A pergunta que se faz é: para que a parcela influente da sociedade brasileira, aquela classe média abastada que se acha dona do senso comum, quer que o Brasil se torne potência de Primeiro Mundo? Claro que isso não é para distribuir palacetes para favelados, pois a "boa" sociedade, tataraneta da Casa Grande escravocrata, não chega a esse ponto.
A intenção é, claro, criar um jogo de aparências, aumentando o status do Brasil para que esses brasileiros bem de vida não passem vergonha quando houver necessidade de viajar para o exterior. Além do fato de que, com o Brasil brincando de ser país desenvolvido, as pessoas bem de vida não precisarão viajar para o exterior o tempo todo.
Dá para brincar de ser Europa sem sair do Brasil, pelo menos de forma a permitir que se possa curtir o Reveillon e o Carnaval sem ter que enfrentar o inverno, mas curtindo o sol de verão no período "certo" de dezembro a fevereiro. As idas ao exterior não se encerrariam, mas seriam apenas eventualidades, tipo ir para eventos da moda, do Coachella à Semana de Moda de Paris.
Desde a ditadura militar a "boa" sociedade viveu sua boa vida. Claro que havia incômodo como ver alguns jovens serem detidos por posse de drogas - e vamos combinar que essa prisão de poucas horas era para os membros dos órgãos de tortura furtarem "baseado" dos "bichos-grilos" - , mas os privilégios sociais sempre permaneceram inabaláveis na sua essência desde os tempos do "milagre brasileiro".
Hoje essa "boa" sociedade se considera "esquerdista desde o berço", mas a verdade é que seus avós foram para as ruas pedir a queda de João Goulart e, no desespero, pediram uma ditadura mais dura, apoiando, no primeiro momento, o AI-5, até reconhecer que esse ato institucional se tornou ineficaz e causou até problemas sociais diversos.
Afinal, para que defender tortura e censura ditatorial se os mesmos propósitos de frear os movimentos sociais e o pensamento crítico podem ser feitos de maneira menos dolorosa, com as pregações de "médiuns" e "madres" calcadas na Teologia do Sofrimento, com a propaganda midiática afirmando que os retrocessos socioculturais em curso são o "novo normal" do Brasil, criando um lobby que vai de empresários a jovens comuns, passando por acadêmicos e estrelas de rádio e TV.
Dá para atingir o mesmo objetivo do AI-5 usando como ameaça apenas o desprezo social e a pressão socioeconômica, alegando que os retrocessos socioculturais envolvem interesses de viabilização financeira, agregação e paz sociais.
Só que esses retrocessos impedem que o Brasil se torne país realmente desenvolvido. O viralatismo cutural enrustido da bregalização, do obscurantismo religioso, da idiotização social, do fanatismo esportivo, do hedonismo etílico-tabagista, da sexualização compulsiva, tudo isso não é considerado oficialmente viralatismo porque a "boa" sociedade brasileira, pelo menos, aproveitou alguma lição do seu ex-herói Sérgio Moro, hoje tornado "vidraça": a seletividade ideológica.
Viralatismo, portanto, se põe na conta do bolsonarismo e da sua cosmética da raiva. O resto pode ser tão vira-lata quanto, mas se tornando agradável para a nossa "classe média de Zurique", esses valores recebem o rótulo de "coisas boas da vida".
Essa sociedade dominante que temos, que se torna "invisível" por mil artifícios que dão a impressão de que ela é "a parcela mais legal da humanidade planetária", nem tem padrão de Primeiro Mundo. Ouvem musica de péssima qualidade, muitos de seus indivíduos são grotescos, detestam o verdadeiro intelectualismo, são culturalmente suerficiais e chegam ao ponto de jogar comida fora, depois de umas cinco garfadas do prato de refeição nos restaurantes e lanchonetes.
Mas como esse pessoal tem uma compreensão de país desenvolvido comparável à de turistas que visitam a Europa, significa que seu "Primeiro Mundinho" já faz parte de sua vidas, pelo menos, há pouco mais de 50 anos. Não há condição para o Brasil, com este cenário cultural degradado, virar país desenvolvido, mas os redutos elitistas existentes nas cidades brasileiras, sobretudo nas grandes capitais, já permitiu há tempos que essa "boa" sociedade brincasse de ser europeia dentro de suas bolhas sociais.
O presidente Lula, que definitivamente decepcionou em seu governo por diversos motivos, tornou-se o "gênio da lâmpada" dessa sociedade abastada que se julga "dona de tudo": dos pobres, o mundo, do futuro, da verdade, etc.
O verdadeiro povo pobre, aquele que não segue o figurino e a etiqueta social das novelas da TV e dos humorísticos em geral, está abandonado, vendo o atual governo realizar tão poucas coisas e todavia fazer toda uma festa com isso.
Dizem que o desemprego caiu, os alimentos ficaram mais baratos, mas o que se vê é muita gente na miséria, crianças pobres vendendo balinhas e sem-teto passando fome. Fora da bolha da pequena burguesia, o Brasil que não pode brincar de ser "Primeiro Mundo" sofre, agoniza, mas também seu drama não cabe no Instagram.
Nas bolhas sociais da pequena burgueia, aí sim tudo é fácil, com um "Primeiro Mundo" de mentirinha que se vê claramente como uma farsa, uma mentira para inglês ver. E isso sob uma trilha sonora que inclui "pagode romântico" e o trap com sua batida de lata de ervilha, animando refeições cuja comida é jogada fora no lixo sem cerimônia, pois a "galera" tem pressa. O problema é saber que pressa.
Vá saber o que essa "boa" sociedade ignorante pensa na vida. Ela brinca de Brasil desenvolvido há mais de 50 anos. Seu "primeiro mundinho" portanto já existe, esse papo de que Lula vai transformar o Brasil em país desenvolvido será a mesma lorota da "nova classe média". Com um país deteriorado social e culturalmente, é impossível nosso país virar potência. O jeito é descer do pedestal e arrumar a casa. Melhor trabalharmos sob o desprezo do mundo do que estar um cartaz passando vergonha mundo afora.
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