Já dá para perceber, neste país retrógrado dominado por uma carcomida ordem social - a "boa" sociedade de bolsonaristas, "isentões" e lulistas, entre outros similares - , que faz sentido o mercado de trabalho priorizar a contratação de comediantes.
Subestimam a função de um trabalho profissional, a ponto de se aceitar que se faça uma tarefa qualquer nota e, depois, se complemente com a chamada "interação social", com o funcionário caprichando no lado "brincalhão" para "melhorar" um ambiente de trabalho.
E não é só um membro de um grupo de comediantes que, aos 45 anos, inventa uma "muito longa" experiência de jornalista, com passagem em uma dezena de editorias - com estranha ênfase no setor de Economia - e, miraculosamente, conciliar essa suposta atividade com a carreira de membro de uma trupe de humoristas.
Um caso de ambiente tóxico no trabalho gerou tragédia. A jovem Rafaela Drimond, escrivã de uma delegacia em Carandaí, na Zona da Mata mineira, foi encontrada morta aos 31 anos depois de ter revelado denúncias de assédio sexual e moral no trabalho. Em um incidente, um colega de trabalho virou a mesa contra ela.
Há outros ambientes tóxicos. No Rio de Janeiro, por exemplo, tem-se a obrigação do funcionário gostar de futebol. Ele tem que escolher um dos quatro times de futebol carioca - Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco - para interagir com os colegas, ou, na pior das hipóteses, dizer que torce pelo América ou Bangu, os times dos chamados losers.
É válido ser um vascaíno com patrão flamenguista e os dois brincarem de zoar um com a cara do outro, trocando falsas farpas para se divertirem. O que não é permitido é o direito do indivíduo de não curtir futebol, que na maioria dos ambientes de trabalho carioca significa uma chance quase total de entrar na fila das demissões.
Se o futebol, no Brasil, já é uma paixão contaminada por um irrecuperável nível alto de toxicidade, o fanatismo inerente a esse esporte serve, no Rio de Janeiro, como cardápio para piorar as relações tóxicas de um ambiente de trabalho, não só o privado, mas o público, num sistema injusto em que parte dos que são aprovados nos concursos públicos são pessoas que depois vão falar mal das instituições onde trabalham, insatisfeitos com um salário de cerca de R$ 4 mil mais encargos.
Várias denúncias já mostram isso. Briga de âncoras de telejornal na TV Cultura. Histórico de brigas e confusões, inclusive de atrizes partindo para a briga física (não, não é ensaio para briga de novela), de assédios morais e sexuais na Rede Globo. Recentemente, ambiente tóxico na CNN Brasil (cujo sócio é João Camargo, dono da 89 FM, já um ambiente tóxico de produtores arrogantes e esquentadinhos, roqueiros postiços que confundem rebeldia com temperamentalismo).
Mas o caso que chama a atenção nos últimos dias envolve a jornalista Cecília Flesch, demitida do canal Globo News, no qual ela era âncora de alguns noticiários. A jornalista revelou os bastidores da rede que fazem careca querer arrancar os cabelos que não tem.
Tudo começou quando Cecília foi estranhamente demitida, após criar o piloto de um programa na rede de hard news e o programa ter sido bem-sucedido. A demissão teve como desculpa a "reformulação da emissora", mas Cecília achou estranho porque ela, em tese, seria beneficiada na reestruturação.
Falando em um podicaste no Instagram, Cecília também afirmou que o seu novo programa também foi alvo de intrigas diversas. O programa era mal falado nas redes sociais e um membro da equipe espalhou mentiras e calúnias contra um editor do programa e uma outra profissional do mesmo. Mensagens caluniosas privadas foram reproduzidas no ambiente interno da emissora. Ataques chegavam aos níveis de preconceitos racistas, gordófobos e até de intolerância religiosa.
A nova editora-chefe também sofreu quedas no monitoramento da audiência e viu os editores de sua equipe sofrer humilhações e deboches por causa do novo método de trabalho adotado pela chefe. Houve também boicote de entrevistados ao programa e também a proibição, pasmem, imposta a Cecília de que ela não poderia elogiar os colegas de profissão. Cecília afirmou que uma pessoa da equipe foi usada como "peça de xadrez" para promover desarticulação.
Vemos que a ganância, o ressentimento, as disputas pessoais e os conflitos internos fazem do ambiente de trabalho um cenário muito tóxico. A contratação de humoristas para muitas funções "sérias" de trabalho também não resolve, porque num primeiro momento as piadas parecem "boas" e divertem muita gente, mas depois surgem os assédios morais e sexuais que mostram o lado dramático da "interação da equipe", com os risos se transformando em choros traumáticos.
Esse é o Brasil em que vivemos. É impossível o Brasil poder ingressar no Primeiro Mundo, pois sua reconstrução ainda não começou para valer e não foi só Jair Bolsonaro que devastou o Brasil. Temos, pelo menos, uns quase 60 anos de devastação, mas se o sucateamento cultural promovido pela ditadura militar hoje é tratado como "preciosidade" e é até alvo de saudosismo, então significa que a situação do Brasil está ainda pior.
Ou seja, se boa parte dos entulhos socioculturais acumulados nas últimas seis décadas são vistos como "coisa boa", então há mais coisa para ser reconstruída em nosso país do que se pode imaginar. Mas o Lula ainda insiste em fazer política externa, abandonando os brasileiros...
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