SHEILA MELLO E DÉBORA FALABELLA DANÇAM O SUCESSO DO É O TCHAN, "DANÇA DA CORDINHA", NO PROGRAMA ALTAS HORAS DA REDE GLOBO.
Nota-se que, no momento atual, os novos protagonistas da "boa" sociedade lulista vivem um clima de muita arrogância, ansiedade e conformidade. É o clima da positividade tóxica, da obsessão doentia do "sim", da indisposição em reconhecer que algo está errado, como deveria ser em todo cenário de reconstrução.
Afinal, quando o Brasil está sendo reconstruído, depois de devastado por Jair Bolsonaro, é natural que apontemos erros e defeitos. Mas tudo se limita apenas a um maniqueísmo em que o erro só está com Bolsonaro e tudo que estiver fora de Bolsonaro é acerto. E se há um senso crítico que transcende aos limites bolsonaristas, a maioria dos internautas, muitos deles "isentões do bem", vai longo dizendo o bordão: "Lá vem aquele cara que reclama de tudo"...
Temos que conviver com o "novo normal" culturalista vigente há 50 anos. A bregalização cultural agora virou a moeda de troca da Espiral do Silêncio. Para você ser considerado "legal", tem que gostar de "funk", de Michael Sullivan, de É O Tchan, achar Odair José "revolucionário", e sair nos sábados à noite. Se o coitado do rapaz adulto, que vive com a mãe doente, gostar de ficar nas noites de sábado em casa, vendo desenho do Snoopy, lanchando vitamina de abacate com biscoito recheado de morango e ouvindo, depois, um disco da Legião Urbana, esse sujeito tem risco potencial de ser cancelado.
É triste esta situação. O que vemos hoje é preocupante. Sem aqui defender o tempo de Jair Bolsonaro, que foi bastante calamitoso - o Linhaça Atômica foi um dos primeiros a alertar isso - , mas o cenário lulista supera na arrogância dos atuais protagonistas, que soam mais subservientes do que seus pais e avós nos tempos do AI-5 e do "milagre brasileiro".
A bregalização já sabotou os primeiros governos Lula. Aquela cascata de "combate ao preconceito" foi só para vender cerveja, ampliar mercado dos ídolos popularescos e promover a reputação de uma elite de intelectuais de valor duvidoso, mas endeusados dentro da "bolha" que domina o senso comum e dita as rédeas da opinião pública.
Tudo isso para afastar a volta do CPC da UNE e dos festivais de MPB, quando a cultura musical estava conectada com cérebros em perfeito funcionamento. Foi esse aspecto, o dos debates culturais, que foi empastelado e evitou que o primeiro governo Lula se aproximasse do antigo projeto político de João Goulart, pois o padrão de "cultura popular" que passou a ser defendido tem mais a ver com o cenário cultural do Brasil sob o governo de Ernesto Geisel.
De que adianta esculhambar o bolsonarismo se entulhos semelhantes e com o mesmo valor ultraconservador não só permanecem mas são blindados por uma parcela da sociedade que se diz "naturalmente de esquerda", mas é terrivelmente conservadora. O mais irônico é que essa elite "tudo de bom", que se acha "dona de tudo", não quer ser considerada conservadora mas também abomina o senso crítico, por mais que defendesse, da boca para fora, o ato de pensar criticamente.
Isso representa um grande medo e um grande ressentimento, além de um sentimento de apego a zonas de conforto que fazem com que o culturalismo brega permaneça hegemônico. É muito cômodo até mesmo forjar uma nostalgia de mentirinha, como o brega-vintage que parece obra da Rede Globo, devido à exaltação de nomes como É O Tchan, Michael Sullivan e Chitãozinho & Xororó, embora se lembre de "não-globais" como Odair José e Gretchen.
De repente setores dos chamados (de)formadores de opinião passaram a esculhambar a Bossa Nova, o Rock Brasil, a música de qualidade. Tom Jobim, João Gilberto, Renato Russo e Cazuza, Sylvia Telles e Astrud Gilberto, viraram "vidraça". Elis Regina e Milton Nascimento seriam, mas são evitados por uma questão protocolar: Elis é considerada símbolo de empoderamento feminino e Milton é um negro, o que fica mal para os partidários da bregalização falarem mal sem sofrer algum processo judicial.
Estamos vivendo, em vários aspectos, um período terrível, quando não se pode criticar coisa alguma, nem mesmo vizinhos que, do sábado para domingo, fazem festas barulhentas até as quatro da madrugada, perturbando a vizinhança da forma mais perversa e arrogante possível. Temos que aceitar porque o "novo tempo" de hoje é de ficar de acordo com tudo, exceto apenas aquilo que tem o carimbo de Bolsonaro.
O "alto astral" de hoje mostra sua intolerância contra quem pensa a realidade, quem analisa, mesmo com frieza clínica, um problema existente no Brasil e quem tem talento profissional dotado de um "incômodo" senso crítico.
Até no mercado de trabalho surgem problemas, pois a desvalorização do próprio trabalho profissional, hoje visto como atividade "qualquer nota", cada vez mais subestima o talento, vide o que a Rede Globo fez com uma multidão de jornalistas. Espera-se que surjam exceções que, vendo a concorrência viciada, possam contratar profissionais pelo talento e senso crítico, independente da idade.
Tudo agora é "alegria", "senso de humor", "irreverência". Se isso não é um clima de positividade tóxica, então o que é? A felicidade do Brasil poder "facilmente" virar Paraíso e potência de Primeiro Mundo, desde que as pessoas fiquem caladas e satisfeitas, felizes, de acordo com tudo, acreditando que Lula reconstrói o Brasil até quando dá um passeio pelas ruas de Paris.
Isso é muito ruim. Afinal, a demonização do senso crítico simplesmente bloqueia a chance de melhorar nosso país, lamentavelmente substituído por uma obsessão em deixar tudo como está e transformar o Brasil em "potência mundial" mesmo culturalmente e socialmente sucateado. Para a elite do bom atraso, isso já está bom, porque tudo o que ela quer é ver no Brasil as paisagens de consumo e os parquinhos de lazer adulto de cidades arrumadinhas, com economia em ordem, tecnologia e entretenimento à vontade e povo pobre domesticado e atendido com paliativos para não assaltar os "bacanas".
Mas isso pode criar um clima de acomodação e aumentar a arrogância dos lulistas, o que é muito perigoso. A arrogância dos lulistas pode fazer com que os bolsonaristas posem de vítimas e "denunciem" a truculência sofrida, embora sabemos que o bolsonarismo merece, mesmo, uma punição. Mas devemos tomar cuidado com o outro lado, a arrogância dos lulistas com o protagonismo obtido, porque isso pode fazer com que haja brechas para a volta do bolsonarismo.
O pessoal tem que descer do pedestal e aceitar dar voz e vez para quem tem senso crítico, mesmo que ele aponte para erros cometidos pelo próprio Lula. Se as pessoas boicotarem textos dotados de senso crítico, a realidade pode mostrar de maneira ainda mais crua e cruel o que não foi lido nas palavras discriminadas. A arrogância dos lulistas e do culturalismo brega do Brasil precarizado pode custar caro aos brasileiros.
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