EM 2012, A INTELECTUALIDADE "SEM PRECONCEITOS" CREDITARIA ELON MUSK E MARK ZUCKERBERG COMO SE FOSSEM "GUERRILHEIROS DIGITAIS DE ESQUERDA". HOJE ELES SÃO O SÍMBOLO DA DIREITA NAS REDES SOCIAIS DA INTERNET.
O culturalismo brega-popularesco foi uma grande pegadinha que enganou as esquerdas, que acreditaram em suas lorotas sob a desculpa de que essa “cultura”, em tese, “fazia o pobre sorrir”. O dito “combate ao preconceito”, inicialmente uma bandeira articulada em conjunto pelas Organizações Globo e pelo grupo Folha, que enviou seu “menino de ouro” Pedro Alexandre Sanches como “interventor cultural” na imprensa esquerdista, foi uma forma de evitar os debates culturais que, nos anos 1960, geraram o Centro Popular de Cultura da UNE e o engajamento da MPB que fez o Brasil ainda respirar culturalmente mesmo nos primórdios da ditadura militar.
Sanches, posando de “bom esquerdista” e tornando-se, ao lado de Paulo César de Araújo e Hermano Vianna, os principais ideólogos do culturalismo brega-popularesco - que incluiu “lamentos” do porquê de nomes medíocres como É O Tchan e Calcinha Preta “não terem reconhecimento pelo alto escalão da MPB” - , conseguiu enganar tanto que o “filho da Folha” quase estava subindo as escadas do Centro de Estudos Barão de Itararé, se infiltrando nos círculos orgânicos da mídia alternativa, que quase virou um puxadinho cultural de Otávio Frias Filho.
A empreitada derrubou parte da mídia de esquerda brasileira, desacreditada pelo público progressista que não engoliu ver as pautas culturais da Caros Amigos, que faliu, da Fórum, Carta Capital e Brasil de Fato, que sofreram crise grave. Ver o tecnobrega na capa da Fórum horrorizou leitores e, se os tempos de Jango tiveram um Cabo Anselmo para acender o pavio do golpismo, nos tempos de Dilma, Pedro Alexandre Sanches, MC Leonardo e Rômulo Costa ajudaram a abrir as portas para o golpismo orgânico de Eduardo Cunha e Michel Temer.
Episódios como a bolsonarização dos ídolos popularescos, o reacionarismo das Big Techs e o vazio ideológico dos grupos identitários brasileiros mostraram o quanto a falácia do “combate ao preconceito” foi um grande blefe que enganou a mídia de esquerda, embora os leitores exigentes se mantivessem desconfiados. E isso foi crucial para o golpe político de 2016.
Esse culturalismo, aliás, tentou sobreviver depois dos golpes. Cabo Anselmo era “amigo das esquerdas” até o fim dos anos 1960, quando decidiu tirar a máscara ao denunciar parceiros para a repressão militar. Depois de 2016, Sanches ainda chorou lágrimas de crocodilo com o fim do Ministério da Cultura e, como papagaio, imitava os discursos dos jornalistas de esquerda.
O brega-popularesco do “combate ao preconceito” tentava não somente precarizar a cultura popular e transformá-la num mercado rentável - principalmente para os fabricantes de cervejas - , mas também creditar a Internet e as redes sociais como supostas trincheiras de subversão sociocultural que, em tese, revolucionariam a humanidade.
Passado o calor momentâneo da cegueira emocional, vemos episódios que mostram o quanto esse culturalismo que prometia um misto de Revolução Cubana com Nação Woodstock acabou gerando o contrário. E dava pena as esquerdas pegarem carona, nos tempos do Orkut, em “tribunais de Internet” que imaginavam serem “meras zoeiras de amigos” contra quem não gostava das “coisas da moda”.
No Orkut já havia reacionarismo digital, mas como ele não mexia em "socialistas morenas" nem em "blogueiros da cidadania", as esquerdas médias achavam que esta plataforma digital era um paraíso encantado do progressismo mais puro. Em 2007, muitos reaças digitais se passavam por "esquerdistas" na esperança de se envolver em algum projeto "cultural" que pudesse receber verbas de incentivos fiscais do governo Lula.
A ilusão desse culturalismo apostava na utopia de que as grandes plataformas digitais representavam o que havia de moderno e revolucionário, o que iludiu muitas esquerdas que apostavam que a revolução socialista ocorreria no clique de um mouse, sem saber que as redes sociais mostrariam novos magnatas da mídia, dotados de pisturas bastante conservadoras.
Amostras disso são Mark Zuckerberg despejando comentários machistas, pedindo mais “energia masculina” para as empresas, Steve Bannon, o marqueteiro de Trump e Bolsonaro, tendo que admitir que Elon Musk é “maligno e racista”, lembrando que o CEO da Tesla e do X (antigo Twitter) nasceu na África do Sul.
E aí temos também a fantasia de que a "subversão" brega-popularesca também iria trazer a revolução brasileira, aliada às redes sociais, como se juntar fenômenos popularescos com Internet trouxesse um cruzamento do pacifismo hippie com o guevarismo combativo. Outra ilusão.
Mas 13 anos após Sanches “sugerir”, com argumentos especulativos, a MC Leonardo a associação tendenciosa (para não dizer falsa) do “funk” ao MST, uma chacina num assentamento do movimento em Tremembé, no interior paulista, que matou três pessoas, tem como suspeito de ser mandante um sujeito apelidado Nero do Piseiro, acusado de disputar lotes com as vítimas. O nome “piseiro” se refere a um estilo musical brega-popularesco muito em moda nos últimos anos.
Piseiro é um subproduto do forró-brega, um dos gêneros contemplados pelo “combate ao preconceito” de 2002-2016. O piseiro surgiu na Bahia, mas eventualmente faz parcerias com o “funk” e a axé-music, além de representar a franquia do arrocha baiano no território nacional.
Meu antigo blogue Mingau de Aço tentou avisar do caráter nocivo dessa campanha pela precarização cultural do Brasil e pela ilusão de que as Big Techs iriam provocar a revolução democrático-socialista na humanidade planetária. A lorota da "subversão hacker" do tecnobrega carregou essa fantasia, nas narrativas da intelectualidade "bacana", uma década antes de vermos que até o Tik Tok e o Kwai também se incluem no neoconservadorismo tecnológico das Big Techs.
Mas meu blogue era o “patinho feio” da mídia alternativa, que, a cada um seguidor que ganhava, perdia dois. No entanto, o que eu escrevi entre 2010 e 2014 está se confirmando e hoje as esquerdas médias estão constrangidas diante da ilusão que o “combate ao preconceito” significou para as forças progressistas.
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