Estamos num cenário muito estranho. Uma era de positividade tóxica, sob a qual o Brasil nem começou sua reconstrução social e tudo agora está em clima de festa, digamos até demais. Pessoas contando piadas o tempo todo, mercado de trabalho privilegiando profissionais engraçados do que competentes, festas em alto volume perturbando cada vez mais a vizinhança que precisa dormir para repor energias etc.
Tudo parece estar bem, mas não está. Mas não se pode expressar senso crítico nem questionamentos na Internet. Usar o cérebro para pensar na vida é desaconselhável. O momento é só de curtir, vivemos a ditadura do hedonismo. Época de demonizar intelectuais autênticos, que não fazem o tipo do "vitimista que adora brega", e também de baixar a lenha em roqueiros, bossanovistas, solteirões, adultos que vivem com os pais. Se o quarentão vive com a mãe doente para assisti-la, mesmo assim é esculhambado pelas redes sociais.
O momento é bastante tóxico. Tão tóxico que, provavelmente, este e outros textos questionadores publicados aqui neste blogue repercutem muito pouco. O Brasil virou um reino da fantasia, em que as pessoas têm medo da verdade. Todos engajados na busca frenética de uma felicidade ilusória que, também temporária, se luta agora para fazê-la tornar-se permanente, dentro do espírito tóxico de querer ser feliz a qualquer preço.
E por que isso ocorre? É porque o mundo mudou e temos que jogar fora todo o progresso da humanidade porque agora o ideal é curtir, enquanto Lula financia a realização dos sonhos da parcela "mais legal" da humanidade planetária, a "iluminada e esclarecida" classe média abastada existente no Brasil?
A verdade é que vemos a supremacia de uma elite que se ascendeu ao poder social nos últimos tempos e se consolidou no atual governo Lula. Em verdade, é a "boa" sociedade, ou a elite do bom atraso, neta das elites que bradaram pela queda de João Goulart mas que, do contrário que seus avós, não precisa derrubar um projeto político de esquerda, pois agora se pode domesticá-lo e apenas preservar o que existe de inócuo nesse projeto.
Ensaio disso ocorreu já no primeiro governo Lula, quando houve uma sabotagem cultural que fez com que se combinasse um programa político e econômico herdado de João Goulart com um projeto cultural herdado do período ditatorial de Ernesto Geisel. Vide o tal "combate ao preconceito", falácia armada pelas elites intelectuais desde 2002 e que, primeiramente difundido peos veiculos dos grupos Globo e Folha, foram empurrados goela abaixo na mídia de esquerda.
Foi a ascensão de uma classe média que, na época, representou a dualidade de reacionários escancarados, reacionários enrustidos e esquerdistas pequeno-burgueses contemporâneos. Os primeiros viraram bolsonaristas, o do meio se dividiram entre "isentões" e oportunistas de esquerda (dependem das esquerdas para levar alguma vantagem, seja financeira ou social) e os últimos viraram a nata do lulismo nos últimos dois anos.
Esse pessoal compõe os 30% de (de)formadores de opinião, uma elite brasileira que hoje vive não só em clima de positividade tóxica, mas de pleno complexo de superioridade. É um pessoal que tem fobia de senso crítico, a ponto de, até quando ler livros, prefere a leitura anestésica que, na melhor da hipóteses, manda os problemas humanos para longe, no espaço, como nos romances de mocinhas perdidas em florestas sombrias (as "garotas do lago" da vida), ou até também no tempo, como nas sagas de cavaleiros medievais e estudantes vampiros.
Um pessoal que prefere ouvir música brega-popularesca (agora definida pelo eufemismo de "pop brasileiro") do que os hoje demonizados Rock Brasil e Bossa Nova. Falam jargões estranhos, como a gíria "balada" herdada da burguesia da Faria Lima, ou o portinglês dos "doguinhos" e "lovezinhos" da vida e de um tal "body" que agora é o nome dado ao maiô, esta já uma palavra de origem estrangeira.
Tomada de um hedonismo libertino, com apetite voraz para festas, eses 30% contraditoriamente apreciam o obscurantismo religioso não-raivoso e assistencialista (nos níveis de um Luciano Huck, lembremos) das frases piegas de "médiuns" e "madres" ultraconservadores que, de vez em quando, enfeitam a filosofia de araque trazida pelos perfis de muitos "bacaninhas" das redes sociais. Também são capazes de se fixar na monocultura esportiva do futebol, o esporte emocionalmente mais tóxico existente no Brasil.
Trata-se, portanto, de um culturalismo muito estranho, tão vira-lata quanto o viralatismo bolsonarista ou lavajatista, mas nunca assumido como tal. Afinal, a elite mais influente de hoje nas redes sociais se acha a mais legal do mundo", dai que seu culturalismo não pode ser classificado de forma pejorativa e deve ser visto como tão natural quanto o ar que respiramos.
Paciência, essa elite é a que corresponde a 99% dos que consomem redes sociais, transmitindo um conceito de "liberdade" trazido por um variado consórcio midiático - da Jovem Pan à Folha de São Paulo, da Rede Globo à Rede TV!, do SBT às Big Techs de origem estrangeira - , e daí que ter senso crítico e produzir textos nas redes sociais tem o risco de soar pregação no deserto, a não ser que bons samaritanos se interessem em ler textos que contenham uma visão crítica do meio em que vivemos.
É sempre esse pessoal que pouco e importa se o Brasil nem começou a se recostruir já tomou a reconstrução como "concluída", entrando precipitadamente num clima de festa tóxica, de risadas altas, muito barulho, muita cerveja, eventuais cigarros e humilhações contra adultos que moram com os pais e pessoas que preferem ficar em casa nas noites de sábado. É esse pessoal tóxico, tomado por uma sensação doentia de pretensa felicidade, marcada pela facilidade de consumir bens, que domna a Internet e rege o astral positivamente obsessivo do Brasil-Instagram.
É um pessoal que quer mandar no Brasil e no mundo. E que acredita que o Brasil se tornará facilmente potência de Primeiro Mundo, que é uma maneira de dizer para um país aparentemente próspero que na prática será apenas um parquinho de diversões para quem ganha mais de oito salários mínimos e tem depósitos bancários com quantias superiores a seis dígitos. Esse pessoal que dita as rédeas do que deve ser o bom senso e a verdade é que está levando o Brasil para o despenhadeiro.
Afinal, fora do Brasil-Instagram, há pessoas pobres, doentes, tristes, que trabalham duro e não estão dispostas sempre a sorrir e contar piadas. Fora da panela dos 30% de bem-nascidos que se acham "donos de tudo", há um Brasil que escapa de seu controle e que, por enquanto, não aparece nas arenas da positividade tóxica governadas por um presidente de contos de fadas e apelido de molusco. E essa dura realidade vai aparecer, estragando os sonhos egoístas dos "bacanas".
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