É de causar aborrecimento a polarização entre Lula e Jair Bolsonaro na corrida presidencial, provocando uma sensação de profundo tédio por conta de uma corrida presidencial com apenas dois candidatos, diante dos demais que são rebaixados a figuras decorativas.
Numa época em que o mundo perde a rainha Elizabeth II da Inglaterra e faz seu filho Charles se tornar o Rei Charles II, o Brasil vira-lata tenta imitar os Estados Unidos da América na polarização tupiniquim da corrida presidencial. Com Jair Bolsonaro nefasto mas estratégico e Lula badalado mas errando demais em sua campanha.
E para quem acha que o Lulão dos sindicatos está aí para revolucionar o Brasil, devemos lembrar aos desavisados que o petista já deixou para trás uma considerável e valiosa parte de seu projeto político. As prometidas revogações da reforma trabalhista e do teto de gastos serão parciais. O salário terá reajustes ínfimos, de cerca de R$ 120 anuais. Pobres receberão medidas paliativas como Bolsa Família e Auxílio Emergencial. A classe trabalhadora vai penar no Imposto de Renda.
Além disso, para quem acha que o espírito de Leonel Brizola ilumina Lula como se fosse um santo protetor, se engana completamente. Até porque o PT avisou que Lula não vai revogar as privatizações da Eletrobras e da BR Distribuidora, se contentando em negociar com os acionistas privados sobre a Parceria Público-Privada (PPP). A justificativa é que o problema da privatização "não está em quem comprou, mas em quem vendeu".
E quem acha que Lula será o pacificador, também se engana por completo. Lula quer pacificar, é verdade, mas o sentido de um ato não está na intenção, mas nos efeitos de sua prática. E, infelizmente, Lula causa mais conflitos do que pacificação. Vide o antipetismo que, no contexto bolsonarista, já provocou sua segunda violência fatal.
Em Confresa, no Mato Grosso, não muito distante de Foz do Iguaçu, onde ocorreu o primeiro homicídio feito por um bolsonarista contra um petista, outro crime ocorreu no dia 08 último, quando, numa discussão política, Rafael de Oliveira, de 24 anos, matou a facadas Benedito Cardoso dos Santos, 44. Os dois eram colegas de trabalho. Rafael, antes de ser preso, tentou decapitar a vítima e filmar o corpo, talvez para fazer uma postagem triunfalista para amigos bolsonaristas.
Já em São Gonçalo, durante uma visita de Lula a entidades evangélicas, um bolsonarista que foi protestar no evento, Rodrigo Duarte, que foi candidato a vereador em 2020 pelo PRTB, levou uma surra de petistas e saiu do local sangrando. Na véspera Rodrigo havia avisado que iria protestar e, quando realizou a promessa, estava com vários adereços antipetistas e pró-Bolsonaro, inclusive com adesivo do deputado federal niteroiense apoiador e colega de partido do presidente (PL), Carlos Jordy.
São ocorrências que poderão ficar cada vez mais comuns, mesmo sob Lula no poder. Mas já na corrida presidencial isso mostra que a polarização entre Lula e Bolsonaro, além de ser entediante, chata e completamente inútil, ainda é altamente perigosa e preocupante, gerando aflição.
São atos lamentáveis, polêmicos, e mostram o quanto Lula, que deveria ter se aposentado da vida política, está se arriscando demais com 77 anos de idade. Lula cometeu erros, está abrindo mão de suas promessas antigas e só vai realizar projetos sociais dentro dos limites de um neoliberalismo difícil de ser flexível. Tanto que quem vai pagar o grosso da carga tributária são os trabalhadores, Lula não vai cometer a ingratidão de cobrar impostos aos ricos empresários que lhe ajudarem a ser eleito.
A polarização empobrece o debate político, e transforma a corrida eleitoral numa "democracia de cabresto" por parte de Lula, um irritante processo de imposição de voto, sob as desculpas de "voto plebiscitário" que, mais uma vez, jogam o verdadeiro processo democrático no lixo. Vide as eleições indiretas que fizeram o movimento Diretas Já de 1984 virar um grande fiasco.
Antes o PT tivesse escolhido Fernando Haddad para a corrida presidencial. Ou mesmo Dilma Rousseff, mais prudente que o Lula. O ex-operário mergulhou numa aventura política que se transformará num tsunami, pois a crise não vai ser uma marolinha.
Lula vai enfrentar pressões políticas infinitamente maiores do que as que Getúlio Vargas enfrentou entre 1951 e 1954. Vargas contava com a oposição de Carlos Lacerda, político que agia dentro de seus espaços limitados, como a mídia, o palanque político e a redação da Tribuna da Imprensa. Por muito menos, Vargas se suicidou, depois que um segurança tentou matar Lacerda, mas acertou fatalmente num major da Aeronáutica que escoltava o opositor do então presidente.
Hoje o que vemos são bolsonaristas cujo palco é sem limites. Pode ser qualquer lugar na rua, em qualquer horário. Mas pode também ser a oposição nas redes sociais do próprio Bolsonaro e seus parceiros. E como não há coisa ruim que não possa ficar pior, Lula ainda terá que enfrentar divergências políticas internas profundas, que lhe impedirão de ultrapassar os limites que a direita moderada impôs ao projeto progressista do petista.
Devemos parar de sonhar. A situação está complicada. E Lula, com 77 anos, independente de se achar com a "energia de um menino" ou a "força de um touro" ou não - se bem que o petista está visivelmente envelhecido, mais do que sua idade poderia sugerir - , não tem força suficiente para enfrentar as pressões políticas contra si, que serão intensas demais para a capacidade e a habilidade de um idoso da idade dele.
Tempos ainda mais difíceis e imprevisíveis virão para o Brasil. Espero ficar longe desse cenário turbulento, de crises se agravando, de todo um projeto de um "país feliz" se dissolver pelos conflitos que estarão em jogo, não apenas na entediante e chata polarização entre Lula e Bolsonaro, mas também nos conflitos internos que impedirão Lula de ousar.
Afinal, temos que ser realistas. A direita moderada não passou a apoiar Lula por causa "do povo brasileiro". Se existe este apoio, é porque Lula assumiu compromissos de um projeto mais moderado que se se pode imaginar. Quem acha que Lula fará um governo "mais à esquerda" tendo aliados mais à direita está delirando e vivendo fora da realidade.
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