Pular para o conteúdo principal

XUXA E RENATO RUSSO "TROCARAM" DE PAPEL?

A RAINHA DOS BAIXINHOS E O LEGIONÁRIO.

Sabendo da notícia recente de que a banda de indie rock estadunidense Haim, na sua vinda ao Brasil para o festival Mita, no Rio de Janeiro, tocou a música "Ilariê", sucesso de Xuxa composto pelo cantor de axé-music Cid Guerreiro, a gente para um momento para pensar na vida e ver o quanto o mundo atual anda muito, muito louco.

Porém mais louco está o Brasil, onde os 30% dos bem de vida se acham donos de tudo: da verdade, do povo pobre, do futuro, da palavra final, do sistema de valores, do mundo. É uma elite que manipula o bom senso e, por isso, abomina o senso crítico, por ver nessa prática um ato antissocial que não cabe na obsessão do momento atual em que os brasileiros precisam parecer "legais" o tempo todo. Depois do pesadelo bolsonarista, é hora de viajarmos na positividade tóxica com Lula e as redes sociais.

Fico observando esse estranho vintage que está na moda no Brasil, conduzido pela inversão de valores que arrogantes internautas impõem nas redes sociais. De repente a música comercial virou "não-comercial" e a música que realmente não é comercial virou "comercial". E ai de quem discutir com esses terraplanistas culturais.

Na ironia de fazerem aniversário no mesmo dia 27 de março, a apresentadora Xuxa e o músico Renato Russo (falecido em 1996), de repente, "trocaram" de papel. Xuxa, agora, é a "engajada", a "ativista", mesmo dentro dos limites do identitarismo cultural. Já Renato Russo virou um "meloso", um "poeta de dramalhão", um "chato de galocha", num tempo em que os maiores cancelados da nossa música são, além dele, Cazuza, João Gilberto e Tom Jobim.

Ver uma banda de indie rock tocar "Ilariê" soa estranho. Mas aí se lembra que a própria Legião Urbana tocou um sucesso do Menudo, "Hoje a Noite Não Tem Luar". Só que o contexto é outro, Renato Russo fez isso de brincadeira, ele não queria elevar um grupo vocal dançante à categoria de relíquia cult, enquanto as garotas do Haim pareciam acreditar, talvez por boa-fé, que Xuxa Meneghel é um dos maiores nomes do "vintage de vanguarda brasileiro".

Num país como o Brasil, que trata o pop local como se fosse a invenção da pólvora - apesar desse pop não ser mais do que uma imitação do que os EUA fizeram vinte anos atrás - , há uma onda "vintage" bastante esquisita.

É um saudosismo tendencioso, com claro cheiro mercadológico, mas que para as gerações de mileniais e pré-mileniais (a geração que nasceu entre 1978 e 1989), parece tão natural quanto o ar que respiramos. Um saudosismo que envolve É O Tchan, Michael Sullivan, Benito di Paula, Chitãozinho & Xororó, Joelma, Art Popular e Grupo Raça Negra, é de embrulhar o estômago.

Musicalmente, Xuxa nada tem a ver com a imagem da "cantora de protesto" (?!) que ela ganhou de graça, sobretudo depois que ela, em atitude inédita, passou a apoiar a candidatura de Lula no ano passado. As músicas cantadas por ela - que quase nunca compôs uma música, exceto a co-autoria em duas canções do disco de 1987 - falam de coisas inócuas como qualquer pop comercial adolescente dos mais tolos. Perto do que Xuxa cantava, a Família Dó-Ré-Mi (The Partridge Family) parece os Rolling Stones.

Xuxa foi pupila de Michael Sullivan, que montou sua máquina de fazer dinheiro unindo a BMG-Ariola e a Rede Globo (a BMG, aliás, prensava e distribuía os discos da Som Livre), para implantar a música comercial brasileira das últimas décadas. Sullivan queria destruir a MPB, mas como aqui é um país de arrivistas, oportunistas e hipócritas, quando o próprio produtor e compositor queria retomar a carreira, usou como trampolim a mesma MPB que ele estava combatendo antes.

Enquanto esses nomes do brega-vintage andam sendo gourmetizados, recebendo passagem de pano até de gente como Mauro Ferreira e Régis Tadeu, o que vemos na música outrora respeitável, como é o caso da Legião Urbana, é o contrário, tratando-se de um lamentável desrespeito por parte de gerações mais recentes.

O terraplanismo cultural interpreta errado as coisas e tem a mania e o cacoete de demonizar nomes antigos do rock que se envolvem em disputas por algum espólio, direitos autorais ou outra motivação similar. Enquanto esse terraplanismo define como "anti-comercial" a música comercial que rola no dia a dia dos respectivos ouvintes, "comercial" seria aquela velha banda de rock cujos integrantes ou ex-integrantes disputam o nome, os créditos de autorias, os royalties de gravação e composição, às vezes o legado de algum integrante morto.

No caso da Legião Urbana, é notória a disputa, pelo nome e legado da banda, dos dois músicos remanescentes, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, contra o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini. E o pior é que, até agora, não se sabe quem é o herdeiro de Renato Rocha, o Negrete ou Billy, o injustiçado baixista que morreu em situação de abandono.

Só que, diante desse drama, os terraplanistas culturais que glorificam o k-pop, o piseiro e esse "novo funk" com batida de lata de ervilha, xingam Dado e Bonfá de "comerciais" e "mercenários". Embora fosse discutível um projeto de homenagem à Legião Urbana com André Frateschi nos vocais, pois a banda, nas mãos dos remanescentes, acaba virando banda cover de si mesma - à maneira do Queen, lá fora - , não é justo definir esse projeto como "comercial".

Por outro lado, a gourmetização do comercialismo musical popularesco como se nunca tivesse sido comercial é de uma hipocrisia tamanha. Luís Caldas e Leandro Lehart venderem a imagem de "artistas não-comerciais" é de uma falsidade oportunista tamanha, pois essa falsa postura visa abocanhar umas gordas verbas estatais do Ministério da Cultura. Como também é o caso do É O Tchan e sua positividade tóxica bem de acordo com a proposta da axé-music, que rebaixa a alegria humana a uma reles mercadoria para consumo.

O Brasil está culturalmente deteriorado, devastado e socialmente retrógrado. Acumulamos retrocessos desde abril de 1964, mas muita gente se acostumou mal com tais problemas, que eles deixam de ser problemas para virarem "coisa boa", pois a "classe média de Zurique", que domina o senso comum hoje, nada tem a perder.

Para essa "boa" sociedade, a elite do atraso que não quer ser conhecida por este nome porque senão ela chora, tanto faz Rita Lee, Erasmo Carlos, Renato Russo, Raul Seixas, Cazuza, Chico Science, João Gilberto e a "esquecida" Sylvia Telles estarem mortos. O "novo normal" não é mais a boa música brasileira, mas a mediocridade que chega aos níveis da mais pura estupidez artístico-cultural, algo que deveria envergonhar, mas é o orgulho de muita gente capaz de se armar até os dentes para defender as porcarias que ouvem diariamente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

DENÚNCIA GRAVE: "MÉDIUM" TIDO COMO "SÍMBOLO DE AMOR E FRATERNIDADE" COLABOROU COM A DITADURA

O famoso "médium" que é conhecido como "símbolo maior de amor e fraternidade", que "viveu apenas pela dedicação ao próximo" e era tido como "lápis de Deus" foi um colaborador perigoso da ditadura militar. Não vou dizer o nome desse sujeito, para não trazer más energias. Mas ele era de Minas Gerais e foi conhecido por usar perucas e ternos cafonas, óculos escuros e por defender ideias ultraconservadoras calcadas no princípio de que "devemos aceitar os infortúnios e agradecer a Deus pela desgraça obtida". O pretexto era que, aceitando o sofrimento "sem queixumes", se obterá as prometidas "bênçãos divinas". Sádico, o "bondoso homem" - que muitos chegaram a enfiar a palavra "Amor" como um suposto sobrenome - dizia que as "bênçãos futuras" eram mais dificuldades, principalmente servidão, disciplina e adversidades cruéis. Fui espírita - isto é, nos padrões em que essa opção religi...

CRISE DA MPB ATINGE NÍVEIS CATASTRÓFICOS

INFELIZMENTE, O MESTRE MILTON NASCIMENTO, ALÉM DE SOFRER DE MAL DE PARKINSON, FOI DIAGNOSTICADO COM DEMÊNCIA. A MPB ainda respira, mas ela já carece de uma renovação real e com visibilidade. Novos artistas continuam surgindo, mas poucos conseguem ser artisticamente relevantes e a grande maioria ainda traduz clichês pós-tropicalistas para o contexto brega-identitário dos últimos tempos. Recentemente, o cantor Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores da música brasileira e respeitadíssimo no exterior por conta de sua carreira íntegra, com influências que vão da Bossa Nova ao rock progressivo, foi diagnosticado com um tipo de demência, a demência de corpos de Lewy. Eu uma entrevista, o filho Augusto lamentou a rotina que passou a viver nos últimos anos , quando também foi diagnosticado o Mal de Parkinson, outra doença que atinge o cantor. Numa triste e lamentável curiosidade, Milton sofre tanto a doença do ator canadense Michael J. Fox, da franquia De Volta para o Futuro ...

NITERÓI: CONDOMÍNIO SEM COMÉRCIO DIGNO NO ANTIGO RIO DECOR É UMA RAJADA DE METRALHADORA NO PÉ

TERRENO VAZIO APÓS DEMOLIÇÃO DO PRÉDIO DO ANTIGO RIO DECOR, NA AVENIDA FELICIANO SODRÉ, EM NITERÓI. Um dos antigos prédios de Niterói não existe mais. Por um gigantesco erro estratégico, o Rio Decor, durante a pandemia, abandonou o grande prédio da Av. Feliciano Sodré, que no passado foi das Lojas Maveroy e que era um grande espaço para um shopping center . O Rio Decor se mudou para a Av. Jansen de Mello e perdeu boa parte da demanda, sobretudo São Gonçalo, ficando "escondido" na esquina da Rua São Lourenço. Com isso, o prédio, antes imponente, virou uma espécie de Cracolândia niteroiense. Nos últimos tempos houve incêndio e homicídio, além do grande perigo que representava principalmente para quem ficava num ponto de ônibus em frente ao local. Depois de tais incidentes, a estrutura do prédio foi danificada e a Prefeitura de Niterói preferiu demolir. Hoje é um terreno vazio, do qual há intenções de construção de um condomínio, o que não é má ideia, porque dará movimento ao lo...

NEGACIONISTA FACTUAL E SUAS RAÍZES SOCIAIS

O NEGACIONISTA FACTUAL REPRESENTA O FILHO DA SOCIALITE DESCOLADA COM O CENSOR AUSTERO, NOS ANOS DE CHUMBO. O negacionista factual é o filho do casamento do desbunde com a censura e o protótipo ilustrativo desse “isentão” dos tempos atuais pode explicar as posturas desse cidadão ao mesmo tempo amante do hedonismo desenfreado e hostil ao pensamento crítico. O sujeito que simboliza o negacionista factual é um homem de cerca de 50 anos, nascido de uma mãe que havia sido, na época, uma ex-modelo e socialite que eventualmente se divertia, durante as viagens profissionais, nas festas descoladas do desbunde. Já o seu pai, uns dez anos mais velho que sua mãe, havia sido, na época da infância do garoto, um funcionário da Censura Federal, um homem sisudo com manias de ser cumpridor de deveres, com personalidade conservadora e moralista. O casal se divorciou com o menino tendo apenas oito anos de idade. Mas isso não impediu a coexistência da formação dúbia do negacionista factual, que assimilou as...

A MIRAGEM DO PROTAGONISMO MUNDIAL BRASILEIRO

A BURGUESIA ILUSTRADA BRASILEIRA ACHA QUE JÁ CONQUISTOU O MUNDO. Podem anotar. Isso parece bastante impossível de ocorrer, mas toda a chance do Brasil virar protagonista mundial, e hoje o país tenta essa façanha testando a coadjuvância no antagonismo político a Donald Trump, será uma grande miragem. Sei que muita gente achará este aviso um “terrível absurdo”, me acusando de fazer fake news ou “ter falta de amor a Deus”, mas eu penso nos fatos. Não faço jornalismo Cinderela, não estou aqui para escrever coisas agradáveis. Jornalismo não é a arte de noticiar o desejado, mas o que está acontecendo. O Brasil não tem condições de virar um país desenvolvido. Conforme foi lembrado aqui, o nosso país passou por retrocessos socioculturais extremos durante seis décadas. Não serão os milagres dos investimentos, a prosperidade e a sustentabilidade na Economia que irão trazer uma cultura melhor e, num estalo, fazer nosso país ter padrões mais elevados do que os países escandinavos, por exemplo....

A IMPORTÂNCIA DE SABERMOS A LINHA DO TEMPO DO GOLPE DE 2016

Hoje o golpismo político que escandalizou o Brasil em 2016 anda muito subestimado. O legado do golpe está erroneamente atribuído exclusivamente a Jair Bolsonaro, quando sabemos que este, por mais nefasto e nocivo que seja, foi apenas um operador desse período, hoje ofuscado pelos episódios da reunião do plano de golpe em 2022 e a revolta de Oito de Janeiro em 2023. Mas há quem espalhe na Internet que Jair Bolsonaro, entre nove e trinta anos de idade no período ditatorial, criou o golpe de 1964 (!). De repente os lulistas trocaram a narrativa. Falam do golpe de 2016 como um fato nefasto, já que atingiu uma presidenta do PT. Mas falam de forma secundária e superficial. As negociações da direita moderada com Lula são a senha dessa postura bastante estranha que as esquerdas médias passaram a ter nos últimos quatro anos. A memória curta é um fenômeno muito comum no Brasil, pois ela corresponde ao esquecimento tendencioso dos erros passados, quando parte dos algozes ou pilantras do passado r...