SUBÚRBIO FERROVIÁRIO (NA ÉPOCA, COM SERVIÇO DE TREM, HOJE DESATIVADO E ABANDONADO), ONDE A MAIORIA DOS NEGROS POBRES RESIDE, MUITOS ÀS COSTAS DOS DADOS ESTATÍSTICOS.
Desconfia-se que, por trás de tanta ilusão estatística, Salvador tenha uma maioria masculina em sua população. Embora essa informação seja considerada "absurda", pois o mito da "cidade-mulher" da Cidade do Salvador, ela faz sentido quando se vê, nos subúrbios, grandes quantidades de homens, negros e pobres, cujo grande número se confirma nos ônibus superlotados que servem áreas suburbanas.
O lado sombrio de Salvador, oculto pela mística "feliz" do Carnaval da Bahia e sua "alegria" oferecida como produto de consumo, junto ao sexo, no qual o simples "beijo na boca" é uma mercadoria simbólica, há um racismo de uma classe média branca e burguesa que prevalece sobre uma imensa maioria de negros pobres que, homens ou mulheres, vivem na capital baiana sem poder ter emprego, diante de um mercado de trabalho fechado e cruel.
É um racismo estrutural, não abertamente cruel como nos tempos da escravidão. Afinal, a classe média burguesa de hoje, a elite do atraso que não quer ser assim conhecida (afinal, ninguém quer pagar a conta do prejuízo do 08 de Janeiro), é "cordialmente" racista, "apoiando" o povo negro quando este se submete aos papéis que o racismo científico oferece, restrito ao entretenimento esportivo ou ao sensualismo vulgar do "pagodão" e outros ritmos brega-popularescos.
Fora esse mundo da fantasia dos negros "sorridentes demais", do "pagodão" que idiotiza a figura do negro promovendo-o como um misto de idiota e tarado, mas buscando a "autoafirmação" de uma suposta negritude caricatural para turista ver, temos uma realidade muito cruel que atinge grandes maiorias de negros.
Vindos do interior baiano - ainda preso no Século XIX e cujos coronéis políticos fazem suas cidades se tornarem "cidades-fantasmas", despejando miseráveis nos ônibus da "Secretaria de Saúde" para serem deixados à própria sorte (isto é, o próprio azar) nas favelas populosas da capital da Bahia.
Diante de um entretenimento higienista que só admite o negro quando ele banca o "bobo da corte" dos festejos da axé-music e derivados, as elites baianas e seu lobby nos meios acadêmicos, políticos, jornalísticos, entre outros, incluindo o meio estatístico, tentam fazer crer que Salvador tem maioria feminina na população para atender duplamente a dois polos opostos: o machista, pela "oferta" da suposta liberdade sexual, e o feminista-identitário, pelo poder político da "maioria numérica".
Salvador já admitiu, no Censo de 1960, que existe maioria masculina na população, mas desde que o turismo simbólico, não apenas o turismo sexual clandestino, mas o turismo cultural da "cidade tropical" cujo cenário sempre tem que estar associado à sensualidade e à mística feminina, há a necessidade de mascarar os dados de tal forma que produza consenso para que todos possam dormir tranquilos.
Assim, a "Salvador-mulher" é um mito "positivo", associado a uma cenografia do teatro sociocultural que, por incluir uma cidade com praias exóticas e clima tropical, precisa ser reconhecido pela figura feminina, das quais oito "Gabrielas cravo e canela" se oferecem para cada homem poder escolher para namorar.
O dado sombrio dos negros que "vivem em lugar nenhum", com maioria de homens cuja força física os faz sair do interior baiano para, em grandes quantidades, arriscar aquilo que, inicialmente, imaginam ser o "Eldorado baiano", em busca de algum trabalho, ainda que seja braçal.
Existe um racismo ainda perigosamente oculto, que faz com que surjam denúncias de trabalho escravo em várias partes do país, 135 anos após a controversa e inócua Lei Áurea, cuja assinante, a "alienada" Princesa Isabel, é exaltada pelo Espiritismo brasileiro simbolizado por dois "médiuns" charlatães, um tendo feito turismo pegando carona até em "crianças-índigo", outro divertindo a burguesia baiana com piadas contra sogras, gordinhos e louras.
Esse racismo estrutural é oculto pelo verniz da cordialidade, mas comete suas crueldades no âmbito cultural, como produzir uma "cultura" popularesca que, através de ritmos como "sertanejo", "funk", "pagode romântico", "pagodão", "forró-brega" (e seu derivado recente, a "pisadinha"), arrocha e axé-music, tentam forçar os casais das classes populares a se separarem, com o duplo objetivo de dificultar as uniões conjugais estáveis entre negros e mestiços, complicando a solidariedade familiar que irá contaminar a periferia como um todo, dificultando também a solidariedade de vizinhos e amigos.
Esse forçamento de barra ("forçação" não existe, é erro grosseiro de português) se dá através de letras das canções que tocam em rádios "populares demais" controladas por poderosas oligarquias regionais. São letras de traições e desilusões amorosas, alternadas por outras sobre hedonismo sexual, na qual a "vida de solteiro" é narrada sob o ponto de vista festeiro e alienante, como se a pessoa solteira fosse uma perfeita idiota.
Vivi em Salvador entre 1990 (onde cheguei num 18 de fevereiro) e 2008 e percebo esse mundo real que não aparece nas narrativas oficiais, mesmo as narrativas de esquerda, esta cada vez mais distante das causas trabalhistas, por ela defendidas da boca para fora, como se o povo pobre fosse um "zoológico" a ser preservado pela chamada "democracia" (eufemismo para um sistema político que dá um pouco mais para os pobres sem tirar dos ricos, que continuam com suas fortunas abusivas).
Há muitos e muitos homens pelas ruas de Salvador. Um número gigantesco. Mesmo a presença de mulheres negras é grande, mas não majoritária. E quem se aventura para pegar ônibus de madrugada do interior para a capital é mesmo o homem, por razões óbvias, apesar de ter havido até longa-metragem do cinema itentitário baiano com a narrativa fantasiosa, padrão Conspiração Filmes, de meninas adolescentes que até ontem brincavam com bonecas e partiram sozinhas para viver na capital baiana.
Os homens negros e pobres em grande parte não só não têm direito a um emprego digno como são proibidos de serem até números estatísticos. Na gíria das mulheres que frequentam a vida noturna, há também a queixa que esconde um certo racismo: "Falta homem aqui em Salvador". Na verdade, não são os homens que estão em falta, mas os homens do padrão de um Cauã Reymond. É como se houvesse uma elipse: "Falta homem (bonito e charmoso) em Salvador".
Pois os homens negros e pobres não vão frequentar as boates da moda, que a mídia corporativa, cinicamente, vende como "lugares de paquera", num país em que "vida amorosa" é mercadoria para encher os cofres dos empresários da noite, pouco se importando se, no futuro, as mulheres, pela ilusão da vida noturna (vide o ditado "à noite, todos os gatos são pardos"), levarem para casa seus futuros inimigos, a cometer feminicídio num momento de tensão e desavenças.
Homens negros e pobres, em grande parte, ainda vivem sob um horizonte duvidoso da miséria se agravar, do desemprego nunca mais se resolver, do tempo passar e as adversidades crescendo (as mesmas adversidades que fazem "médiuns espíritas" não conterem um sorriso de cínico prazer diante do sofrimento de um aflito), e ainda não podem ser sequer números estatísticos, e ainda por cima são humilhados pela sua aparência, pois eles não são atrativos.
Sofrem esses homens negros e pobres, que já têm que carregar a lembrança dos antepassados sofrendo horrores e aguentando o castigo dos chicotes e dos ferros em brasa causando cicatrizes horrendas em seus corpos, por não serem considerados "humanos" num entretenimento em que a alegria parece permanente, mas é artificialmente produzida por rodadas de cerveja, trazendo a ilusão dos "poucos" homens descontraídos, divertidos e simpáticos que, no futuro, se revelarão feminicidas frios, cruéis e calculistas.
Pois os homens negros e pobres, que têm que suportar os resíduos do Brasil escravista, não têm culpa de sua aparência "feia", de não frequentarem as boates da moda, de engrossarem ocultamente a população masculina que "desaparece" dos dados estatísticos de Salvador, evitando a permanência de cidades do interior que, extremamente atrasadas, ainda vivem em tempos anteriores à Lei Áurea.
Tudo isso não existe no âmbito da "felicidade carnavalesca" que contamina até nossas esquerdas pequeno-burguesas, agora festejando o atual comando da República brasileira por um Lula com 78 anos e corpinho de 95, feito um "Rei Momo" para as esquerdas identitárias fazerem o "L" nas folias de todo o país. Um Brasil que falou-se estar devastado e no começo de uma reconstrução, mas que de repente muita gente já está comemorando, antes da hora, uma recuperação que ainda está para começar.
Isso porque quem comemora é a classe média, a pequena burguesia, a elite do atraso que se recusa a ser chamada pelo nome, para não receber a conta dos estragos de 08 de Janeiro em Brasília. Tudo na grande ilusão de uma confusa "democracia" em que se festeja demais o anúncio de um salário mínimo de apenas R$ 1.320 com mais R$ 600 do Bolsa-Família, enquanto os ídolos da axé-music já nadam em dinheiro com as verbas público-privadas do Ministério da Cultura.
E sob as costas da positividade tóxica que tem da axé-music seu mais típico exemplo, vemos uma grande miséria em Salvador, uma miséria que foge dos dados estatísticos, e que aflige mulheres humildes, com toda a certeza, mas também um sem-número de homens pobres, negros e mestiços, que não têm direito sequer a figurar no número de habitantes da capital baiana, como se não bastasse não poderem comprar abadás para a folia com seus salários de fome.
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