desde que trabalhe um discurso suave, simpático, e prometa ao sofredor que suportar calado suas piores desgraças alguma luz no fim do longuíssimo túnel, ainda que uma luz fraca.
E se temos os "médiuns" que se acham "donos dos mortos", e temos uma esquerda que trata "médiuns" reacionários como se fossem "progressistas de esquerda", também manipulando a imagem desses religiosos em prol do pensamento desejoso dos esquerdistas - que querem ter para si a direita que evita falar o hidrofobês - , então faz sentido que alguns adeptos de Leonel Brizola se achem donos do pensamento dele, tratando o inesquecível líder gaúcho como se fosse um boneco de marionetes.
Um grupo de aparentes brizolistas rompeu com Ciro Gomes, que é o candidato do PDT à Presidência da República. Esse grupo decidiu apoiar Lula, sob a desculpa de que Leonel Brizola iria apoiar Lula na atual campanha presidencial, o que é uma gigantesca incoerência. São pedetistas que se acham "donos" do legado de Brizola, só porque tiveram algum contato com o grande líder gaúcho que comandou a Rede da Legalidade, campanha para assegura a posse de João Goulart em 1961, após a crise da renúncia de Jânio Quadros.
Sim, Brizola e Lula tiveram momentos de pura afinidade, em 1998 compartilharam uma chapa presidencial, com o gaúcho como vice, e estabeleceram alianças históricas em várias ocasiões. Isso tudo são fatos que não se discute. Mas em outros momentos, Lula e Brizola tiveram divergências e atritos, e num desses momentos Brizola chamava Lula de "sapo barbudo".
Lula está adotando um comportamento estranho, se aliando com a direita neoliberal, sacrificando o seu projeto político, se aproximando com forças conservadoras. Sua escolha em ter Geraldo Alckmin como vice em sua chapa lembra a antiga dobradinha do presidente João Goulart e do primeiro-ministro Tancredo Neves, numa pretensa solução parlamentarista sugerida por outro político gaúcho, Raul Pilla, do Partido Libertador (um PL sem relação com o atual), em 1961.
Brizola ficou furioso com a "solução" parlamentarista e achou que sua campanha pela legalidade foi um fracasso, apesar do grande apoio popular. Ele entendeu o parlamentarismo como um meio de frear o projeto progressista de Jango. Se vivo estivesse, Brizola também se indignaria com Lula sendo castrado politicamente por Geraldo Alckmin, do qual Tancredo Neves é seu ancestral político.
Alckmin é um neoliberal incorrigível, e sua suposta mudança para o PSB não foi convincente. Os discursos de Alckmin são sem graça, previsíveis e com eventuais gracinhas forçadas - como chamar Jair Bolsonaro de "tchutchuca" - e o bordão "um bom governo não se faz com motociata, mas dialogando e ouvindo as pessoas que mostram um ex-tucano que não está à vontade como um dublê de político progressista.
Lula, ao afirmar que Geraldo Alckmin irá governar junto, não como um vice-presidente decorativo, mas como um co-presidente, a ponto de ser um dos co-autores do programa de governo do petista, assumiu a renúncia de muitos pontos da pauta esquerdista, fazendo com que o candidato do PT, na prática, seja um político neoliberal com viés assistencialista, castrado pelo freio de mão do vice que governou São Paulo sob o receituário do neoliberalismo mais neurótico.
A própria decisão de Lula de não reverter privatizações é própria da personalidade conciliadora do petista, que prefere conversar com acionistas privados do que tirar a ex-estatal de suas mãos. Muitos lulistas vieram com a narrativa de que o presidenciável iria reestatizar a Eletrobras, mas sabemos que isso não faz parte da índole do petista. Lula apenas não vai privatizar o que existe de estatal, ele manterá as empresas públicas existentes, só não vai recuperar as que deixaram de existir.
Isso já afasta o apoio de Leonel Brizola, que é de reverter privatizações. Brizola estaria indignado com o Lula se aproximando dos neoliberais, da "Faria Lima", enquanto as ideias do petista no âmbito do trabalhismo são superficiais, vagas, brandas e pouco benéficas para o povo pobre.
Claro que Lula quer se vender como um produto eleitoral, como um produto do marketing político. Daí que Lula promete até mesmo descobrir a origem do universo, tudo para causar impressão no eleitorado e poder ganhar as eleições no primeiro turno.
Por isso Lula tem que parecer que não ficou domesticado pelas alianças conservadoras que realizou para facilitar o aumento de votos. Lula tem que parecer com o antigo sindicalista que, na prática, virou coisa do passado de maneira tristemente irreversível. Por isso, nos discursos com o povo em geral, Lula tem que imitar o antigo sindicalista, mais parecendo uma paródia, mas com habilidade suficiente para o povo se iludir e pensar que o "Lulão dos sindicatos" continua firme e forte.
Lula se tornou um grande pelego, está mais próximo das elites empresariais e do setor financeiro do que dos trabalhadores, que em maioria também não vão votar 13 em 02 de outubro. Há muito o proletariado se decepcionou com Lula e poucos irão apelar para o "voto útil".
Lula está mais próximo da classe média que, apesar do conforto considerável, se julga "dona dos pobres", daí a vexaminosa campanha do "combate ao preconceito" da bregalização. Essa elite festiva e identitária se acha na arrogância de julgar o que pensa, quer e deve fazer o povo pobre, daí a defesa obsessiva dos fenômenos popularescos como suposto patrimônio das classes pobres.
E aí vemos o quanto as elites se julgam donas do povo, dos pobres, dos mortos, querendo impor narrativas fora da realidade só porque lhes parecem as mais agradáveis, além de fabricar pretenso consenso social e deixar a maioria das pessoas tranquilas, compartilhando felizes uma ilusão conceitual, uma ficção social que mostra as pessoas não como elas são ou eram, mas como essas elites de considerável poder aquisitivo gostariam que fosse. Vivemos a ditadura do pensamento desejoso, da fantasia que se julga mais realista que a realidade.
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