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EXPLICANDO A PEGADINHA DO CANDIDATO HUMORISTA A EMPREGO SÉRIO

ALEGORIA DO MERCADO DE TRABALHO QUE PRIORIZA COMEDIANTES.

A tendência dos empregadores - não todos eles, é claro, mas boa parte deles - em contratar comediantes para funções de trabalho sério das mais diversas eventualmente mostra situações bastante inusitadas que requerem cautela.

A contratação de comediantes para cargos profissionais sérios é um modismo desde os tempos de crise política de 2013-2016, baseados no poder agregador de indivíduos que fazem rir, com uma piada pronta para distrair os colegas, desenvolver um ambiente profissional supostamente mais descontraído e forjar uma cumplicidade com a empresa que abafe possíveis escândalos nos casos de ações abusivas. Um sujeito descontraído tende a ser menos dedo-duro no caso da corrupção empresarial.

Num caso recente, o membro de um grupo de humor teria conseguido um bom emprego de jornalismo por conta de seu papo firme, seu visual arrojado, tipo aquele espertalhão com falsa modéstia que se acha "nerd", tem barbinha bem feita, 45 anos de "praia", bastante desenvolto.

Pois bem, apesar dos 45 anos ele narrou uma carreira de jornalista com passagem em inúmeras editorias, com um relato que indica uma carreira mais longa do que sugere sua relativa pouca idade. Pois a experiência que ele narrou, mesmo em breves palavras, como um jornalista, sugere um currículo mais apropriado para jornalistas com mais de 60 anos de idade.

Juntamos a isso o fato de que ele tem uma carreira no humor. Aí fica mais complicado, se percebermos o que é, realmente, um trabalho jornalístico e um trabalho de humor, sobretudo um humor do tipo "comédia em pé", do inglês stand up comedy.

Vamos ao trabalho de jornalista, primeiro. O trabalho de jornalista, nos padrões profissionais atuais, é de cerca de oito a dez horas por dia. O sujeito vai fazer reportagens de rua ou vai para o lugar de uma entrevista marcada. Leva tempo para caramba. Não é algo que se faz rapidamente, e no jornalismo empresarial de hoje em dia, um repórter tem que produzir em média três matérias por dia.

Há também o trabalho de plantão, de consulta de notícias. Isso inclui também espera por um telefonema ou, por outro lado, iniciativa para fazer telefonemas com fontes interessadas. Isso também leva tempo e, se depender dos desdobramentos de uma grande notícia, dessas que incluem fatos que acontecem no decorrer de horas, isso leva tempo à beça.

Com o material informativo em mãos, também leva tempo a produção de textos. Combinar depoimentos diferentes na edição de imagens, selecionando trechos mais relevantes, ou fazendo o mesmo no texto escrito. Criar uma narrativa - que faz com que, no exterior, notícias sejam também conhecias como stories - exata para o texto, levando em conta também as pressões ideológicas da linha editorial vigente, também dá uma trabalheira.

Agora vamos para o trabalho de humor. Entre quatro e seis horas, o comediante que seja um criador de conteúdo humorístico tem que criar, sozinho ou em parceria, o texto que servirá para suas palestras ou esquetes de humor. Para isso é preciso criar a piada certa, os trocadilhos necessários, e detalhes que influem na reação de risos dada pelo público. Ou seja, a piada tem que ser criada para ter graça.

Pronto o texto, o humorista precisa ensaiar algumas horas para sua peça de humor. Precisa ter a entonação certa, dizer as palavras certas, ter desenvoltura para interagir com a plateia, decorar e memorizar todo o conteúdo e, ainda, se preparar para uma oportunidade de improviso. Em todos os dias, tem que se fazer ensaios de duas a quatro horas, para que a atuação, num dia da semana, se torne impecável.

E há ainda a necessidade de haver um novo tema, baseado numa notícia recente, que servirá de gancho para uma nova piada. E isso pode fazer com que o roteiro de piadas se transforme e mude conforme as circunstâncias. Mais textos, mais ensaios. E se os ensaios são com mais de uma pessoa, o espetáculo de humor se torna ainda mais complexo, pois os indivíduos precisam interagir entre si, para que produza a graça necessária.

Imagine então um humorista de um grupo notável de humor que tem uma longa carreira de jornalista. Será que ele vai juntar duas rotinas que levam muito tempo para se realizarem? Como um sujeito desses, ainda mais com 45 anos de vida, irá trabalhar as duas rotinas, ao mesmo tempo, com tantas horas de atividade? E se ele for, também, um influenciador digital? E se tiver programa de humor no rádio, na TV ou no YouTube?

O empregador engoliu essa estória de que o candidato humorista tem uma "longa carreira" no Jornalismo. Algo como um político que acumula dois cargos, o de parlamentar e o de prefeito de uma cidade, mas este não pode exercer os dois trabalhos. O humorista também não pode ser jornalista de grande currículo, ou ele tem uma das atividades, ou desempenha as duas de forma bastante reduzida, o que desmente esse "longo currículo" que o candidato deu em uma entrevista de emprego.

O empregador, na sua boa-fé, acreditou no relato do humorista que contou a estória do "jornalista de longa carreira". Sem saber, o empregador caiu numa grande pegadinha, mais uma peça de humor narrada como se fosse um currículo profissional.

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