Ontem o filósofo, professor da Universidade de Harvard e ex-ministro de Lula, Roberto Mangabeira Unger, afirmou em entrevista que o presidente "mora no passado", se esquecendo que o cenário político e hoje é bem diferente dos dois mandatos anteriores. Entre outras queixas, Mangabeira Unger também critica que Lula faz um "discurso adocicado" para anunciar suas medidas e que "combate a desigualdade" através de compensações sociais que não abalam as estruturas vigentes.
A cada vez mais, Lula é criticado fora da bolha privativa de seus seguidores, com argumentos bastante realistas. Afinal, o presidente demonstra estar perdido, pois priorizou a precipitada politica externa que expôs o governante brasileiro ao ridículo, por conta da sua intromissão no caso Rússia versus Ucrânia e na sua desnecessária presença na reunião do G7. E quase criou sérios problemas com os EUA, por conta de suas posições desagradáveis às visões de Washington.
Lula poderia ter ficado no Brasil, cuidar da economia nacional e no atendimento das demandas sociais diversas. Chorou tanto durante sua campanha presidencial pedindo aos brasileiros para votarem nele por causa do combate à fome e ao desemprego, para depois mudar as prioridades. O Lula que faltou ao debate dos presidenciáveis no SBT e na Record se acha no direito de forçar protagonismo artificial numa reunião do G7 que não precisava de sua presença.
Observando bem os dois mandatos anteriores, Lula foi melhor no segundo, pois estava a vontade na realização de seu projeto político, por ser ele mesmo seu antecessor. Mas o atual mandato é pior, pois Lula se recusou a ter a bússola do programa de governo, achando que poderia fazer um projeto 2003.2 para este ano, quando o contexto não permite repetir medidas de vinte anos atrás.
Confiante no seu carisma, Lula improvisa em seu programa de governo e aposta na espetacularização de sua atuação política. Aposta cegamente nos seus projetos de grife, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, enquanto as prioridades eleitorais, como resolver o problema da fome e do desemprego, se tornam secundárias. Fica a impressão de que a prioridade de Lula é reconstruir a Ucrânia antes do Brasil.
Mas o que chama a atenção é a histeria dos lulistas que aplaudem o presidente como focas amestradas, pois até os erros de Lula lhes são como "acertos". E ver que jornalistas renomados se prestam a esse papel constrangedor, brincando de serem historiadores glorificando qualquer ato de Lula, sem esperar o juízo do tempo, é humilhante.
Nessa euforia toda, é comum aparecer algum analista, com certo exagero, afirmar que Lula "é maior que Getúlio Vargas". Chegam ao pretensiosismo de definir o saudoso governante, que presidiu o país entre 1930 e 1945 e entre 1951 e 1954, de "anão político", diante da "grandeza irresistível" de Lula.
Pode ser tentador creditar a Lula uma grandeza maior que Vargas, mas, observando com atenção, objetividade e uma certa frieza analítica - no sentido de abrir mão de emotividades idólatras - , o atual presidente, por melhores resultados que possa fazer aos brasileiros, nunca atingirá o nível do político gaúcho. É impossível Lula alcançar a grandeza de Getúlio Vargas e, ainda mais, superá-lo, como querem os lulistas mais apaixonados.
Primeiro, devemos nos lembrar que Getúlio Vargas rompeu com estruturas arcaicas da República Velha e criou ações de grandeza cujos efeitos repercutem décadas depois do dramático falecimento do grande líder, em 1954. Segundo, Getúlio "desenhou" de maneira originária o perfil do Brasil progressista, de tal forma que não convence a imagem de "ditador fascista" que seus opositores plantaram com base na interpretação apressada do Estado Novo.
Afinal, foi justamente durante o Estado Novo que Vargas lançou uma legislação que mais beneficiou os trabalhadores: a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, em 1943. Junto a ela, Vargas implantou o salário-mínimo, que permitiu aos empregados um poder aquisitivo vantajoso que se deteriorou a partir dos retrocessos trazidos pela ditadura militar e seu primeiro ministro do Planejamento, Roberto Campos, o homônimo avô do atual presidente do Banco Central o que insiste em cobrar juros altos.
Lula apenas surfou em muitas conquistas de Getúlio Vargas. E não se comprometeu em mudanças estruturais. Apenas se tornou um líder popular a partir do antigo mito do carismático líder sindical, hoje superado, pois Lula, para o bem e para o mal, está mais próximo da Faria Lima do que de São Bernardo do Campo, por mais que Lula afirme sentir-se afetivamente ligado ao povo pobre.
O que vemos em Lula é a combinação de um projeto neoliberal de influência keynesiana combinado a um moderado Estado de Bem-Estar Social. As políticas sociais são tímidas, a recuperação salarial é muito lenta, as políticas de preços muito pouco corajosas.
Se nos dois mandatos anteriores, Lula decepcionou com sua promessa de fazer o "governo da mudança", imagine então o atual mandato, que tende a ser mais fraco do que o primeiro, apesar da grandiloquência do governo presente.
Ainda poderíamos comparar o primeiro governo Lula a um leve aceno ao projeto político proposto e nunca realizado por João Goulart, descontada a sabotagem cultural de intelectuais infiltrados, a serviço da Rede Globo e da Folha de São Paulo, que defendiam a bregalização cultural, sob uma falácia de "combater o preconceito" que abordava o povo pobre como se fosse um bando de miseráveis de núcleos cômicos de novelas da TV.
Mas hoje, não há sequer essa chance. O atual governo Lula quer ser audacioso na forma, mas e o mais moderado no conteúdo e na essência, e se já era covardia comparar os dois mandatos anteriores à Era Vargas, agora é que piorou ainda mais. Deixemos o pretensiosismo comparativo de lado e vamos nos informar melhor sobre a História do Brasil evitando o salto alto das paixões políticas.
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