A DESPOLITIZADA MÚSICA DE BELL MARQUES TAMBÉM ESTÁ NO CARDÁPIO DA "MÚSICA ENGAJADA" SONHADA PELAS ESQUERDAS?
As esquerdas médias, na tentativa de compensar as falhas do culturalismo popularesco de 2003-2014, que tirou as classes populares do debate público, que, isolando os dirigentes e ativistas de esquerda nas discussões do futuro do Brasil, deixaram-os vulneráveis ao golpe político de 2016, apelaram para uma escolha bastante equivocada: "politizar" os eventos popularescos.
Sim, isso mesmo. Aqueles nomes popularescos, vários claramente despolitizados, sendo vistos pelas esquerdas médias como "cantores de protestos", como dublês de Bob Dylan vivendo seus quinze minutos de fama como "engajados", sem motivo lógico que se pudesse imaginar.
Já não basta ter que suportar, nas redes sociais, a arrogância de um público em maioria jovem, mas também de gente não tão jovem assim, como adultos de 40, 50 anos ou mais, que ficam gourmetizando seu gosto musical achando que a música popularesca, podendo ser a axé-music, o "funk", o "sertanejo", o brega mais antigo etc, são tendências "vanguardistas" ou "vintage", no caso de estarem no sucesso há muito tempo.
São pessoas que abusam do direito de gostar de músicas e ídolos de valor duvidoso e, no seu julgamento de valor, acham que eles são a "oitava maravilha do mundo" ou "a salvação da humanidade". Pode ser Odair José, Bell Marques, Chitãozinho & Xororó, o É O Tchan, o Pabblo Vittar, a Valesca Popozuda etc, que os elogios são exagerados e a idolatria, cega e intransigente.
Não se pode questionar esse público, sem sofrer o risco de ser linchado pelo "tribunal da Internet" nas redes sociais. E agora voltamos a 2005-2007, quando os fascistas digitais usavam a fantasia de pretensos esquerdistas, antes por questões protocolares, quando ser jovem (e rebelde) e de direita era uma combinação impensável, hoje é uma questão de sobrevivência, pois ninguém quer ficar com o ônus do terrorismo de 08 de janeiro.
A gente percebe que as falhas do culturalismo brasileiro são muito piores do que se imagina. É simplório atribuir os males do culturalismo tão somente ao noticiário político, ou, quando muito, a tudo aquilo que representa hidrofobês, atualmente associado ao bolsonarismo. Mas o viralatismo cultural envolve muita coisa tida como "legal", "agradável", e os tempos atuais do não-raivismo complicam ainda mais as coisas.
Pois, agora, com o não-raivismo, tudo que é "agradável", mesmo maléfico, é defendido com unhas e dentes pela "boa" sociedade, incluindo setores das esquerdas médias. O "novo normal" é ouvir a música brega-popularesca, pois até mesmo os antigos ritmos autenticamente do povo pobre, como sambas, lundus, baiões e catiras, foram "sequestrados" pelo público mais elitista. Triste ver Paulinho da Viola tratado como um "estrangeiro" na Madureira que o criou.
Mas se tudo é agradável, mesmo nocivo, vale tudo. E temos a choradeira intelectual sobre o "funk" surgindo volta e meia, sempre com aquela narrativa "etnográfica" e "socializante" que soa própria de um pensamento burguês paternalista, mas que, através da ideologia do "pobrismo", faz com que as elites intelectuais pró-brega se julguem "mais povo que o povo" e se autoproclamem "especialistas em povo pobre", como se só eles, e não os pobres, fossem capazes de entender o povo pobre.
Vivemos a supremacia de uma elite do atraso que não quer ser conhecida com este nome. Uma elite que se acha "generosa" e, agora neste tempo inaugurado pelo novo governo Lula, a pequena burguesia "ilustrada" agora tem a "verdade" em suas mãos, sua visão de "justiça social" é a do povo pobre obediente, que aceita as decisões "de cima" e, em vez de fazer passeatas de protesto, faz micaretas ou reza para Deus para que seus problemas sejam resolvidos, e ainda assim de modo paliativo.
Paciência. São os tataranetos da geração da Casa Grande, que apenas mudaram os métodos de dominação do povo pobre, substituindo o "poder duro" dos antigos chicotes e ferros quentes nos corpos dos escravos para uma domesticação e infantilização, no máximo nível possível, do povo pobre, aliviando a dor da miséria sem no entanto trazer a cura para essa doença social.
Por isso, preferem que o entretenimento popularesco e, recentemente, do da axé-music, se convertam em falsos momentos de "conscientização política", sempre dentro de uma perspectiva identitária e festiva, confundindo justiça social com hedonismo lúdico, como se a mera diversão, como um fim em si mesma, fosse tudo na vida. Só que os valores sociais edificantes a serem zelados acabam ficando em segundo plano, quando não descartados.
O entretenimento popularesco, seja no Carnaval, seja no "baile funk" ou nas vaquejadas e outros eventos, é apenas uma expressão de fenômenos comerciais, do consumo de emoções e instintos. Não dá para gourmetizar, fazer um monte de bobagem para dizer que "isso é vanguarda" ou "isso é vintage". Tudo isso é mainstream, é establishment, é comércio e mercado.
Não dá para fazer conscientização política, até porque os ídolos popularescos não têm o mesmo compromisso engajado que os antigos ícones do folk e do rock clássico dos tempos do Woodstock original de 1969 tiveram.
As esquerdas precisam parar com esse pretensiosismo de "politizar" a música e o divertimento popularescos. E os internautas deveriam calçar os sapatos da humildade e achar que o que gostam é meramente comercial e representa apenas um consumismo simbólico de emoções e instintos. Se continuarem fazendo linchamento digital para fazer prevalecer suas convicções, esses internautas só sairão perdendo, como a antiga turminha que atuou na truculenta desordem do 08 de janeiro.
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