Iludida com as armadilhas trazidas pelo não-raivismo, a doutrina que supostamente supera o pesadelo bolsonarista - com o perigoso erro de atribuir exclusivamente a Jair Bolsonaro e seus séquitos as qualidades malignas da humanidade - , a sociedade brasileira em geral se deixa levar pela mística da elite do atraso que não quer ser assim chamada.
Com o não-raivismo, se aposta numa democracia "qualquer nota", numa mal-disfarçada manutenção de valores retrógrados, vários deles próprios dos tempos da ditadura militar, outros oriundos de velhas heranças do período do Brasil colonial ou, então, do Segundo Império. São valores conservadores, retrógrados, em muitos casos malignos, mas que ganham o carimbo de "modernos" e "progressistas" porque seu discurso evita o formato raivoso e intolerante do hidrofobês, o idioma do ódio.
A Teologia do Sofrimento, por exemplo, que é uma das raízes do pensamento nazi-fascista europeu, no Brasil tem fama de ser, erroneamente, uma doutrina religiosa "progressista". Isso se deve porque sua narrativa é quase sempre dócil, suave, e investe na promessa de "vidas melhores no futuro". As esquerdas médias mordem a isca e chegam a confundir a Teologia do Sofrimento com a Teologia da Libertação, quando uma é extremamente oposta à outra.
A raiz da Teologia do Sofrimento remete ao Livro de Jó, no Antigo Testamento da Bíblia, lembrando que o Antigo Testamento é fonte do pensamento conservador das seitas neopentecostais e, por conseguinte, das bases ideológicas do bolsonarismo. Foi através desse livro que veio o termo "holocausto", entendido como "sacrifício humano" e hoje associado a um crime que causou um sério trauma na humanidade mundial, pelos seus resultados chocantes cometidos pela violência nazista.
A Teologia do Sofrimento, que norteou o pensamento do Catolicismo medieval e, depois de séculos de esquecimento, ressurgiu no século XIX através de Santa Teresa de Lisieux, se popularizou através da ultraconservadora Madre Teresa de Calcutá, lamentavelmente cultuada por setores das esquerdas brasileiras.
Apesar de sua raiz católica, a religião que mais abraçou a Teologia do Sofrimento foi o Espiritismo brasileiro, através de um suposto médium, reacionário e farsante, pioneiro na literatura fake por conta de uma constrangedora antologia poética de 1932, chamada de "Párnaso" numa época em que o Parnasianismo estava obsoleto.
O tal "médium da peruca", mas que no fim da vida parecia uma versão real life do Eustáquio de Coragem O Cão Covarde (Courage de Cowardly Dog), pregava ideias medievais, ultraconservadoras, e tornou-se suposto símbolo de caridade humana através de uma narrativa plantada pela ditadura militar. Daí que muitos idiotas imaginam que esse "médium" charlatão "viveu pela caridade", quando se vê que nenhum progresso real aconteceu no Triàngulo Mineiro, onde o retrógrado religioso encerrou seus dias.
O Espiritismo brasileiro precisa ser investigado seriamente, sofrer uma devassa porque suas bases religiosas não foram as de Allan Kardec, mas as do seu rival Jean-Baptiste Roustaing, inspirador das ideias do retrógrado "médium" de Uberaba. E Kardec falava dos "inimigos internos do Espiritismo", em sua mal-compreendida bibliografia, e infelizmente a religião brasileira foi justamente moldada e montada por inimigos internos e traiçoeiros.
O que o brasileiro médio entende como "inimigo interno"?
Nesta gramática maniqueísta do raivismo e não-raivismo, "inimigo interno" não passa de um estereótipo caricato e simplório. Entendem que o "inimigo interno" é aquele sujeito de ar sombrio, de poucas palavras e olhar sinistro, que fica escondido por trás de uma roda de pessoas, ouvindo quieto seus segredos para depois armar perigosas intrigas.
O estereótipo do "inimigo interno" é tão simplório que se associa a pessoas que mal conseguem sorrir e, antipáticas, mal conseguem dar uma palavra de afeto, com seus sorrisos secos e sua dicção caricatural de coveiros de filmes de terror. Muitos imaginam os inimigos internos tão "distantes" que, na verdade, acabam soando mais inimigos externos do que internos.
Enganam-se as pessoas que acreditam nesse estereótipo. Iludidos com as armadilhas do não-raivismo, acreditando que tudo o que parece dócil, suave e amigável é necessariamente "bom", as pessoas ignoram que as pessoas mais traiçoeiras são aquelas que adotam um tom de fala mais macio. Ninguém atrai o peixe usando porrete ou jogando veneno, mas usando uma isca de profundo agrado à vítima. Na infância, a lenda do "homem do saco" pressupõe um homem com retórica infantil para atrair as crianças que pretende sequestrar.
No Espiritismo lamentavelmente feito no Brasil, os maiores inimigos internos são os "médiuns", queiram ou não queiram seus seguidores, que se assustam com tal atribuição. É porque são pessoas que traem os princípios originais da Codificação, e não sejamos ingênuos clamando pela "caridade" de tais pessoas.
Essa "caridade" só pode ser um agravante, por servir de um traiçoeiro meio de abafar denúncias contra esses usurpadores da boa-fé humana, farsantes da fé que, com seu papo macio de "vida melhor", se promovem às custas da desgraça humana. E lembremos que essa "caridade" não traz resultados concretos, trata o povo pobre como se fosse um bando de animais domésticos, e a "boa" sociedade acredita cegamente numa filantropia que, na verdade, é fajuta e não melhora a vida dos mais aflitos.
Não é pesado nem ofensivo dizer que tais "médiuns" são inimigos internos da Codificação. Pelo contrário, farsantes devem ser considerados pelo rigor do nome que os define. O "médium da peruca" morreu em 2002, após a fraudulenta Copa do Mundo na qual a CBF praticamente "comprou" o Penta diante de um desempenho vergonhoso da Seleção Brasileira de Futebol (mais tarde, ninho de muitos bolsonaristas). Dois outros farsantes ainda estão vivos, atuando em Salvador.
Todos descumprindo a Codificação, por vários aspectos: uso de nomes famosos para créditos fake de obras mistificadoras (de puro sensacionalismo religioso), suposta proteção de "espíritos mentores" autoritários (o que indica que esses "mentores" são espíritos de baixo nível moral), uso de palavras "sublimes" para enganar as pessoas e uso de pretensa sabedoria para intimidar os fiéis. E tudo isso "igrejificando" os ensinamentos de Kardec, originalmente mais próximos da Ciência.
São coisas chocantes e realistas, e que cabe serem consideradas e impulsionar investigações profundas. Passar pano em "médium" é inadmissível e pode causar azar para o complacente de plantão, traído pela atração mórbida que tem dessa falsa beleza, tipicamente de gente ressentida, frustrada e invejosa, desse Espiritismo brasileiro cujos palestrantes incluem físicos frustrados, romancistas incompetentes, juristas medíocres e até donas-de-casa idosas metidas a "especialistas científicas".
É gente incapaz de desenvolver a inteligência que se protege no verniz de inteligência oferecido por esse "kardecismo" sem Kardec, mas com o "espiritualismo" de chiqueiro e sua pedagogia do "chicote", adoçando corações com a "chicuta" que faz muita gente chorar de comoção, na masturbação pelos olhos da emotividade espetacularizada, diante das sombrias narrativas desse Catolicismo medieval com botox que é o Espiritismo feito no Brasil.
Os inimigos internos são bem mais simpáticos, efusivos e animados que se imaginam. Devemos parar de medir o mal pelo senso de humor. Os homens que cometem feminicídios conquistam suas futuras vítimas com muita descontração, senso de humor e simpatia, sendo os "piadistas da boate" nas vidas noturnas que muitos acreditam serem "paraísos da fraternidade", como se rodadas de cerveja fossem render sempre amizade, confiança e afeto, o que é um terrível engano.
O bolsonarista Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, começou a carreira como um dos roqueiros mais divertidos do nosso país. A bolsonarista Regina Duarte era a mocinha meiga e cativante das novelas dos anos 1960 e começo dos anos 1970. A bolsonarista Ana Paula Henkel era uma morena muito atraente, e, através do esporte, pregava um ideal meritocrático não muito diferente de nossos "espíritas".
Por que um "médium" não pode ser considerado um reacionário, um obscurantista, um retrógrado medieval? A fé humana não tem o direito de se sobrepor à razão nem à realidade, sob pena de gerar, no futuro, traumas e até demência mental.
Temos que ver as armadilhas da não-raiva sob vários aspectos. Devemos superar o bolsonarismo, pois chegará um tempo em que parecerá prosaico demais definir o "mal" como algo próprio dos bolsonaristas. Não, não é. E muita gente traiçoeira aparece sob o verniz de "progressista", falando macio, sorrindo e oferecendo um abraço afetuoso. Como nos feminicidas que, na primeira conquista, são homens cavalheiros, descontraídos, autoconfiantes e simpáticos.
Se o Brasil continuar a medir as coisas pelo senso de humor, pelo maniqueísmo fácil da raiva versus alegria, cairá em abismos perigosos iludido pelos discursos macios, pelos sorrisos benevolentes e pelos abraços cordiais que, em muitos casos, escondem intenções malignas de qualquer espécie. A realidade é muito mais complexa do que sugere um imaginário muro separando pessoas sorridentes de pessoas zangadas.
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