Costumo dizer que exceção é como um micro-ônibus no qual as muitos querem que tenha a lotação de um trem-bala. Todos querem ser exceção à regra. A regra quer ser exceção de si mesma. E num Brasil afundado de muito pretensiosismo e falsidade, todos querem ser reconhecidos pelo que realmente eles não são.
Na burguesia e, principalmente, na elite financeira, temos uma brilhante exceção que é o cineasta Walter Salles, de uma obra humanista e progressista. Por uma questão de vínculo familiar, Walter é membro de uma família de banqueiros, acompanhou o auge da carreira do pai, Walther Moreira Salles - do qual herdou o nome, acrescido da palavra "Júnior" - , e é uma das pessoas mais ricas do país.
Mas Walter Salles é uma grande exceção à regra, e o seu cinema tem uma proposta de lançar questões que ele mesmo tem em mente, indo do documentário sobre Chico Buarque ao recente drama sobre Rubens Paiva, Eu Ainda Estou Aqui, passando por temas como a geração beat e a juventude de Che Guevara, pautas muito "difíceis" para sua elite, que nem mesmo um oportunista como Luciano Huck ou o "domador de roqueiros" João Camargo, da Esfera Brasil, cogitariam em encarar.
Walter é um cavaleiro solitário da sua elite e é uma exceção muito forte à regra, pois seu cinema conta com uma sensibilidade natural que demonstra que ele, como cidadão e figura humana, procura pensar fora de sua órbita elitista, procurando captar problemas sociais bastante complexos e convidar a sociedade a refletir e debater.
Isso é muito diferente da burguesia de chinelos e de um sem-número de oportunistas que talvez ficassem felizes por ver Rubens Paiva, Vladimir Herzog e Zuzu Angel (aqueles na prisão, esta num atentado disfarçado de acidente de trânsito) mortos, mas hoje se escondem sob os paletós azuis de Lula, infelizmente sob o consentimento dele, que busca reforçar a base de apoio pela quantidade e não pela qualidade.
Vemos hoje o negacionista factual sendo o porta-voz da burguesia dissimulada, que se esforça em promover o boicote ao pensamento crítico. Esse boicote é um escudo para essa elite bronzeada se fingir de humanista e manter seus privilégios de maneira oculta, enquanto falam português errado e vão para biroscas e campos de várzea para fingirem que são "gente como a gente".
Muitos querem embarcar no prestígio humanista de Walter Salles e "roubar" as virtudes que são próprias da pessoa dele. O que o negacionista factual não quer que todos saibam é que, nesse campo imenso chamado Brasil, os lobos e raposas do golpismo "clássico" hoje se escondem entre galinhas e ovelhas do progressismo sociopolítico, enquanto isolam as hienas do bolsonarismo que levam a culpa até mesmo pela Era Glacial da Pré-História.
Afinal, o negacionismo factual é uma arma que os "isentões do bem" utilizam para evitar que saibamos o que eles fizeram nos verões passados. Ver um filhote da ditatura militar que hoje posa de "esquerdista" ser denunciado como alguém que, na juventude, não suportava ver a cara de João Goulart na sua frente, dói para a elite que hoje quer se passar por "boazinha".
É por isso que o Jornalismo andou decaindo, houve demissão em massa de um lado, na mídia corporativa, e no outro, a domesticação de jornalistas de talento autêntico mas que, na mídia alternativa, passaram a ser tietes de Lula e a "ressignificar" o golpe de 2016, passando pano no "pacote de maldades" de Michel Temer. E, no meio disso tudo, comediantes e influenciadores posando de "jornalistas" sob a desculpa de que "também comentam os fatos do dia".
Por isso a máquina de fake news está sendo reaproveitada apenas retirando os resíduos ligados ao período bolsolavajatista, de maneira que continuasse protegendo os antigos filhos dos golpes do passado, mantendo os privilégios dos mesmos donos do poder que, agora, querem se apropriar das virtudes de um indivíduo diferente para se promoverem às custas destas qualidades.
Mas lembremos que não se acha um Walter Salles em qualquer bar da esquina, em qualquer boate descolada ou em qualquer ponto da moda no Itaim Bibi, no Baixo Gávea, na Barra da Tijuca ou em Fernando de Noronha.
Não é qualquer burguês folgazão, de camiseta, bermudão e chinelos ou sapatênis, que, do alto do seu SUV, se acha "pobre" porque fala português errado, que irá representar as mesmas qualidades que o cineasta filho de banqueiro possui, como exceção à regra.
O cinema de Walter Salles, aliás, fala de um Brasil que poucos conseguem enxergar. É um Brasil que, portanto, não deve ser confundido com o culturalismo brega-identitário e o clima festivo de hoje. Tem gente fazendo carnaval com a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro 2025, mas ela protagonizou um filme trágico, não é para ficarmos pulando, brincando e dançando. Fernanda personificou a viúva de um político que, num passeio de família, foi capturado por militares para ser preso, torturado e morto.
Portanto, é um alegre passeio de família que foi interrompido de maneira trágica, com o agravante de que o paradeiro de Rubens Paiva nunca foi divulgado pelos militares da época à sua família. Isso é motivo de reflexão e não de festa. Mas se até a reconstrução do nosso país se deu com mais festa do que trabalho, vá entender o astral da "boa" sociedade brasileira hoje em dia, sobretudo a burguesia de chinelos invisível a olho nu.
Enquanto isso, Walter Salles fica na sua, se empenhando em oferecer temas para reflexão e debate na sua excelente obra cinematográfica. Bem faz ele com isso.
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