O Brasil tornou-se um país estranho nos últimos tempos. Depois de um 2018 de uma mórbida obsessão em eleger Jair Bolsonaro, com base num pragmatismo sinistro de uma parcela de brasileiros, temos o outro extremo, a eleição de um Lula que já mostrava estranheza faltando a debates na TV, escolhendo aliados fora de sua afinidade de ideias e não dando satisfações sequer aos antigos esquerdistas de raiz.
Porém, nada mais estranho do que, depois de Lula chorar copiosamente pedindo votos em nome da "reconstrução do Brasil", ao começar o atual mandato ele mandar tudo para as favas e viajar para o exterior, na louca aventura de querer ser o líder mundial, sem ter o cuidado de evitar gafes e polêmicas desncessárias. E, até agora, ninguém conseguiu explicar se o Brasil está em reconstrução ou se a reconstrução foi concluída, pelo jeito, sem começar. Uma maquiagem sociopolitica, diga-se de passagem.
Lula cometeu dois atos falhos. Criticou o presidente do Chile, Gabriel Boric, dizendo que ele é "sequioso" e "apressado" por criticar países que não condenam a Rússia pela guerra contra a Ucrânia e pela inexperiência do jovem governante em cúpulas internacionais. E Lula também criticou o Centrão por não querer que essa ala do Congresso Nacional "venha com tanta sede ao pote" para abocanhar ministérios no Governo Federal.
No primeiro caso, Lula é que está sendo "sequioso" e "apressado" em consertar o mundo, quando seu empenho em reconstruir o Brasil é tão fraco e medíocre que, até agora, não conseguiu baixar os juros e não teve coragem de ordenar a destituição de Roberto Campos Neto da presidência do Banco Central. Além disso, a performance de Lula nas cúpulas internacionais decepciona, e muito, pelo pretensiosismo e pela megalomania, por meio de um jogo de cena no qual o presidente brasileiro brinca de "fazer História", achando que o processo de obter o prestígio histórico é igual ao de competir numa gincana escolar.
No segundo caso, Lula, aliás, foi com "muita sede ao pote" nos eventos internacionais, pois o momento seria do presidente ficar somente no Brasil, podendo, na necessidade de comparecer a eventos estrangeiros, enviar representantes de sua equipe ministerial. Em vez disso, Lula, que dá indícios de estar velho demais para seus 78 anos e, além disso, muito doente, não poderia se sobrecarregar como está se sobrecarregando nos últimos dois anos.
E nota-se que a falta de vigor de Lula o faz, eventualmente, cometer exageros e tropeçar em falas e atitudes. Depois de participar da cúpula da União Europeia e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Bruxelas, na Bélgica, ontem, Lula foi para Cabo Verde, na África, conversar com o presidente José Maria Neves.
Agradecendo as parcerias entre Brasil e África nos diversos âmbitos da Economia e prometendo abrir novas embaixadas do nosso país no continente africano, Lula fez um discurso bem intencionado, mas tropeçou no uso das palavras:
"Nós, brasileiros, somos formados pelo povo africano. Nossa cultura, nossa cor e nosso tamanho são resultado da miscigenação de índios, negros e europeus. E temos uma profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país".
A "gratidão por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão" pegou muito mal, e acendeu, mais uma vez, a fúria antipetista momentaneamente adormecida pelas pressões da Justiça contra os bolsonaristas.
É certo que Lula não aprova a escravidão e um dos acertos do seu governo é combater trabalhos análogos ao escravismo que existem em várias partes do Brasil. Mas a obsessão de Lula em falar, discursar e repercutir no exterior faz com que ele se perca e se atrapalhe em muitos momentos. E isso é muito ruim.
Seria preferível que Lula tivesse deixado para o ano que vem as viagens internacionais. O Brasil ainda está caótico e problemático, e os progressos obtidos são muito incipientes e pouco expressivos. Seria necessário reformular não só a Economia, mas também o sistema de valores, cheio de ranços não apenas próprios do bolsonarismo, mas também de 50 anos atrás. E tem gente achando que os resíduos socioculturais do "milagre brasileiro" são preciosidades nostálgicas...
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