Nos últimos tempos, se descobre que o Brasil vive num clima psicologicamente intoxicado, por conta das ambições e disputas pessoais e pelo quadro binário do ódio bolsonarista e da positividade tóxica do lulismo, que e marcado pela supremacia social de um bando de privilegiados que tornam as bolhas sociais cada vez mais seletivas e restritivas.
Depois de comentarmos o caso Cecília Flesch, jornalista da Globo News que foi demitida, um caso semelhante e que expressa semelhante indignação envolve a conhecida jornalista carioca Flávia Jannuzzi. Ela foi demitida junto a uma série de jornalistas da Rede Globo, como Eduardo Tchao, Giuliana Morrone, Fabio William e vários outros, numa verdadeira eliminação de veteranos da maioria dos quadros profissionais do telejornalismo da emissora, entre repórteres e técnicos.
Flávia deu um depoimento ao Splash, portal de entretenimento do UOL, definindo sua demissão como "horrível e traumática". Num quadro em que jornalistas são demitidos depois de entregar reportagens, Rede Globo e Globo News, juntas, promoveram um passaralho (jargão do Jornalismo para demissão em massa) que chocou a opinião pública, acostumada com a aparição, aparentemente tranquila, dos repórteres e âncoras na emissora.
A jornalista, que hoje se dedica à floricultura, disse que existe uma "política de relacionamentos" na Globo, na qual quem não faz parte é prejudicado. "É uma panela. Se você não está naquela panela, você é cozido ou frito. A verdade é essa. Os projetos não passam. Você não consegue aprovar a pauta. Você vai sendo desidratado. Vai sendo deixado, esquecido de lado", disse Flávia.
Outras declarações de Flávia Jannuzzi mostram o drama que ela sofreu nos últimos tempos de emissora:
"Tudo a que você se dedicou ao longo dos anos, é tudo esquecido. É como se você tivesse que começar do zero e validar o seu valor todos os dias. [...] Se você não se adapta ou se você não faz o jogo de relação vigente, você está fora. Você está ali na escala. Mas você está fora do jogo....
É um joguinho de futebol que você vai em grupo. É um chopinho ali. Você tem que fazer aquele meio de campo. Claro que tem mérito. Tem pessoas que têm mérito ali, que crescem independente disso. Eu já não tinha uma boa relação. Essa é a questão".
Flávia critica a falta de diversidade e a opção da Globo em não promover a convivência de veteranos e novatos no seu quadro jornalístico. "Eu acho que tem que ter também o verniz de quem tem a experiência. Isso faz toda a diferença. Se a gente tem uma redação só de novatos, que não é o caso, mas está caminhando para isso [...], a mescla está se perdendo", disse Flávia.
Ela comenta a situação de profissionais com pouco tempo de casa, que por estarem de acordo com as "bandeiras" da Globo, conseguem se ascender nas suas posições sem muito esforço, mesmo que sejam estes profissionais pessoas competentes.
"Talvez seja uma questão de nova ordem mesmo, de uma agenda globalista. [...] Não é demérito nenhum. Tem grandes jornalistas que se enquadram nos requisitos que eu estou falando. Tem colegas brilhantes, maravilhosos, mas quando isso é um determinante para você conquistar um espaço no Jornal Nacional ou ser contratado, isso deprecia tanto os colegas quanto a profissão. [...] O gosto de você ter conquistado coisas dentro da Globo, isso se perdeu", disse a jornalista.
As "panelas" do telejornalismo da Rede Globo mostram o quanto há um clima tóxico, como no caso da Cecília Flesch, que não ocorrem só no âmbito do Jornalismo. Na dramaturgia e no entretenimento, a Rede Globo mostrava também um quadro tóxico, que incluiu desde festas em casas de diretores onde se consumia muita droga, até brigas físicas entre atrizes, além de assédio sexual e moral. As conhecidas brigas entre Patrícia Poeta e Manoel Soares, no Encontro, são fichinha diante do que ocorre nos bastidores da emissora.
Mas isso tudo é parte de um quadro tóxico que toma conta dos ambientes profissionais em todos os âmbitos. No Jornalismo, vemos o quadro surreal de empresas contratando humoristas para funções como Analistas de Redes Sociais, num contexto em que o mercado dá preferência a profissionais piadistas em detrimento dos mais competentes.
Mas se temos comediantes enganando entrevistadores de emprego narrando uma trajetória jornalística mais longa que suas idades sugerem, e arrumando um emprego sem dificuldade por conta desse papo esperto, temos também jornalistas competentes na mídia de esquerda, antes amiga do bom jornalismo, que todavia passam a ser tietes do governo Lula, chamando tudo que o atual presidente do Brasil faz de "histórico". Jornalistas talentosos agora atuando no modo "recreio", brincando de ser historiadores e fazendo o mesmo showrnalismo que a própria mídia de esquerda, anos atrás, reprovava.
Isso é um reflexo de como é contaminada a ordem social dominante no Brasil há 50 anos, cujas raízes foram a sua campanha para derrubar João Goulart em 1964, embora sua chegada plena ao poder se deu dez anos depois, quando as vozes críticas à deterioração política e sociocultural começaram a perder prestígio, passando a serem discriminadas por uma sociedade que prefere passar pano nas "vacas sagradas" que passaram a se formar a partir da mediocridade social crescente desde então.
Temos uma ordem social que, depois do seu modo "Mr. Hyde" se manifestar através de Michel Temer e Jair Bolsonaro, teve que expurgar essa "banda podre" da elite do atraso para repaginar esta sob um novo contexto, com os netinhos da geração "anos de chumbo" agora apoiando Lula, este no seu modo pelego de atuar como um ilusionista político.
É uma ordem social que já não dá espaço para quem raciocina a vida de maneira aprofundada e crítica, para as manifestações culturais de qualidade, para profissionais competentes e, principalmente, mais velhos. É o império da mediocridade, que faz o mercado de trabalho boicotar quem é mais talentoso e mais velho porque os patrões não querem ser chefes de quem é melhor do que eles.
É um cenário tenebroso, que no contexto do lulismo não só não acabou como se tornou pior, pois em nome de uma hipotética paz social, não se pode ter senso crítico, não se pode fazer cobranças, não se pode confrontar com o estabelecido. E se tem que acreditar que Lula é um Deus que faz tudo certo e que suas realizações, mesmo os tímidos reajustes salariais (incluindo o paliativo auxílio Bolsa Família) e as também tímidas reduções de preços, são sempre acertadas. Não se pode dar um pio questionando.
É uma ordem social que, ultimamente, privilegia um mercado de livros anestésicos, que não se comprometem a transmitir conhecimento. Que transforma inúteis influenciadores digitais em uma nova elite de novos ricos. Que promove o monopólio da música popularesca, praticamente sufocando a música brasileira de qualidade, cada vez mais com espaços reduzidos. Que privilegia o mercado de trabalho com pessoas "atraentes" (no caso dos homens, tem que fazer o tipo do galã atual, barbudo e com ar de esperto) e talento de piadista. E por aí vai.
Não há como, diante dessas distorções sociais de uma ordem social autoritária, seletiva, restritiva e injusta, o Brasil se tornar potência de Primeiro Mundo, um sonho que parece distante, embora justamente a elite do atraso, repaginada na elite do bom atraso, queira porque queira que nosso país vire potência, com cidades transformadas em parques turísticos, tecnologia e entretenimento plenos e pobres domesticados.
Nosso sistema de valores está deteriorado, e as estruturas de privilégios sociais seguem uma linhagem não muito diferente da dos tempos do general Ernesto Geisel, talvez até pior, porque os espaços sociais não são democráticos e os alvos de discriminação, agora, envolvem de pessoas solitárias a candidatos mais velhos a cargos de empregos, passando por artistas e intelectuais com uma linha de pensamento mais consistente.
O caso de Flávia Jannuzzi e Cecília Flesch é reflexo de como a grande mídia prefere um cenário social asséptico e tóxico, com uma televisão cada vez mais parecida com as redes sociais, que acabam produzindo um contexto atual de sistema de valores cada vez mais injusto. Cabe isolarmos essa ordem social que tenta se impor como "a humanidade", mesmo cometendo atrocidades claramente desumanas, como demitir jornalistas talentosos e competentes que procuravam fazer diferença mesmo numa emissora ideologicamente problemática que sempre foi a Rede Globo.
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