Quem é mais informado das coisas sabe que o "funk" simboliza aquela pobreza idealizada dos sonhos da burguesia. O pobre inofensivo, vitimista, que apenas quer ter seu espaço nos quintais da democracia burguesa, mesmo criando simulacros de "subversão", "mobilização" e "ativismo político", dentro dos clichês do espetáculo identitarista.
Isso fez e continua fazendo com que o "funk", um ritmo marcado pela precariedade musical e pela mediocridade cultural, tentasse desesperadamente se gourmetizar, sob o apoio da "boa" sociedade, a elite do atraso que não quer assim ser conhecida. É o chamado "marketing do coitadismo", que faz o "funk" ser bastante conhecido por sua campanha vitimista, sua choradeira às vezes temperada com o "papo-cabeça" de uma elite intelectual solidária.
O mais recente apelo do "funk" vem de um coletivo chamado Funkeiros Cults. Seu idealizador, Dayrel Teixeira, de 23 anos, promoveu uma exposição na qual modelos fotográficos ligados ao entretenimento funqueiro adaptam quadros da pintura clássica para o contexto do ritmo brega-popularesco. A ideia pretensiosa tem como pretexto vincular o "funk" à chamada "alta cultura", sob o pretexto de "mostrar que o jovem da periferia não é ignorante".
"O meu objetivo é incentivar e conversar com a juventude periférica sobre a importância da arte e da literatura. Eu faço o trabalho de mesclar a arte com a cultura periférica para incentivar a galera a se aproximar. Quero mostrar que o jovem da periferia não é ignorante", disse Dayrel.
Ele acrescenta: "Eu acho que as pessoas precisam olhar com outros olhos para a periferia, olhar com os olhos das pessoas que moram aqui. Nas vezes que eu tentei frequentar lugares culturais, bibliotecas e museus, eu me senti muito deslocado. Parece que eu estou afastado, deslocado. Sendo que é um direito meu, de todos nós brasileiros. A periferia merece estar dentro dos espaços culturais".
Quadros como A Criação de Adão, de Michelangelo, Mestiço, de Cândido Portinari, Os Amantes, de René Magritte e As Lições de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt, foram adaptados em fotografias construídas no contexto funqueiro. Algo muito pretensioso que não creio que vá contribuir para o fortalecimento do interesse do povo pobre pelo aperfeiçoamento cultural.
Em primeiro lugar, o povo pobre teve e tem outras condições de aprimorar sua cultura que não passe pelo ritmo popularesco do "funk", este marcado pela precariedade cultural e pela negação da própria cultura, uma vez que o ritmo, também conhecido como "batidão" e "pancadão", sempre se fundamentou no rigor estético inflexível que só mudava de tempos em tempos.
O "funk" sempre discriminou a figura do músico, do instrumentista, do arranjador. Nunca teve um baterista ou um percussionista, mas uma mesma batida eletrônica monocórdica que era padrão para todo mundo. Era uma mesma batida para todo o "funk" a cada temporada. Ultimamente, a batida usada pela atual geração do "funk" é um sintetizador imitando o som de uma lata de conservas forjando batida de percussão indiana.
Não há como levar a sério. Até porque o "funk" representa um estereótipo de "povo pobre" que a burguesia gosta. Um povo domesticado, a serviço de um mercado identitário e ao "bom" etnocentrismo das elites intelectuais. O "ativismo" funqueiro é apenas um golpe de marketing e essa "exposição" é mais um dos inúmeros apelos, ao mesmo tempo pretensiosos e coitadistas, que o "funk" faz para se promover. Tudo uma grande propaganda enganosa, que não contribui para o verdadeiro progresso do povo.
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