A RELIGIOSIDADE ANTIQUADA QUE BLINDA ABUSADORES COMO O ATOR DANNY MASTERSON É A MESMA DEFENDIDA NO BRASIL POR ESTRELAS DA TV COMO LAVÍNIA VLASAK.
O Brasil quer se tornar potência de Primeiro Mundo mesmo tendo um quadro sociocultural extremamente atrasado. Com visão própria de um turista, o brasileiro médio imagina que, para se tornar um país desenvolvido, basta arrumar as cidades transformando-as em paisagens de consumo, estimular o consumo de bens e serviços, caprichar no entretenimento e injetar tecnologia quase de ponta, ou seja, aquela tecnologia que era recente nos EUA e, substituída lá por uma nova, é lançada como "novidade" no Brasil.
A velha religiosidade medieval, que mantém na sociedade brasileira valores dogmáticos - como o moralismo punitivista e o assistencialismo paternalista da caridade meramente paliativa, que diminui a dor da pobreza sem acabar com a mesma - , tenta persistir através da propaganda de estrelas de televisão brasileira relativamente jovens, que se projetaram em seriados e novelas dos anos 1990 e 2000.
Recentemente, a atriz da novela O Rei do Gado, da Rede Globo, Lavinia Vlasak, publicou no seu perfil no Instagram uma mensagem da reacionária beata albanesa Madre Teresa de Calcutá, acusada de maus tratos contra seus assistidos na famosa cidade da Índia que tornou-se seu sobrenome religioso. Tida como suposto símbolo de bondade humana, Madre Teresa virou santa por conta de uma armação, uma intoxicação alimentar de um engenheiro paulista creditada falsamente como um câncer terminal.
Madre Teresa simboliza uma religiosidade retrógrada, medieval, que por conta de seu aparato de suavidade e o evitamento do discurso raivoso que marca religiões como as chamadas evangélicas neopentecostais. Apesar do ultraconservadorismo que essa religiosidade retrógrada, manifesta pela Teologia do Sofrimento, representa explicitamente, ela é erroneamente tida como "progressista" porque, em seu discurso, defende a desgraça humana como "caminho mais rápido para as bênçãos infinitas".
As esquerdas se enganaram e ainda se enganam com essa religiosidade marcada por um moralismo demasiado austero, que defende a submissão extrema da pessoa, o sofrimento excessivo sem queixas e a renúncia até do que é necessário e fundamental em suas vidas. Tudo porque o discurso é suave, de palavras melífluas, que para manter suas mentiras dogmáticas em prol do moralismo punitivo, apela para o não-questionamento com falácias dóceis do tipo "é preciso pensar com o coração".
O Catolicismo medieval de Madre Teresa de Calcutá não é o único que defende esse moralismo medieval. O Espiritismo brasileiro, a franchising de dissidentes católicos medievais descontentes com os rumos da Igreja Católica no Segundo Império, atua aqui divorciado do racionalismo de Allan Kardec, substituído por uma "catolicização" com ideias do Século XII que já valiam no Brasil do período colonial.
Astros de televisão, desde a TV Tupi nos anos 1950, fazem um lobby para promover o Espiritismo brasileiro, exaltando um "médium" charlatão de Uberaba, ainda visto como "símbolo da caridade", à maneira de Madre Teresa, ambos representando um paradigma de suposta caridade não diferente da precária distribuição de donativos que qualquer programa chinfrim de TV faria, como recentemente faz Luciano Huck, por exemplo.
Recentemente, a atriz Rita Guedes publicou uma mensagem do "médium" charlatão - famoso por usurpar o legado do escritor Humberto de Campos e de assediar o filho homônimo da vítima para abafar processos judiciais - , dizendo para as pessoas "sempre mostrarem um sinal de alegria onde passem". Detalhe: Rita havia publicado, dois dias antes, um protesto contra o assassinato covarde da jovem negra Kathlen Romeu, no Rio de Janeiro, durante uma ação policial. Teríamos que "mostrar um sinal de alegria" também para o viúvo, os familiares e amigos que perderam a jovem?
Outro caso irônico foi o de Regiane Alves, atriz que havia participado de um filme biográfico de um suposto "médium" de Salvador, recentemente conhecido por posições reacionárias (ele divulgou um estranho composto alimentar, a "farinata", acusou refugiados africanos mortos em naufrágios de terem sido "tiranos" em vidas passadas e, supostamente pacifista, apoiou os ataques de Oito de Janeiro em Brasília) e pelo apoio a Jair Bolsonaro. Regiane faz uma personagem lésbica em Vai na Fé, novela da Rede Globo, enquanto o "médium" do filme biográfico se manifestou radicalmente homofóbico.
Vários atores e atrizes fizeram filmes "espíritas" e católicos-conservadores, como meio de estimular a opinião pública a se subordinar a essa mística medieval, marcada por dramalhões antiquados que parecem confinados em alguma sociedade provinciana do começo dos anos 1940. Mas é estarrecedor que essa religiosidade medieval ainda se venda como "moderna" no Brasil e se arrogue em se passar por "guia" para o futuro da humanidade. Sempre as soluções de mais de mil anos atrás, para os problemas contemporâneos. Velhas receitas de fórmulas perecidas há décadas.
A título de comparação, vemos o declínio da Cientologia, espécie de equivalente mais requintado do Espiritismo brasileiro. A religião fundada por Lafayette Ronald Hubbard, conhecido como L. Ron Hubbard, também acredita em reencarnação ("espírito", na seita, é chamado de thetan) e prega ideias e ritos moralistas que parecem ter sido retirados dos 400 livros do "médium" charlatão que usava peruca. Crenças semelhantes a "crianças-índigos" (retiradas de uma seita estadunidense mas adotadas pelos "espíritas" brasileiros) e "profecia da data-limite" são defendidas pelos cientologistas.
A notícia mais recente sobre a Cientologia envolveu o astro do seriado De Volta aos Anos 70 (That 70s Show), Danny Masterson que, também membro da religião, pode ser condenado à 30 anos de prisão pela acusação de ter estuprado, pelo menos, duas mulheres que frequentavam a seita, cujo maior líder é o ator Tom Cruise, que é um dos maiores pregadores da seita.
A Cientologia vive uma séria crise, através das denúncias feitas, a partir de 2013, pela atriz Leah Remini, que desde a infância havia seguido a seita. Ela começou essas denúncias dois anos após o falecimento do jornalista inglês Christopher Hitchens, que havia difundido, com base em fatos, o lado macabro da acima citada Madre Teresa, chamada de "Anjo do Inferno".
Com as denúncias de Leah Remini, que segue com esta iniciativa até hoje, vários membros deixaram a seita, como a colega de Danny Masterson no De Volta aos Anos 70, Laura Prepon, a atriz e cantora Juliette Lewis e o ator dos filmes do cineasta e ator cult Kevin Smith, Jason Lee. Acusado de seguir a seita, o cantor Beck Hansen negou estar vinculado à religião, embora tenha admitido o envolvimento do seu pai na mesma.
O moralismo religioso retrógrado, como se vê na Teologia do Sofrimento, é uma relação que autoriza os opressores de abusarem, de alguma forma, dos oprimidos aconselhados a suportar desgraças calados e sem reclamar. A desculpa é a de que os opressores ou abusadores seriam instrumentos passivos de provações pesadas dos oprimidos forçados a sofrer até acima do limite extremo, em troca de uma hipotética felicidade da vida celestial. Daí que abusos como os de Danny Masterson não estão em desacordo com este receituário provacional próprio do punitivismo religioso.
Enquanto a podridão da religiosidade ultraconservadora é denunciado corajosamente, aqui o esforço se volta timidamente a depreciar a reputação das seitas evangélicas neopentecostais. A associação com o bolsonarismo, sobretudo através da acusação de que várias igrejas neopentecostais servem de lavagem de dinheiro de milicianos e de empresários bolsonaristas em geral, reforça essa situação de crise de reputação.
Mesmo com suas fraudes, sobretudo através das "psicografias" (ou psicografakes, pela atribuição de identidades fake de personalidades mortas) e pela pretensa caridade que esconde esquemas de superfaturamento, lavagem de dinheiro e desvio de donativos para venda em mercadinhos e brechós, o Espiritismo brasileiro é alvo da mais obsessiva, abjeta e inabalável blindagem da opinião pública, desencorajando o jornalismo investigativo, o inquérito da Justiça e o questionamento acadêmico.
E olha que o "médium" de Uberaba esconde, sob sua trajetória supostamente "em dedicação exclusiva ao próximo", escândalos que quase o botaram na cadeia, como o caso Humberto de Campos em 1944, e as denúncias de fraudes dadas pelo sobrinho Amauri Pena, morto em circunstâncias suspeitas em 1961. O mesmo "médium" fez uma defesa da ditadura militar no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi, em 1971, mostrando um reacionarismo que faz Silas Malafaia parecer um esquerdista festivo.
Aqui no Brasil essa velha religiosidade, carcomida, enjoativa e medieval, se mantém em alta, escravizando os brasileiros e enganando a sociedade em geral pelo verniz de suavidade e despretensão, e pelo paternalismo com os pobres que só causa comoção, mas nunca contribui para combater, de verdade, a miséria humana.
E se essa religiosidade se mantém em pé, é porque temos uma ordem social retrógrada, dominante há 50 anos, pois foi na ditadura militar que essa religiosidade foi intensamente promovida para combater a Teologia da Libertação. Nessa época, "espíritas" e "neopenteques" estavam de mãos dadas para combater a doutrina progressista do Concílio II do Vaticano. Mas hoje só os neopentecostais pagam a conta. Resta esperar quem fará o papel dos Hitchens e das Remini no Brasil.
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