Existe uma crença de que, enquanto só a música brega-popularesca mais recente é puro lixo, a música brega-popularesca mais antiga é que "era muito boa". Uma grande falácia, porque sabe-se que tudo que a música brega-popularesca produz é um grande lixo, não venham os "isentões" da análise cultural, espécie de "Monark" da musicologia, relativizar aqui e ali.
Na onda do brega-vintage, que agora começa a envolver o "funk" dos anos 2000, "diferentes" da fase "batida de lata de ervilha" do "funk" atual, a chamada crítica especializada e os chamados formadores de opinião (que estão mais para "deformadores") elogiam o que há de mais antigo usando como desculpas os arranjos (supostamente) "mais elaborados" e as canções "mais divertidas", além de uma memória afetiva do passado que será aqui abordada em outra oportunidade.
No Brasil, há um estranho saudosismo em relação aos anos Geisel (1974-1979) que a "boa" sociedade que domina o bom senso de todos os brasileiros defende de maneira oculta. Ninguém vai defender abertamente um período da ditadura militar, mas é só ver os referenciais que essa nostalgia envolve e localizá-los no tempo e, bingo: para 30% dos brasileiros, "anos dourados" eram a Era Geisel.
Ídolos bregas, "bispos" e "médiuns" religiosos, programas popularescos de auditório, revistas de sacanagem de baixo gabarito (que mostram as tais "brasileirinhas", eufemismo para mulheres vulgares do Brasil que posam para fotos eróticas grosseiras), saudade do piegas, do pitoresco, do suburbano, do jeca, do ruralista, do provinciano, do ultrapassado.
É esse o saudosismo vira-lata enrustido, porque é tanta coisa soando agradável para essa parcela de (de)formadores de opinião que eles não podem considerar isso viralatismo cultural, apesar desta constatação parecer tão óbvia de saltar aos olhos. É porque, por ironia herdando o método de seletividade operacional do ex-herói e hoje vidraça Sérgio Moro, a elite do bom atraso não considera viralatismo cultural as porcarias culturalistas que aprecia, mas apenas uma seleção do que há de raivoso e malcriado no viralatismo estereotipado e manjado em moda no Brasil.
A defesa da música brega-popularesca já foi total e irrestrita, mas veio Michel Temer e Jair Bolsonaro e a "campanha contra o preconceito" acabou se decepcionando com os ídolos "populares demais" que, primeiramente, defenderam a queda de Dilma Rousseff, depois acharam Michel Temer "sem sal, mas melhor do que qualquer coisa petista" e, em seguida, comemorar a prisão de Lula e a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
A coisa tornou-se tão complicada que ficou confortável brincar de "Alta Fidelidade" (ou seja, com base no filme com este nome) e caprichar na falácia do brega-vintage como se fosse "o melhor do saudosismo à brasileira". Com isso, se passou a glorificar a breguice que fez sucesso principalmente entre 1972 e 1997 (no caso do "funk", prolongando até 2007), a ponto de se ter cuidado em criticar esse cenário de precarização musical para não cair nas garras do Tribunal da Internet.
No entanto, sabemos que essa defesa da música popularesca do passado, como um "perecimento às avessas" - quanto mais antigo, mais tido como "genial" e pretensa unanimidade - , tem um motivo oculto que seus apoiadores nem percebem de sua existência. A gourmetização do brega dos anos 1970, 1980 e 1990 não se dá pelo talento dos "artistas" envolvidos, em muitos casos medíocre ou até vergonhoso.
Ele se dá porque tinha uma equipe de arranjadores musicais de plantão.
O arranjador é uma espécie de "cozinheiro" musical, um técnico que "arruma" as canções precárias dos ídolos cafonas do passado remoto (tipo anos 1970) ou das duas décadas posteriores, como nos "divertidos" anos 1990.
Tem até arranjo imitação de folk rock em certos sucessos bregas dos anos 1970. Mas isso não faz o brega ser mais genial ou ter uma refinação oculta, porque os objetivos são sempre pegar tendências musicais obsoletas e montar uma "cultura atual" em cima, dentro da fórmula de aproveitamento de matéria-prima obsoleta do ministro da ditadura e economista Roberto Campos, hoje conhecido como o avô do atual presidente do Banco Central.
No "pagode romântico", é frequente o arranjador compor as canções dos cantores e grupos envolvidos, que praticamente se limitam a "assinar" as canções, que seguem no entanto mesmo cardápio do arranjador, que põe umas estrofes "tipo MPB" para maquiar os refrãos cafonas rascunhados por uma parte dos seus intérpretes. Até o É O Tchan tornou-se "palatável" porque foi o arranjador de plantão que "arrumou" aquelas tosqueiras musicais.
Esses arranjadores já trabalhavam nas grandes gravadoras quando era a MPB autêntica que dominava a cultura mainstream. Mas, quando os emepebistas decaíram por causa do Rock Brasil e, mais tarde, pelo popularesco a partir da Era Collor, os arranjadores, para não perderem o emprego, passaram a comandar equipes de arranjadores para atuar na música popularesca. Nos anos 1970, os arranjadores a serviço da música brega mais antiga estavam ligados à Jovem Guarda, movimento que terminou em 1968.
Portanto, que o pessoal pare de falar besteira ao dizer que brega é "vanguarda" porque isso não tem um pingo de lógica. Brega é tão comercial quanto Roberto Campos, avô e neto, Paulo Guedes e a turma da Faria Lima. Não tem como escapar. Se as pessoas gostam tanto do brega, não agradeçam aos medíocres cantores e grupos que fazem, geralmente, música chorosa ou, em outros casos, alegre em demasia.
Se a música brega-popularesca parece, para muitos, "muito agradável", agradeça aos arranjadores, maestros e músicos de estúdios que procuram fazer com que o comercialismo precarizado dos ídolos da música popularesca não machuque os ouvidos dos apreciadores de música em geral. Em muitos casos, as composições dos ídolos brega-popularescos são meros rascunhos e, em outros, foram os arranjadores que compuseram e os intérpretes só "assinam" o crédito de autoria.
Hoje a música brega-popularesca está tão precarizada que a figura do arranjador ainda existe - ele está a serviço do "sertanejo", do "pagode romântico", da axé-music e do forró-brega mais antigo - , mas desaparece em tendências mais recentes, como o piseiro, o arrocha, o "funk" e outros cuja estrutura musical já vem de um mesmo programa de sintetizador que cria uma mesma base sonora para todo mundo, dispensando os músicos e, por conseguinte, os arranjadores.
Apesar disso, há o risco de um MC Créu da vida virar "genial", se a música brega-popularesca piorar de vez, quando até arroto passará a se tornar sucesso musical. Em todo caso, não é o passar do tempo que irá melhorar a reputação da precarização musical do momento. Os "farofafá" e "tchan" de outrora eram os "créu" de seu tempo, algo que a narrativa pseudo-nostálgica de hoje pretende esconder.
De qualquer maneira, a música popularesca nunca é de boa qualidade, nunca prestou e toda a cosmética de "boa música" que empolga muitos críticos a ponto de caírem na "nostalgia de resultados" do brega-vintage, se deve a arranjadores, maestros ou músicos de estúdio, que procuraram "melhorar" o produto que já vem estragado da fábrica.
Comentários
Postar um comentário