A gíria "balada" é tudo de ruim. De longe, a pior gíria criada no Brasil, que simboliza a "novilíngua" tupiniquim ("novilíngua" é a linguagem do poder do enredo de 1984). Gíria de jovens riquinhos da Faria Lima, com base na expressão "bala", usada como eufemismo para drogas alucinógenas. Gíria patenteada pela Jovem Pan e por Luciano Huck, difundida pela Rede Globo e transformada em "franquia" difundida pelo SBT e pela Rede TV! e, daí, para tudo quanto é página de fofocas e subcelebridades.
No entanto, a gíria "balada" persiste em ser a "gíria do Terceiro Reich", pela qual rolou até Tribunal de Internet. Portanto, essa gíria, no sentido de "vida noturna" tão vago que pode significar tanto jantar entre amigos quanto apresentação de DJ de pen-drive, se recusa a ter a efemeridade e os limites sociais de uma gíria, se impondo, como "novilíngua", para empobrecer o nosso vocabulário, substituindo de uma só vez palavras simpáticas como "festa", "jantar", "paquera", "noitada" e "diversão". Daqui a pouco nem vamos dizer mais "Boa Noite", e sim "Boa Balada".
Na semana passada, até parece que a gíria "balada" virou moda outra vez. Uma gíria que já era para estar em desuso há 20 anos! Uma jornalista, um ator, um portal de Internet e um jornal digital de Minas Gerais foram difundir a palavra "balada" como se houvesse algo combinado para relançar essa gíria decadente, que as pessoas pronunciam quase como se estivessem cuspindo em alguém. Acompanhado de outra gíria, "galera", dá até cacófato: "Vou pra balada c'a galera".
Afinal, a gíria "balada" é um fenômeno surreal. Ela tem copyright, seu dono prioritário é Tutinha (o proprietário da Jovem Pan) ou, talvez, ele esteja passando o direito de franquia dessa gíria para algum farialimer de plantão. É, também, a única gíria que tem departamento comercial e de marketing, e esquema de mershandising em novelas e outros programas de televisão.
Até quando locutores de serviços de trem ou apresentadores de programas de turismo são orientados a falar essa gíria tão "moderna" quanto os podicastes do Monark. "Não fale festa, fale balada. Arrume um jeito para dizer que você adora ir à noite 'pra balada'". O diretor do programa, do vídeo ou de outra atração faz essa orientação, como se a gíria "balada" fosse uma mercadoria simbólica para ser consumida em boates e casas noturnas.
O problema é que só o viralatismo enrustido do Brasil - lembremos que viralatismo não é só Jair Bolsonaro, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e Damares Alves, mas muita "coisa bacana" na fauna brega-popularesca ou no obscurantismo religioso "espiritualista" - insiste em falar "balada" como se fosse o suprassumo da modernidade cultural, o que é um grave equívoco.
Lá fora, mesmo o pessoal mais mainstream e afeito a reality shows mais tolos investe em frases como "I'm gonna party with my friends" ("Eu vou festejar com meus amigos") do que o escatológico "Vou pra balada c'a galera" (uma grande defecada coloquial). Só aqui para o pessoal forçar a barra da falsa modernidade falando "balada" em vez de "festa" ou "jantar". Também pudera, o Tribunal da Internet mostrou que quem fala "balada" é reacionário e retrogrado e precisa de algo para simular alguma modernidade, ainda que postiça.
Prezados amigos, vamos utilizar melhor nossa língua e apostar na diversidade de palavras. A gíria "balada" é careta, digamos até cringe, só para citar um termo da moda para os mileniais entenderem melhor. Ninguém precisa falar "balada" para ser moderno, e chegará um tempo em que será até o contrário. Moderno é falar bem, dizer "festa", "noitada", "jantar entre amigos", "paquera".
Por enquanto, vivemos um período de imbecilização social que permite que gírias cretinas sejam usadas. Mas um dia nem o Tribunal da Internet vai conseguir proteger a gíria "balada". Até porque seus integrantes já serão ridicularizados por fazer muito barulho e truculencia em prol de uma simples gíria de burguesinhos.
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