No canal de entrevistas chamado A Praça é Minha, feito pelos apresentadores Arthur Gubert e Rodrigo Cosma, o cantor Rogério Skylab, convidado da ocasião, espinafrou o Rock Brasil, sem poupar os renomados letristas Cazuza e Renato Russo. Vi no portal de rock Whiplash a matéria sobre o podicaste, da qual algumas declarações de Skylab foram reproduzidas.
É certo que ele usa como pretexto a sua rejeição às drogas, que eu também rejeito, e ele comenta com as seguintes palavras: "Evidentemente que a minha relação, meu flerte com a música, passa muito pelo rock. E o rock tem toda uma cultura da psicodelia, da droga".
Dito isso, Skylab vai direto para a música: "Um segmento do rock brasileiro ficou muito careta, encaretou muito, né? Vide hoje algumas bandas. Mas já era careta desde o início. O BRock dos anos oitenta é um grupo de burgueses mimados...".
Gubert resolve mencionar os principais nomes do Rock Brasil, como Capital Inicial, Titãs e Paralamas do Sucesso. A resposta de Skylab: "Filhos de diplomata, filhos de embaixador, muito ruim, tudo muito ruim". As críticas são muito duras e injustas, mas de certa forma compreensíveis.
A coisa pega no pesado mesmo quando os maiores poetas do Rock Brasil, Cazuza e Renato Russo (através da Legião Urbana), são mencionados por Gubert na pergunta dada a Skylab. Pois o compositor vai logo disparando. Sobre Renato Russo: "Muito ruim. Muito ruim. Renato Russo, horrível!". Sobre Cazuza: "Horrível!".
Também considerando outro roqueiro citado, Lobão, como "péssimo", Skylab tenta arriscar uma "reflexão": "O que acontece é o seguinte: esse pessoal - você falou de droga e eu pensei isso agora - esse pessoal que é tudo burguês mimado, eles vem de uma cultura da Literatura Beat. Exemplo: Bukowski. Um cara que vai, toma uísque, toma sua droga, sua psicodelia, vai pelas estradas e tal, muito sexo. Essa é a cultura desse segmento do rock. Eu passo por uma outra linhagem. Eu venho dos construtivistas, eu venho da poesia concreta".
Anteontem, faleceu a brilhante cantora Astrud Gilberto, ícone da MPB bossanovista que também anda igualmente demonizada. Quanto ao adjetivo "careta", o cantor e sósia do Murilo Benício, Rubel, também havia definido o mesmo em relação à MPB. Observando as recentes referências culturais de Rogério Skylab, somos informados de que sua praia cultural é a bregalização musical, dentro de uma corrente da intelectualidade burguesa que acha que a música brega-popularesca é o "Santo Graal" da cultura popular.
No seu perfil do Twitter, esbarramos nas declarações dadas por Skylab em suas postagens, incluindo um elogio ao "deus" da intelectualidade "bacana", o intocável Paulo César de Araújo, cujo livro Eu Não Sou Cachorro Não é considerado uma "bíblia" para essa intelectualidade "mais legal do Brasil":
"A palavra "cafona", usada no sentido negativo, como uma expressão pejorativa, é uma das palavras mais infelizes da língua portuguesa. Muito usada por pessoas ligadas à moda, mas também por artistas e intelectuais.
É como se dividisse o mundo entre o que têm bom gosto e os que têm mau gosto. Resta saber o que num país de terceiro mundo significa mau gosto. Uma velha questão já presente em Machado de Assis.
Paulo César de Araújo tentou mudar seu significado quando abordou a dita música brega ou cafona. Rendeu um bom livro".
Outra amostra do apreço de Skylab à "ditabranda do mau gosto", ele escreveu o seguinte, em seu perfil no Facebook de 02 de maio de 2012, sobre o "brega sertanejo" (uma longa linhagem que vai de Chitãozinho & Xororó a Ana Castela): "Tenho aprendido com o brega sertanejo muitas coisas, inclusive a usar como marketing a agonia de um filho".
Skylab, na verdade, é um nome da chamada "MPB maldita" conhecido pela música "Matador de Passarinho" e foi mencionado até pelo meu ex-colega da UFBA, o músico do brincando de deus e hoje também professor Messias Guimarães Bandeira, o Messias G. B., no programa Radio Days, um dos poucos programas de rock alternativo que existiram numa Salvador que nunca viu, até hoje, uma rádio de rock autêntica local, pois o dial FM da capital baiana é um enorme latifúndio de "coronéis" eletrônicos.
Todavia, Skylab - que se proclama "tradicionalmente de esquerda" - tornou-se um daqueles ressentidos pequeno-burgueses que veem na música brega-popularesca a "tábua de salvação" da cultura popular brasileira, o que é um contrassenso. Músicas medíocres, cantores de ar tristonho cujas vozes variam entre o timbre molenga e o falso operístico, não podem ser consideradas por conta de choradeiras que usam o "preconceito" e o "mau gosto" como pretensas queixas. A música brega e a canção popularesca em geral são, sim, muito ruins.
Numa trilogia marcada por discos como Abismo e Carnaval (2012), Melancolia e Carnaval (2014) e Desterro e Carnaval (2015), Skylab, entre tantos nomes do trigo emepebista, como Jorge Mautner, Jards Macalé, Arrigo Barnabé, Romulo Fróes e Fausto Fawcett, incluiu no elenco o joio brega de Michael Sullivan, o cantor, compositor e produtor que quis destruir a MPB de maneira inescrupulosa, mas recorreu à mesma para tentar, de forma oportunista, retomar a carreira.
Skylab fala que Renato Russo é horrível, que Cazuza é horrível. Nada disso. Horrível é Michael Sullivan, com as músicas pasteurizadas, com seu pastiche de soul music que só é bom para quem vive de complexo de vira-lata e aceita as falsas rimas do compositor e produtor, capaz de "rimar" palavras como "contigo" e "motivo". Isso comprova a péssima poesia do artista canastrão e produtor de apetite ultracomercial que não condiz a falsa imagem de "artista indie" que Sullivan quer forjar hoje.
Devemos nos lembrar que, no plano ideológico, Rogério Skylab fazendo parceria com Michael Sullivan soa algo como, no plano político, João Pedro Stédile fazer parceria com Ronaldo Caiado. É muito constrangedor ver o antes todo-poderoso Sullivan posar agora de "artista independente". Pura hipocrisia.
Skylab, com toda a trajetória de discos experimentais e tendo se tornado uma "unanimidade" entre uma boa parcela da crítica especializada, é até talentoso e artisticamente consistente, mas dá uma dor na consciência apreciá-lo depois de tanto apoio à bregalização musical, como todo burguês esclarecido que se acha "entendedor da cultura do povo pobre", ignorando que a chamada música brega ou cafona nunca passou de mera canção comercial, que só no Brasil não pode ter este crédito.
Como ironizou o cineasta Ruy Guerra no seu modo letrista na música "Não Existe Pecado no Lado de Baixo do Equador", de Chico Buarque, o Brasil é um país "puro", o que significa que, supostamente, não existem as mazelas do comercialismo cultural do cinema e da música. Aqui, até comédias americanizadas da Globo Filmes, com pobres caricatos se metendo em encrencas, reivindicam a herança do Cinema Novo.
A música brega-popularesca, então, nem se fala. Verdadeira máquina de fazer dinheiro, essa categoria musical facilmente encontrável na execução diversa em todos os cantos das cidades, se vale da imagem da pobreza estereotipada, o que permite um vitimismo que faz a intelectualidade e o meio artístico de classe média glamourizarem a breguice musical, sob a desculpa do "combate ao preconceito" (ver Esses Intelectuais Pertinentes...).
É compreensível vivermos num tempo em que o Brasil-Instagram recomenda a todos serem "legais" o tempo todo, e isso se reflete culturalmente. É proibido tocar o dedo na ferida, e dá para entender por que Cazuza e Renato Russo passaram a virar "vidraça".
Versos como "A tua piscina está cheia de ratos / Boas ideias não correspondem aos fatos" e "Nas favelas, no senado / Sujeira pra todo lado" são banidos do imaginário da positividade tóxica, mais receptiva às breguices musicais, principalmente as do passado, por serem estas mais "divertidas" para esse momento de falso amor, em que a "solidariedade" humana é medida pela frequência, comodidade e felicidade com que uma pessoa se reúne com outras para consumir futebol, cerveja e religião, entre outras emoções baratas e positivamente tóxicas.
Essa positividade tóxica já inspira muitas empresas, no mercado de trabalho (não menciono as eventuais exceções, embora estas fossem poucas), a trocar funcionários competentes de visão crítica do mundo por comediantes que "interagem" com os colegas, uma "solução" que parece excelente até, daqui a cinco anos, surgirem denúncias de assédio moral ou sexual cometidos pelos "palhaços de cartão de ponto".
Fico muito aflito com este cenário. Não se pode ter senso crítico, não se pode pensar criticamente na vida. Se há algo errado, se joga debaixo do tapete ou põe para Jair Bolsonaro, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e companhia pagarem a conta.
Essa positividade tóxica dos dias de hoje, a obsessão em ser legal e estar de acordo o tempo todo, é tão ruim quanto o AI-5 da ditadura militar, só que em vez da repressão e tortura, há o desprezo social e profissional, como se aquele que mantém os neurônios atuantes fosse um "pária".
Fico imaginando o quanto a sociedade atual no Brasil, dominada pelos 30% de bem-nascidos que se acham "donos de tudo", querem apenas um "milagre brasileiro" tão festivo quanto o dos tempos de Emílio Médici e Ernesto Geisel, mas com um cosplei do Dom Pedro II no lugar de generais de pijama e faixa presidencial.
Daí a queixa de Rogério Skylab em relação ao Rock Brasil e a complacência do cantor com a breguice musical. Há uma grande saudade de uma parcela da sociedade pelo culturalismo brega da Era Geisel, que "desenhou" o padrão de país de hoje. E muita gente acredita que o Brasil entrará no Primeiro Mundo com esse viralatismo, com uma linhagem que vai de velhos ídolos cafonas aos funqueiros com som de lata de ervilha de hoje, bastando apenas haver mais consumo e mais entretenimento.
Enquanto isso, nossos heróis morrem de overdose, sobrevivendo no passado cultural sem um arranhão de reputação, mas com sangue mesmo e não mertiolate do cancelamento do Brasil-Instagram de hoje, com a sujeira da breguice e da idiotização cultural se espalhando pelas favelas e pelo Senado, por todo lado.
Com esse quadro horrível, não se pode perguntar que país é esse que virou o Brasil. Fiquemos calados, de acordo com tudo, como nos tempos do AI-5, na ilusão de nosso silêncio fazer nosso país virar potência mundial, ainda que às custas de muito consumo, muito hedonismo, mas pouca cidadania e quase nenhuma dignidade. Humanismo verdadeiro virou peça de museu.
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