Não bastasse o mês perdido do começo do governo Lula, quando o presidente se preocupou apenas em se blindar, se promover e desmontar o bolsonarismo, o presidente já começa a sofrer a pressão da frente ampla que ele formou para facilitar sua vitória eleitoral, que já foi apertada.
Acreditando liderar um "movimento de reconstrução da democracia", Lula, que ao que parece atende mais aos impulsos de sua vontade, imagina que ele pode se aliar à direita moderada e fazê-la atender às pautas progressistas. Cada vez menos Lula está se mostrando um habilidoso negociador, pois ele está mais cedendo do que impondo, apesar de seus impulsos e de sua teimosia pessoal.
Uma das contas que Lula tem que pagar é abrir mão de pautas progressistas. O presidente está abrindo mão delas, uma a uma, se aproximando de um perfil dito "de centro". Lula acabou se tornando uma espécie de "Michel Temer" mais humanitário, preferindo mais as articulações políticas do que em fazer um projeto realmente progressista.
A coisa é tão grave que até a maior obsessão eleitoral de Lula, o "combate à fome", que o fez fazer todo aquele espetáculo de choradeira na campanha presidencial, foi alvo de procrastinação, pois o começo do governo não mostrou uma iniciativa neste sentido. Tudo porque Lula se preocupou somente em zelar por sua imagem pessoal, se blindar politicamente e desmontar as marcas do bolsonarismo.
Lula não vai revogar a reforma trabalhista. Isso eu já havia avisado. Ele vai revogar o teto de gastos públicos, mas dentro de um limite aceito pelos neoliberais. O salário mínimo, que seria reajustado para um índice já medíocre de R$ 1.320, 108 reais a mais do que o salário atual, vai ser de R$ 1.302 (apenas 90 reais a mais do que o atual), e além disso o reajuste só será implantado em maio, ou seja, são quatro meses de sofrimento para os trabalhadores.
O presidente também enfatizará a Parceria Público-Privada, provavelmente não como um meio de fazer a iniciativa privada apenas investir dinheiro em projetos comandados pelo Estado, mas em obter uma parcela de lucro que, no caso de sócios estrangeiros, irá migrar para o exterior, trazendo benefícios menores para os brasileiros.
A Parceria Público-Privada é uma das bandeiras do vice-presidente Geraldo Alckmin, neoliberal que se juntou a Lula sem no entanto demonstrar claramente que mudou nem ter a necessária autocrítica por sua trajetória lamentável desviando para seu patrimônio pessoal verbas para a merenda nas escolas públicas, reprimindo movimentos trabalhistas e estudantis e ordenando a destruição de um bairro popular, Pinheirinho, em São José dos Campos, que rendeu até denúncia como crime contra os direitos humanos, enviada para instituições internacionais do nível da Anistia Internacional.
Agora o decepcionante Lula, prestes a fazer deste mandato o pior dos três, irá abrir mão de outra promessa sua, a de cobrar impostos dos ricos. Nunca levei a sério essa promessa, tamanhas as alianças de Lula com o "mercado", mesmo fingindo brigar com ele. Sei que Lula não vai cobrar impostos dos ricos, mas agora ele ganhou um "estímulo" para tal renúncia.
O empresário Abílio Diniz, um dos porta-vozes da "Faria Lima" - apelido dado a um grupo de empresários paulistas muito ricos e poderosos, entre os quais João Camargo, dono da "rádio rock" 89 FM - , comentou sobre a necessidade da reforma tributária, também outra bandeira que Lula trabalha sob influência de Alckmin.
Diniz reagiu categórico à hipótese de cobrar impostos dos mais ricos. "Tenho receio de uma reforma tributária Robin Hood", disse o empresário, em alusão ao famoso personagem que roubava dos ricos para dar aos pobres. A declaração foi dada durante uma palestra no banco Credit-Suisse, aqui em São Paulo.
"A tributação de dividendos deve ser feita acima da pessoa jurídica, para haver compensação. Não sobre a pessoa física. Tenho um pouco de receio de como vão fazer a reforma tributária", disse Diniz. Ou seja, Diniz quer que os impostos atinjam a pessoa jurídica, sem afetar as fortunas dos empresários, apenas as finanças das empresas. Este modelo influi no comércio, atingindo produtos e serviços, pesando mais nos bolsos da freguesia, do cidadão comum e dos empregados.
O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aparentemente prometem um outro sistema de cobrança de impostos, mais progressivo e voltado a tributar os mais ricos. O cartunista Renato Aroeira, conhecido por sua passagem em O Globo e hoje no Brasil 247, explora essa temática através das reflexões de sua personagem Niara, uma menina favelada.
No entanto, como Lula tem que pagar dívidas políticas da frente ampla, ele terá que ceder de alguma forma. É provável que Lula não cobre impostos dos mais ricos, até para dar satisfação àqueles que mais lhe deram apoio na campanha presidencial. É possível que Lula e Haddad criem meios alternativos de desonerar a carga tributária sem afetar as grandes fortunas. Lula já disse, mais de uma vez, que em seus governos "os empresários enriqueceram mais".
As classes trabalhadoras estão há muito decepcionadas com o petista e se sentindo traídas ao ver a chapa formada com Geraldo Alckmin, evitaram o número 13 nas votações. Os trabalhadores, hoje, veem Lula como um pelego. A maioria dos eleitores de Lula, nos últimos anos, se situa entre os grupos identitários e as elites neoliberais, pois as bases populares se sentem abandonadas pelo petista.
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