A REGRA É ESSA: SE FICARMOS CALADOS, O BRASIL VIRA "PRIMEIRO MUNDÃO FACIM, FACIM".
O declínio do bolsonarismo e do lavajatismo, sobrando até para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), investigado sob acusação de que sua assessoria teria feito um esquema de superfaturamento na compra de kits de robótica, não representa que o Brasil passou a ter uma sociedade mais solidária, generosa e amorosa.
Noto que se trata de uma sociedade tão gananciosa, desumana e negligente quanto os bolsonaristas. A palavra "amor" vai muito mais como oposição ao "ódio" bolsonarista do que no próprio sentido da referida palavra, significando mais esse "amor" pelo que deixa de ser do que pelo que, ao menos, tenta ser.
É uma sociedade bastante esquisita. Recentemente, pessoas vibraram de muita alegria porque um cachorro apareceu nas redes sociais em posição de prece. É uma sociedade que mede a amizade pela disposição em perder preciosas dez horas de um domingo para tomar cerveja e falar de futebol, que acha natural jogar comida fora, e cujo mercado de trabalho está mais preocupado em contratar comediantes que conheçam aplicativos de informática que ninguém jamais ouviu falar.
É gente que acha normal a publicação de livros para colorir impressos, num contexto em que o jornal de papel é uma espécie em risco de extinção, sem perceber que o papel usado pelos livros para colorir é bem mais caro do que o papel que se usa para imprimir periódicos.
O nível de "amor" é de tal forma que as feministas são raivosas e tratam os homens como inimigos. E a maioria das pessoas casadas vive vida de solteiros, de tal forma que soa uma grande novidade aquele amigo de anos dizer "Quando eu estava com minha mulher...", provocando a inevitável pergunta: "Ué, ele é casado?". E tanta gente escondendo casamento-margarina no Instagram...
Trata-se de um 30% de brasileiros dotados de privilégios consideráveis, não nos níveis dos grandes banqueiros, mas bastantes para representar algum status quo influente no restante da sociedade, ou seja, a maioria silenciosa que acata os valores trazidos pela minoria invisível.
São os filhos "bonzinhos" do "milagre brasileiro", discípulos do "jeitinho brasileiro" agora traduzido em uma conduta não-raivosa, único grande diferencial dessa "nova" ordem social em relação aos reacionários que dominaram o país entre 2016 e 2022 e não querem largar os ossos que escapam de suas bocas.
É uma sociedade tão fútil que, quando ganha nas loterias ou em promoções de produtos diversos - tipo refrigerante, perfume ou salgadinhos - , gasta a fortuna conquistada sem necessidade (muita gente que precisa realmente do dinheiro é passada para trás, perdendo o desejado prêmio) para viagens turísticas em que o foco não é o beneficiado conhecer um lugar novo, mas usar o lugar novo como meio de ostentar aos amigos a visita a um local considerado da moda.
A nova "era Lula" já começa errado com a prevalência dessa sociedade elitista mas "descolada" e "mudérna", a elite do bom atraso, que parece sugerir a quem tem senso crítico a conjugação silenciosa do verbo "amordaçar", única forma dos hipócritas trabalharem a ideia de "amor". A regra é sempre essa, aprendida desde os tempos do "titio de farda" Emílio Médici: se todos permanecermos calados e sem reclamar dos problemas, o Brasil vai rapidinho para o Primeiro Mundo.
Essa "boa" sociedade fala em "justiça social" estufando o peito dizendo que "só querem tudo de bom para o Brasil". Acham injustos os questionamentos realistas sobre a falta de capacidade do Brasil virar potência de Primeiro Mundo, uma "certeza absoluta" que contagia esse 30% de brasileiros bem de vida que se acham "a humanidade" e cujo maior desejo é dominar o mundo.
Que Primeiro Mundo é esse cujo emprego é conquistado por comediantes, enquanto quem precisa trabalhar e tem capacidade enfrenta todo tipo de preconceito, do etarismo a estética - sobretudo a falta de uma barbinha "ixperta" de um cosplei de Felipe Andreoli, Rafinha Bastos ou Danilo Gentili - , passando pela falta de conhecimento de aplicativos que nem se garante se realmente existem, isso é algo difícil de entender.
Trata-se de uma sociedade exigente demais, que exige do outro a doação do próprio couro, exige do tetraplégico a prática constante de decatlo, e pede aos peixes que deem saltos estratosféricos para alcançar o topo de uma árvore de dez metros de altura. A "boa" sociedade que se apoia em Lula é meritocrática, extravagante, gananciosa e só "gosta" de pobre nos limites de fazê-los domesticados o suficiente para não assaltarem a "boa" elite que idolatra o atual presidente da República.
Não é uma elite que está aí para o antigo humanismo. Essa "boa" elite que está no poder social e no protagonismo do cotidiano brasileiro está mais ocupada em hedonismo, consumismo e emoções baratas, curtindo a "liberdade" que um consórcio de veículos midiáticos (como Globo, Folha, Jovem Pan e SBT) lhe deu de presente e Lula assinou de forma protocolar.
Cultuam mulheres-objetos metidas a "feministas", se ocupando exclusivamente pela exploração de sua imagem hipersexualizada. Ouvem música popularesca que trata o povo pobre como uma caricatura, como se a realidade das favelas fosse igual à das novelas da TV e comédias do cinema comercial brasileiro. Se derretem quando meninos negros explorados para fazer danças constrangedoras em Uganda fazem o seu triste espetáculo, como se crianças e adolescentes negros e pobres tivessem que fazer o mesmo papel dos cachorrinhos e gatinhos brincando no Instagram.
Essa "boa" sociedade diz odiar fake news, mas adora ler e cultuar "médiuns espíritas" que trazem mensagens fake se passando por autores mortos, por elas não investirem na cosmética da raiva nem da gramática do hidrofobês e, além de prometerem a "paz entre os povos", ainda se apoiam pela caridade de fachada que só traz resultados medíocres para o povo pobre, mas suficientes para fazer a "boa" sociedade masturbar com os olhos, através da comoção transformada em puro entretenimento.
Essa elite bem de vida finge que é pobre, caprichando no estilo "gente como a gente" que, por si só, já é uma paródia da simplicidade humana cheia de coisas extravagantes, como ir a uma boate da moda e encher a cara de muita cerveja. Seu ganho, em média, envolve de R$ 5 mil a valores de seis dígitos, mas o pessoal jura que é "pobre de marré de si" por não fazer o tipo "daquela elite careta de banqueiros e empresários agarrados a Jair Bolsonaro e Sérgio Moro".
Mas essa "boa" sociedade, apesar do verniz progressista e da promessa de promover um "Brasil com muito amor", é sórdida, esnobe, meritocrática, lembrando a pequena burguesia do imaginário marxista tradicional, mas adaptado ao contexto festivo-hedonista de hoje, quando a elite do bom atraso joga um monte de entulho culturalista debaixo do tapete, pois se trata das "melhores coisas da vida" que eles se recusam a ver como partes integrantes do viralatismo cultural que contamina o Brasil.
Para todo o efeito, "viralatismo cultural" ou "culturalismo vira-lata" é só a família Bolsonaro, o Sérgio Moro, o Deltan Dallagnol, a Carla Zambelli, o Allan dos Santos, o Silas Malafaia e algum outro similar que apareça no caminho. Outros aspectos do viralatismo, que incluem "médiuns", funqueiros, mulheres-objetos, craques de futebol milionários etc, não são assim considerados, por representarem coisas bastante agradáveis à elite do bom atraso.
Essa "boa" sociedade diz "querer tanto um Brasil igualitário e solidário", mas não faz a sua parte. Ignoram a necessidade de abrir o leque no emprego para pessoas que não têm uma piada na ponta da língua - ainda que seja uma piada "séria" de humorista de 45 anos narrando uma carreira jornalística longa demais para sua idade - , não é necessariamente jovem e possui talento e visão crítica da realidade.
No trabalho, ter senso crítico não pode ser visto como ameaça ao mercado de trabalho, pois uma pessoa com visão crítica do mundo lida melhor com as dificuldades do que os comediantes que hoje ocupam o mercado de trabalho, cada vez mais preenchendo postos de trabalho em funções sérias, uma vez que o politicamente correto anda demitindo muito humorista por conta de tantas restrições temáticas.
O momento de hoje mostra um Brasil ainda muito tóxico. Apenas trocamos a negatividade tóxica do bolsonarismo pela positividade tóxica do lulismo. No primeiro caso, ter senso crítico, ou seja, a ferramenta necessária para pensar nos problemas da humanidade, é alvo de chacotas, agressões, ofensas e ameaças. No segundo caso, é alvo de desdém e de algum esnobismo. Em ambos os casos, porém, a ideia é deixar o Brasil como está e promovê-lo a potência de Primeiro Mundo mesmo com uma sociedade devastada e valores deteriorados que carregamos desde a ditadura militar.
Em outras palavras, o Brasil insiste em querer viver um padrão de sociedade da ditadura militar, só que passado a limpo, sem os aspectos escancaradamente negativos. Progresso social? Deixa para lá...
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