Num país injusto e desigual como o Brasil, vemos quanta gente ganhando e tendo sorte na vida sem precisar, ganhando fácil sem sentir o prazer de obter a vantagem conquistada e sem o interesse de tirar o melhor proveito desse benefício que essas pessoas, em sua presunção, defendem não raro de maneira abusiva, injusta e gananciosa.
Temos vários exemplos. É o profissional sem vocação que conquista um emprego numa entrevista, porque esbanja desenvoltura, tem uma boa aparência e uma idade mediana que combine estereótipos de relativa juventude e significativa experiência, não sendo necessariamente um grande profissional, mas somente um profissional medíocre que, no futuro, se apagará da memória institucional do lugar de trabalho, depois do fogo-de-palha do sucesso e do prestígio momentâneos.
E se nos últimos tempos o setor privado está privilegiando o profissional comediante que "brinque" com os colegas e tope passar o domingo vendo futebol com o patrão, o serviço público já prioriza o servidor ranzinza, que reclama da autarquia. O servidor que, atleta de concurso público, faz uma prova como quem não quer coisa alguma, e passa na prova mesmo quando marca as questões na cabra-cega, e resmunga quando ganha vencimentos de R$ 3.500.
O destino dá asas para quem não sabe nem quer voar. Mas quer comprar seu carrão, ganhando até mesmo em loterias e promoções de produtos, levando no mole valores de seis dígitos sem ter a menor ideia no que vai gastar, apenas com a certeza de ser alguma coisa supérflua, enquanto os que precisam de dinheiro para pagar as contas e ter uma alimentação mais saudável, ainda mais tendo familiares doentes, ficam sempre na mão, com dinheiro se esgotando em contas bancárias.
Temos até um magistrado feminicida que, precocemente aposentado, ganha R$ 310 mil por mês. Jogadores de futebol brasileiro atuando no exterior e ganhando valores de nove dígitos, além de ganharem carros e apartamentos de graça. E isso quando os feminicidas costumam ter mais sorte para conquistar novas vít..., quer dizer, novas namoradas, do que muito rapaz gente boa que ainda tem que aturar a humilhação de ter dificuldade de conquista, viver uma vida pacata em casa, cuidar de mãe doente e levar chacota da Internet através do rótulo preconceituoso de "InCel".
Temos celebridades ganhando valores de seis dígitos e ainda se achando pobrezinhos. E subcelebridades ganhando valores de cinco dígitos, e não se fala da monetização de seus canais digitais, mas de patrocinadores e até de contratos para TV, teatro, cinema, música (das piores, diga-se de passagem) e até carreira no boxe (!).
E não falamos nos parlamentares, empresários, magistrados em geral e banqueiros que vivem suas vidas nababescas, com suas quantias financeiras exorbitantes, com seu acúmulo financeiro sem limite, que no Brasil foi agravado pelo golpe político de 2016, pelos desgovernos de Michel Temer e Jair Bolsonaro e pela paralisia socioeconômica do Brasil durante a pandemia da Covid-19.
O jornalista-humorista que abocanha cargos de Comunicação sérios, depois que, comediante de carreira, narrou uma suposta trajetória jornalística mais longa do que sugerem seus 45 anos, não recebe um enorme salário, mas pode evoluir de seus menos de R$ 2.500 reais - que ele aceitou por receber, muito provavelmente, mais grana em outras fontes - para um valor maior, se ele conseguir divertir seu patrão e interagir "legal" com os colegas de trabalho, com piadas e brincadeiras entre cada meia-hora de serviço.
Esse pessoal não tem senso de necessidades humanas. Pessoas que julgam não ter dinheiro para comprar um bom livro de R$ 55 em média, mas têm R$ 500 por mês para torrar com cigarros e cervejas, e muito mais grana para fazer viagens à Europa.
Estamos no Brasil dos que querem demais precisando de pouco e, portanto, obtendo benefícios como se o vento é que lhes desse de presente. Mas isso é apenas um teste para esse pessoal, do servidor que reclama da autarquia para a qual foi aprovado "fácil, fácil" pelo concurso público por ter adivinhado o gabarito e "acertado" até as questões erradas, já que os gabaritos dos concursos públicos quase sempre têm de uma a três questões anuláveis, e outras erradas que deixa-se passar, e que são fruto da falta de noção dos avaliadores.
Enfim, é essa a realidade de uma boa parcela de privilegiados, que abusam de seus benefícios que ganham sem necessidade, premiados por abusos de outras naturezas e da serenidade ocasional de suas ganâncias tidas como "exemplos de vida" num sistema de valores marcado pela meritocracia.
Só que o mundo dá voltas e o Brasil está dentro dele, embora não precisasse ter tanto cartaz nem ter o protagonismo internacional aquém da situação social e culturalmente deteriorada que aqui se vive. Os privilegiados da hora, até pela falta de planejamento do uso de suas fortunas, pela arrogância de suas gananciosas conquistas, pela vaidade das conveniências que lhes favorecem e pelo pouco caso da sorte fácil que eles acham rotineira e sem graça, o que eles têm hoje pode escapar de suas mãos amanhã.
Tenho pena desse pessoal, que não sabe gastar nem guardar dinheiro, sabendo acumular grana, bens e privilégios, até quando seus temperamentos permitirem, antes de surtarem rumo aos exageros de suas liberdades de ação. O problema é que tudo o que eles obtém fácil e não é bem aproveitado, um dia, acaba sendo retirado de suas mãos e espera-se que o dinheiro que foge dos privilegiados de hoje, potenciais miseráveis do amanhã, encontre seu caminho para chegar às mãos de quem realmente precisa. O que o destino dá hoje para os abusadores privilegiados pode tirar deles amanhã.
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