O atual cenário político brasileiro é muito estranho. Clima de festa, enquanto se desqualifica a rebeldia, o senso crítico, o pensamento reflexivo. Não se pode sequer ser solteiro, ser adulto cuidando de pais doentes e ficando em casa nos fins de semana, tomando um delicioso chocolate quente com biscoitos crocantes.
A "sociedade do espetáculo" tomou o poder e, com ela, uma visão ao mesmo tempo totalitária e autoritária do hedonismo. A positividade tóxica transformou o Brasil no paraíso da risada, que influi até no mercado de trabalho, pelo menos o setor privado, pois no setor público os "atletas de concursos públicos", depois que abocanham fácil as vagas de emprego, passam a reclamar do trabalho rotineiro que só lhes paga pouco mais de R$ 3 mil.
Com isso, redações jornalisticas se transformaram em palcos para influenciadores ou humorista de stand up comedy. Nas ruas, cada vez mais pessoas riem de maneira alta e estridente, como se fossem crianças peraltas de oito anos de idade. Nos fins de semana, o clima de festa ao som de música popularesca transforma nosso país numa nação que vive em permanente Carnaval.
Até aí, não há problema algum em ser alegre e estar em clima de festa e entrar em surto de gargalhada quando está na rua com os amigos. Mas o problema é que o atual cenário, além de significar um confuso quadro de reconstrução do Brasil que muitos não conseguem explicar se começou, se está em andamento ou se concluiu, mas já rende um clima de comemoração por demais antecipada, de repente se passou a discriminar o pensamento crítico, o humanismo profundo, a rebeldia autêntica e saudável, o recolhimento doméstico.
Lula passou a ter, desde o início da campanha presidencial, um apoio muito estranho. Devido à influência do hedonismo brega-identitário que contaminou as esquerdas médias, os lulistas passaram a se comportar como valentões da escola, combinando um triunfalismo obsessivo com arrogância e agressividade, apesar de, em tese, vivemos em um "tempo de amor e solidariedade".
Em tese, se combate o ódio bolsonarista. Mas a interpretação binária, o raciocínio algorítmico e o juízo de valor maniqueísta fazem com que se combata o ódio com o ódio, mas isso não se limita a esse detalhe. Hoje vários signos e paradigmas do esquerdismo progressista de 60 anos atrás são discriminados, enquanto outros são apoiados de maneira meramente protocolar.
Há uma discriminação, no âmbito profissional, social e até amoroso, de pessoas com sensibilidade emotiva mais profunda e senso crítico mais apurado. A curtição hedonista e etílica, sem medo e sem amor, do Brasil de Lula 3.0 e sua base de esquerda festiva mostram o quanto hoje se rejeita pessoas que realmente têm sentimentos, se indignam, raciocinam, verificam, questionam, se inquietam e contestam.
É discriminado quem está fora da folia de corpos ingerindo álcool em festas e contando piadas e assuntos tolos, enquanto, de braços cruzados, espera Lula fazer algo pelo Brasil. O "amor" dos tempos lulistas de hoje mais parece um "amor" frio, animal, quando muito manifesto com poses de mandar beijos em fotos do Instagram.
Comparemos o cenário sociocultural atual com o de outros contextos de 60, 65 anos atrás. No Brasil de Juscelino Kubitschek e João Goulart, houve um humanismo sociocultural até agora não recuperado. Enquanto isso, nos dois governos Lula já havia uma sabotagem de uma elite intelectual empenhada em perpetuar o culturalismo brega dos tempos de Emílio Médici e Ernesto Geisel, e seus derivados surgidos durante os governos de José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.
E por que isso ocorre? Porque, infelizmente, o projeto lulista, no âmbito cultural, inclui em sua base de apoio muita gente oriunda ou descendente das elites que comandaram o golpe civil-militar contra João Goulart, em 1964. Embora haja diferenças ideológicas aparentes, há o mesmo apetite do uso da palavra "democracia" e as elites são praticamente uma só, com seu sonho de privilégio econômico e sua má vontade com o pensamento crítico e a sensibilidade romântica.
Parece estranho dizer isso. É verdade que o apoio original de Lula inclui gente realmente progressista, incluindo vários personagens de 1968 hoje remanescentes. Mas em contrapartida vieram pessoas "convertidas" ou infiltradas que, originalmente, estavam ligadas ao tucanato, ao emedebismo mais pragmático (ou seja, a democracia liberal do MDB) ou mesmo às elites abastadas beneficiadas pelo "milagre brasileiro". Gente que, em boa parte, havia pedido para Jango sair do poder.
Por isso se nota o quanto os espaços se fecham para quem se emociona de verdade, quem expressa o senso crítico e não se submete ao jogo dos instintos das esquerdas festivas, do socialismo carnavalizado da sociedade do espetáculo à brasileira.
Isso é muito preocupante e mostra o quanto o cenário brasileiro se encontra muito estranho para um contexto em que a palavra "democracia" se torna, mais uma vez banalizada. Ainda que o significado pareça aparentemente diferente, é a mesma carga simbólica que une os vovôs e vovós das marchas da família de 1964 e seus netinhos identitários e festivos do lulismo dos últimos anos.
Se bem que o senso crítico era mais valorizado nos primeiros anos de Castelo Branco do que hoje. Exercer o pensamento crítico não consegue produzir lacração. E, depois das lágrimas de crocodilo pelas mortes de Rita Lee, Zé Celso e João Donato, o pessoal volta à sua rotina das festas etílicas nos botequins, bares e boates ao som da mais rasteira música brega-popularesca.
Comentários
Postar um comentário